Robert
Hook combateu, veementemente, a ideia generalizada de que os fósseis eram o
resultado de virtudes operadas no seio das rochas ou que surgiam sob o efeito
de influências celestiais. À semelhança do seu contemporâneo dinamarquês
(Nicolau Steno), interpretava os fósseis como restos de organismos que haviam
sido submetidos a um processo de petrificação. Numa ousadia que atentava contra
a crença religiosa da unidade da Criação, chamou a atenção para a existência de
fósseis cujos indivíduos não têm representação actual, aceitando, portanto, que
havia, no presente, novas espécies.
Defensor
da mesma visão, Leibniz reconheceu os fósseis como vestígios petrificados de
seres vivos do passado, actualmente extintos, e, nesta medida, é também
lembrado como um dos fundadores da paleontologia. Ao afirmar que “nas múltiplas
mudanças operadas na Terra ao longo do tempo, um grande número de seres sofreu
transformações”, Leibnitz lançou a semente do transformismo
Em
Inglaterra, na mesma época, o botânico John Woodward (1665-1728), influenciado
pela abundância de fósseis que lhe foi dado observar no condado de Gloucester,
organizou uma numerosa e valiosa colecção de “petrificados” que fez história,
de início, como núcleo do Museu Woodwardiano, em Cambridge, e, posteriormente,
como acervo do Museu Sedgwick, na mesma Universidade. O livro que nos deixou,
An Attempt towards a Natural History of the Fossils of England, em dois volumes
(1728 e 1729), é expressão do seu muito saber como paleontólogo.
No
livro “Helvetica Lithographia”, publicado em 1726, o médico e naturalista suíço
Johann Jakob Scheuchzer (1672-1733) descreveu, em 1726, um esqueleto fóssil,
retirado de terrenos do Miocénico, perto do Lago Constança, que identificou
como sendo de um homem (Homo diluvii) vitimado pelo Dilúvio.
Esta
descoberta, aproveitada pela Igreja como demonstrativa da veracidade desta
crença, vingou até 1811, data em que o naturalista francês Georges Cuvier
(1769-1832), lembrado como pai da anatomia comparada, reexaminou o dito fóssil
e identificou-o como uma salamandra gigante, dando, assim, um violento golpe no
diluvianismo.
Na
mesma época, o cônsul francês no Egipto, Benoit de Maillet (1656-1738),
divulgava uma teoria sobre a evolução da Terra, segundo a qual teria havido
alternância de períodos de invasão e de recuo do mar ao longo do tempo
geológico que, ousadamente para a época, estimava em muitos milhões de anos.
Antecipando os conceitos de transgressão e regressão marinhas, foi pioneiro na
ideia que considera a vida terrestre como uma transformação adaptativa da vida
marinha.
Ao
tempo em que o naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778), na sua obra
Systema Naturae (1758), iniciava a sistemática dos seres vivos, Anton Lazzaro
Moro formulava inovadoras teses sobre a
origem dos fósseis marinhos. Investigando sob a pressão dos compromissos e
restrições de natureza religiosa e incompreendido por muitos, que o acusavam de
desrespeitador da Fé, este abade e vulcanista veneziano foi autor de avanços
notáveis relativamente à paleontologia encarada como disciplina científica, com
destaque para o livro "De Crostacei E Degli Altri Marini Corpi"
(1740), no qual expressa as suas ideias sobre as mudanças verificadas depois da
Criação.
Nesta
linha de abandono das explicações fantasiosas ainda prevalecentes, o
naturalista francês George-Louis Leclerc (1707-1788), mais conhecido por
Buffon, defendia que as conchas encontradas no seio de algumas rochas eram
restos de moluscos marinhos desaparecidos e recuperava a expressão “espécies
perdidas” criada dois séculos atrás, por Bernard Palissy, muito antes do
nascimento da paleontologia como ciência.
Considerado
a figura central de todo o pensamento na história natural, na segunda metade do
século XVIII, Buffon foi o fundador do embrião do Museu Nacional de História
Natural de Paris, cujo papel no domínio do progresso da paleontologia é um dado
histórico. Na mesma época, o chamado “Sistema Woltersdorf”, considerado uma das
mais antigas classificações dos produtos não vivos da Terra, divulgada em 1748,
pelo teólogo e mineralogista alemão, John Lukas Woltersdorf (1721-1772), mostra
que o autor já reconhecia os fósseis como restos de seres vivos petrificados.
Com efeito, além das classes que incluíam rochas e minerais (Terrae, Lapides,
Sali, Bitumina, Semimetala, Metala), distinguia a classe Petrifada, na qual
reunia restos de vertebrados e invertebrados, continentais e marinhos, bem como
de vegetais.
Anos
mais tarde, o naturalista francês, Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet
(1744-1829), mais conhecido por Lamarck, na sua obra “Historie Naturelle des
Animaux sans Vertèbres”, editada em 1802, dava verdadeiro início à
paleontologia dos invertebrados. Foi também este naturalista quem apresentou a
primeira teoria fundamentada sobre a evolução dos seres vivos, logo contestada
pelo seu contemporâneo George Cuvier (1769-1832), catastrofista convicto e
adversário assumido das ideias de Lamarck.
Introdutor
do criacionismo, Jean Leopold Nicolas Fréderic Cuvier, de seu verdadeiro nome,
defendia que a Terra sofrera extinções periódicas de muitos animais, seguidas
por períodos de acalmia, durante os quais teria lugar nova criação. Fundador da
anatomia comprada e da paleontologia dos vertebrados em termos modernos,
trabalhou no Museu Nacional de História Natural de Paris como assistente e em
estreita colaboração com o zoólogo Étienne Geoffroy Saint-Hilaire (1779-1844).
No seu livro “Leçons d’anatomie comparée”, editado em 1800, Cuvier formulou o
chamado “Princípio da Correlação das Partes”, segundo o qual “as
características anatómicas e funcionais dos vertebrados estão relacionadas
entre si e com o ambiente”.
A
anatomia comparada nos vertebrados permitiu aos paleontólogos reconstituir a
configuração corporal correspondente aos ossos que iam sendo achados e, ainda,
a reconstituição de espécies fósseis desconhecidas. Uma outra contribuição de
Cuvier para a paleontologia foi ter aplicado os conhecimentos da zoologia e da
botânica actuais ao estudo dos animais e plantas fósseis. Defensor de uma visão
catastrofista da História da Terra, mostrou que os esqueletos fósseis de
mamutes e mastodontes eram diferentes dos elefantes actuais, dando, assim,
ênfase ao seu conceito de extinção.
Cuvier
estudou os fósseis da Bacia de Paris, onde reconheceu uma série de sucessivas
faunas, tendo verificado que as camadas sedimentares mais jovens desta série
continham fósseis de vertebrados mais próximos dos que existiam na actualidade
e que nenhum deles tinha representação em animais do presente. Concluiu, então,
que esses fósseis correspondiam a animais do passado que se extinguiram. Também
ele, um catastrofista, Alexandre Brongniart (1770-1847), geólogo e
mineralogista francês, teve papel notável como paleontólogo. Realizou um importante
estudo sobre trilobites e contribuiu com elementos pioneiros para a
estratigrafia, através do conhecimento de fósseis, passíveis de datar os
estratos de rochas sedimentares.
Quando
o número e a variedade de fósseis, encontrados e estudados pelos paleontólogos
pioneiros, ganhou uma dimensão suficientemente importante, a Igreja não pôde
continuar a negar que tais achados eram restos de seres vivos do passado e,
assim, os clérigos mais conservadores defendiam que os fósseis correspondiam a
restos de animais vitimados pelo Dilúvio bíblico.
Foi
neste quadro que William Smith (1769-1839), iniciador da paleontologia
estratigráfica, desenvolveu as suas ideias. Além de geólogo de renome, este
inglês foi grande inovador no domínio da paleontologia. O seu trabalho
contribuiu para pôr fim à interpretação, advogada pelas Escrituras, que negava
a origem orgânica dos fósseis. Ao demonstrar o valor dos fósseis no
reconhecimento das camadas geológicas, o seu trabalho foi decisivo no
estabelecimento de uma geocronologia relativa e no desenvolvimento da
estratigrafia.
Smith
verificou que determinada sobreposição de estratos de rochas sedimentares,
observável num dado lugar, se podia encontrar noutros locais e concluiu pela
possibilidade de caracterizar cada estrato pelo conjunto dos fósseis nele
incluídos. Concluiu, ainda, que a mesma sucessão de estratos podia ser
encontrada em muitas regiões do país. Esta sua conclusão permitiu-lhe formular
o “Princípio da Sucessão Faunística”, cuja consistência procurou e pôde ser verificada
em termos universais. No seu trabalho, ”Treatise on the Classification of
Strata”(1815) reuniu, estudou e figurou uma vasta colecção de fósseis,
possibilitando a outros estudiosos testar a sua teoria.
Galopim
de Carvalho