terça-feira, 29 de novembro de 2011

O IMPORTANTE E O URGENTE



Confundem-se, frequentemente, as situações importantes com as situações urgentes. Mas, pior ainda, é muitas vezes ao nível do Estado que essa confusão se torna mais saliente e com resultados mais desastrosos.
            Uma situação importante necessita de tempo e de estudo para ser realizada. Por isso, um teste escolar, mas também um outro qualquer acontecimento de relevo de natureza pessoal, profissional…, que exija planeamento, contactos a efectuar, etc., e com data marcada, tem que ser preparado com tempo. Ir adiando a preparação desse acontecimento significa torná-lo urgente. Ora, é sabido que nas urgências (não se fala nas de natureza médica, efectuadas em ambiente hospitalar, porque essas deverão estar devidamente planeadas) atacam-se as situações de improviso e com o que estiver à mão. Contudo, quase sempre o improviso e o que está à mão constituem a pior maneira de resolver os problemas.
            A escola poderia ser, então, um espaço privilegiado para se ensinar a prática da distinção entre importância e urgência. O aluno deveria aprender que há tarefas, como a realização de um teste que, sendo importantes, exigem um tempo de preparação. E esse tempo não pode reduzir-se a uma hora (quantas vezes, nem isso!) na véspera. Ora, essa aprendizagem, sendo eleita como prioridade no desenvolvimento escolar e pessoal, seria monitorizada através da acção da própria escola.
            A família, igualmente, deveria constituir-se como um reforçador desta atitude de responsabilidade perante uma tarefa que, com prazo, tem que ser realizada na escola mas, também, em qualquer outro ambiente e de outra natureza.
            Quando o Estado, nas diferentes formas que ele assume, nem sempre dá exemplos de preparação e de planeamento, perante decisões de interesse nacional, regional ou local, poderá exigir-se das famílias e dos alunos que tomem decisões adequadas, devidamente ponderadas, em tempo oportuno?

                                                                                                 Mário Freire

domingo, 27 de novembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO - 7



                                                        Via ritual

Dita também “via cerimonial” e “via organizacional”, a via ritual tem sido particularmente cultivada no Oriente, através da disciplina mudra, e, no Ocidente, nas liturgias religiosas. Os mudras são gestos corporais sobretudo utilizados nos rituais budistas em que os monges chegam a fazer, seguidamente, centenas de prostrações. No Confucionismo, no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo, é notória uma gama variada de prescrições rituais e de cerimoniais elaborados. O termo cerimonial provém do culto prestado a Ceres deusa romana da fertilidade.
A via ritual abrange os diversos domínios e relacionamentos da vida humana e não só. A harmonia dos rituais humanos enquadra-se na euritmia da natureza e de todo o universo. O ritual faz parte do instinto diversamente manifesto, desde o relacionamento dos insectos ao dos peixes e mamíferos. Os ritos constituem o psicodrama que põe em cena juntamente com os gestos, os sons, as cores e a fragrância, diversamente expressos e conjugados. Que se pense na mímica, no folclore, na ginástica, na dança, no jogo, nas paradas e tantas outras expressões da vida privada e pública.   
A via ritual é próxima da via artística, metendo ambas o acento na expressão e na forma. No entanto, a via artística á mais centrada no conteúdo, enquanto que a via ritual privilegia a forma. Roberto Assagioli valoriza a ritualização da vida quotidiana em que “cada gesto se torna um rito.” Todas as actividades individuais e colectivas se desenrolam num certo ritual. Este se traduz no relacionamento humano, mormente em manifestações de cortesia social relativamente a outrem. Mas há que atender igualmente à dimensão universal, no sentido de uma manifestação cósmica. Desde os átomos às galáxias, todo o universo se expressa numa orquestração rigorosamente programada e livremente executada.
Buda faz ver que, uma vez desprovido da elevação do seu significado, o ritual é um obstáculo à iluminação. Em psicossíntese, Assagioli associa o ritual a uma variedade de exercícios, tal como A Divina Comedia de Dante e a Legenda do Graal, tendo estes como os mais aptos à inclusão do nível transpessoal. A via ritual é por excelência aquela que favorece um processo de desidentificação que antecede a verdadeira identificação e favorece a co-identificação, no sentido de permitir ao ser humano a experiência de auto-realização, na consciência de ser, ao mesmo tempo, autor e co-autor, espectador e actor.                          

                                                                             João d’Alcor

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ENERGIA SINERGÉTICA

                                                    

Moderando a interação da energia universal

Conhecemos desde sempre a importância de se fazer circular a energia universal entre os indivíduos. Apesar disso, quando nos situamos em grupo numa sensação partilhada, o reconhecimento da nossa própria energia e a diferenciação com a energia alheia são fontes de um equilíbrio essencial. Este permite-nos gerir o ponto de encontro, preservando a nossa privacidade. Com isto queremos significar que podemos partilhar a energia universal com os outros; porém, devemos compreender a unidiversidade, ultrapassando situações simbióticas. Deste modo, a própria angústia pode ser reconhecida como algo que não nos pertence. A difusão pode surgir de um desconhecimento; o permitir da entrada do que não nos pertence pode originar situações de dissociação. O reconhecimento da nossa identidade permite-nos separar as situações através da consciencialização dos nossos próprios limites.
Esta abordagem de uma interação psicoenergética permite o acesso à energia do grupo e à energia do outro mas de modo equilibrado. Através de exercícios psicoterapêuticos realiza-se a distinção entre o próprio e o alheio e permite perceber-se a diferença entre ambos. O corpo é a energia num pedaço do todo. Um treino no âmbito fenomenológico pode representar um modo saudável de entendimento e permite fazer a distinção entre a situação de ressonância partilhada e a sua oposição, a situação de apego.
Em suma, estas técnicas permitem-nos reconhecer a importância do saber dar e receber através de uma interação saudável com o outro, mas apenas ao acesso da nossa permissão. O conhecimento de algumas estratégias possibilita um distanciamento saudável e simultaneamente o enraizamento de uma sinergia necessária à evolução cósmica com um só objectivo comum: fomentar a paz e a harmonia universal.
                                                                             Paula Faria

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O TEMPO NO PROCESSO EDUCATIVO


              A educação é um dos principais instrumentos para modificar a sociedade e contribuir para que nela haja menos ignorância, menos desigualdades, menos submissão e mais desenvolvimento. Por isso, ela sendo importante, exige tempo. Mas para que essa modificação da sociedade se possa efectivar e tornar-se mais humanizada é preciso dar mais atenção àqueles que, dentro do sistema educativo, são os mais débeis, os que mais dificuldades têm em aprender, os que, devido às circunstâncias adversas das suas infâncias, ficaram com traumatismos psicológicos que os tornam rejeitados pelo sistema.
            A aprendizagem tem que respeitar os ritmos de cada um. Mas se o ensino se apresenta de modo a querer que todos aprendam a um mesmo ritmo, num mesmo tempo, então está a favorecer-se o aparecimento das desigualdades e a gerar-se a exclusão social.
            As mudanças que nos últimos cinquenta anos tiveram lugar no domínio educacional levaram a que se formulasse o seguinte princípio universal: o de que toda as pessoas são susceptíveis de serem educadas. Mas, para que tal possa acontecer, torna-se necessário que se preste atenção aos ritmos individuais de aprendizagem e estes variam de pessoa para pessoa. Naquelas com mais dificuldades, esse ritmo será necessariamente mais lento. É preciso, pois, dar-lhes mais tempo.
            Quando se fala em educação, vêm logo à mente os métodos utilizados, os materiais didácticos em uso, a competência dos professores, os meios financeiros disponibilizados, a adequação dos edifícios escolares às necessidades do ensino e, naturalmente, os alunos. É para eles que todas as outras variáveis convergem. Mas essa convergência nem sempre tem, na devida conta, o tempo que eles necessitam para fazerem uma aprendizagem eficaz, sustentada, pensada, interiorizada. Precisamos de tempo para pensar! Precisamos de tempo para aprender! Precisamos de tempo para viver!

                                                                                      Mário Freire 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

AS DESPESAS DA EDUCAÇÃO



             Em todo o mundo, os recursos destinados à educação são cada vez mais restritos; no entanto, nem por isso se deixa de se exigir que os governos aumentem a eficiência do respectivo sistema educativo, face às necessidades crescentes de formação.
Em particular, as despesas da educação, a nível de escola, podem ser divididas em três categorias: pagamento aos professores, pagamento a funcionários não docentes e outras despesas (materiais de aprendizagem, manutenção dos edifícios escolares e refeitório, entre outras).
Os investimentos a nível primário e secundário são essenciais na construção dos fundamentos da aprendizagem ao longo da vida e na promoção de igualdade de oportunidades. Os salários dos respectivos professores representam a maior parte das despesas correspondentes, 79%, em média, nos países ocidentais (varia de 70% em países como a Finlândia, a Polónia e a Suécia até valores acima de 90% como em Portugal). Países com orçamentos educativos reduzidos destinam, pois, uma grande parte dos recursos ao pagamento de salários, quota muito significativa quando comparada com os que são destinados ao pagamento de serviços educativos de suporte.
Ainda nos países ocidentais, ao nível terciário, gastam-se cerca de 32% do respectivo orçamento educativo em despesas, agora não relacionadas com o pessoal. Essa despesa justifica-se pelos altos custos de equipamento no ensino superior.
Nos países que estamos a considerar, a educação é financiada fundamentalmente por fundos públicos (cerca de 83%), verificando-se, no entanto, um financiamento privado apreciável sobretudo ao nível terciário. Este tipo de financiamento vem aumentando e acompanha a redução do financiamento público (8% em Portugal entre 2000 e 2008). Considera-se que o financiamento privado não substitui o público, antes o complementa. O financiamento privado varia de país para país e varia, também, com o nível educativo.
            Para finalizar, a educação no posto de trabalho é, em geral, financiada directamente por cada um dos países ou então as empresas são reembolsadas por essas despesas, as quais são incorporadas nas despesas públicas. Este tipo de aprendizagem intensiva é significativo em países do centro da Europa tais como a Alemanha e a Suíça.

                                                                         FNeves

sábado, 19 de novembro de 2011

ABUNDÂNCIA



Se há carência em tanta gente,
não provém do Criador;
vem de alguém que, sem pudor,
vive em termos de excedente.

Tudo leva a constatar
que o reverso da abundância
é devido à ganância
de quem ousa defraudar.

Se a abastança é bem comum,
que ninguém, de modo algum,
dela outrem vá privar.

Sua origem está no Ser
que coloca o verbo Ter
sobre o altar do verbo Amar.

                                
                                                             João d’Alcor

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

OS MODOS DE CONHECER - 4



           Uma taxonomia para esquecer ou para relembrar e aplicar?

            Uma taxonomia visa uma classificação de diferentes elementos, sejam eles animais, vegetais, minerais, edifícios, livros… em grupos, de modo que dentro de cada grupo haja uma melhor compreensão das suas estruturas e, entre eles, se percebam melhor as suas relações.
Ora, na primeira metade dos anos 70 do século passado apareceu uma taxonomia (Bloom) que dizia respeito não à Natureza mas a objectivos de educação. Essa taxonomia pretendia uma classificação das metas do sistema educativo, a partir de uma definição de cada uma delas. Desejava-se, assim, que os políticos da educação mas, também, os educadores definissem não só o que pretendiam ensinar mas, principalmente, que determinassem até que níveis do conhecimento entendiam levar os alunos a aprender.
As três crónicas anteriores tentaram ilustrar esses diferentes níveis do conhecimento, na sua significação mais ampla (memorização, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação) e mostrar que neles se implicam diferentes capacidades mentais, desde a mais elementar, mas não menos importante, memorização até à formulação de juízos de valor, a partir de critérios bem determinados.
O acolhimento, na altura, desta taxonomia e a importância que lhe foi atribuída foram tais que, nas instituições formadoras de professores, começou a ser adoptada. E havia razões para isso, uma vez que ela alertava o professor para determinadas operações mentais do aluno que, sendo elas efectuadas, se poderia afirmar que ele tinha aprendido. Não se tratava de uma pedagogia que tinha subjacente uma filosofia para a educação. Tratava-se, simplesmente, de uma técnica que visava que o aluno pudesse atingir níveis elevados de cognição, num determinado sector do conhecimento.
O que sucedeu, posteriormente, foi que o seu alcance foi posto em causa por alguns progressistas da educação por entenderem que esta taxonomia tinha como única função do professor o de tentar obter comportamentos observáveis nos alunos, a partir dos objectivos gerais estabelecidos pelo poder instituído e de se preocupar com a eficácia imediata da acção educativa. O ensino, segundo esta interpretação da taxonomia, era conduzido a uma homogeneização de métodos, técnicas e de receitas para cada objectivo.
Ora, quem tiver lido as três crónicas anteriores, facilmente verificará que é, precisamente, ao oposto que esta técnica, criteriosamente usada, conduzirá. Não se exclui que um seu mau uso pudesse trazer um ou outro aspecto a rejeitar. Mas, para isso, haveria que estudá-la adequadamente, tendo em conta o seu alcance pedagógico e, depois, extrair dela todas as potencialidades.
Não será altura de retomar esta taxonomia, expurgando-a de alguma da sua complexidade (e ter em atenção o seu mau uso!), e encará-la como uma técnica que implica grandes desafios para o professor e um alcance educacional muito grande para o aluno? 

                                                                       Mário Freire

terça-feira, 15 de novembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO - 6



                                                   Via devocional

Caracteriza-se esta via pela devoção e consagração a determinadas causas, ideais, ou a entidades a que é prestado culto, pelo que é também designada “via religiosa” e “via mística”. A via da devoção corresponde, no Oriente, ao Bhakti-yoga  em que se privilegiam o amor a algo ou a alguém, conjuntamente com o dinamismo da vontade em servir e honrar. Tem a via devocional particular afinidade com a via iluminativa, com a diferença de que nesta o acento é posto mais na suavidade do amor, enquanto que a via devocional é mais focalizada na intensidade do agir. Na iluminação, predomina a chama que nos penetra; na devoção ela faz de farol que nos orienta. A intensidade desta via pode ser expressa positivamente nos êxtases e revelações do misticismo. Uma vez deturpada, chega a ser avassaladora, estando na origem do fanatismo manifesto nas guerras religiosas, no capitalismo usurpador e no terrorismo.
Para progredir nesta via é fundamental cultivar a vontade transpessoal desprovida de egoísmo e de demagogia, dado que alicerçada na generosidade do coração. A devoção é fundamentalmente a oferta de nós mesmos, em moldes de uma consagração pessoal. Roberto Assagioli vê na devoção uma atitude baseada num ideal em que “cada momento e cada movimento do nosso ser é levado a se transformar em contínua e devota oferta de nós próprio ao Eterno.” Segundo ele, “os verdadeiros místicos e os grandes contemplativos têm uma função real e efectiva.” O fundamental do fazer está na plenitude do ser que se traduz na afirmação de Lao Tzu: “Um ser integral vê sem olhar e executa sem fazer.”
O ideal devocional, seja ele humanitário, religioso, politico, psicológico, profissional, ou outro está ligado a uma aspiração, a uma disciplina e a um relacionamento ordinariamente caracterizados pela diade aprendiz e mestre, não em regime de dependência, mas de colaboração. O misticismo não dispensa das obrigações ordinárias. Serve de exemplo o episódio em que Maomé terá entrado na mesquita e perguntado a um devoto que ali passara o dia sobre quem estava tomando conta da própria família, tendo como resposta o facto de que havia deixado esta ao cuidado do irmão, ao que o profeta acrescenta: “Então o teu irmão é mais devoto do que tu.” A via mística é, ao mesmo tempo, recolhimento na acção e acção no recolhimento.

                                                                    João d’Alcor

domingo, 13 de novembro de 2011

ALMEIDA FIRMINO - 2


                                  Fragmentos de vida

            Não, não sou biógrafo e, muito menos, poeta ou estudioso de poesia! Por outro lado, à distância de mais de 50 anos, quando as memórias das nossas relações já estão muito esbatidas, restando, apenas, uma amizade num tempo que já não existe, fica o dever de honrar a memória.
É com aquelas limitações que tentarei evocar alguns fragmentos da obra de Almeida Firmino. Para o fazer com a dignidade que o evocado merece, socorrer-me-ei da ajuda de alguém que, sendo poeta, também o conheceu. E conhecendo-o, também escreveu sobre ele: o poeta e escritor açoriano Victor Rui Dores.
            Almeida Firmino fixou-se, em primeiro lugar, na Ilha Terceira. O seu primeiro emprego foi o de operário na base aérea das Lajes. Concorreu, depois, ao lugar de escriturário dos Quadros de Pessoal dos Tribunais, ficando a trabalhar no Tribunal da vila de S. Roque, na Ilha do Pico.
            Esta Ilha influenciou profundamente a sua vida e a sua poesia. A ilha imprimia-lhe um sentimento de solidão e de nostalgia. Sentia-se como que aprisionado pelo mar que o envolvia; ele via os “navios rumo ao Canadá e América”; era o mar que o impelia para a liberdade, para uma partida, para uma viagem, talvez sem regresso…
            Como que a anunciar o que poderia vir a acontecer, ele dizia no poema “Testamento” do livro “Ilha Maior”

                                   Eu hei-de sepultar o meu coração
                                   Numa fraga, junto ao mar,
                                   Vizinho da névoa e solidão,
                                   Onde as gaivotas, manhã alta, vão pousar

            Era uma mentalidade inquieta, atormentada, com angústias. E aquela solidão rodeada de mar mais ia ampliando. Sentia-se num exílio, quase num cárcere, com uma saudade imensa…sabe-se lá de quê?! Por isso, no mesmo livro, no poema  “Ilha Maior”, o tema da sua morte continuava recorrente:

                         Ilha maior no sonho e na desgraça
                        Sempre a acenar a quem ao longe passa
                        ………………………………………………………

                        Negra, negra, negra e cativa
                        Ilha Maior, minha Ilha-Mãe adoptiva,
                        Maravilha de lava e altura!
                        ……………………………………….
                        E é aqui, cavada a seu lado,
                        Que eu quero ter a minha sepultura.

E, na verdade, assim aconteceu: numa manhã de Novembro de 1977, concretizou o desejo que vinha anunciando há muito.
Almeida Firmino soube cantar as ilhas açorianas. Os sentimentos de melancolia, de saudade, de solidão… que elas geraram foram de tal modo vividos pelo poeta que acabou por se imolar, num gesto, diria, de coerência com o conteúdo da sua poesia.
Fica a memória de um Poeta mas, também, a saudade de um Amigo.

                                                                Mário Freire

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ACOLHIMENTO



Sobremodo evocativo
é o termo acolhimento.
Mais nele penso, mais revivo
um estranho sentimento:

Vira Cristo, porta a porta,
não outrora, hoje em dia,
disfarçado – Pouco importa –
e ninguém o recebia.

Fora um sonho e acordei.
Entretanto o pesadelo
se gravou e a reter.

Não mais tal esquecerei.
- Hoje em todos passo a vê-lo
e abro a porta p’ra acolher.

                                     João d’Alcor

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

OS MODOS DE CONHECER - 3


     Analisar, sintetizar e avaliar – palavras-chave no conhecimento

            Abordam-se, agora, na sequência dos dois textos já publicados desta série, aqueles níveis que traduzem os pontos altos do conhecimento. Eles têm a ver com capacidades mentais que, sendo bem exercitadas na escola, gerariam cidadãos mais criativos, mais capazes de elaborarem os seus juízos com fundamentos e tomarem as suas decisões com menos preconceitos e mais verdade, tendo em consideração o que é e não é essencial.
            Com a análise pretende-se que o aluno distinga, entre vários aspectos, o certo do hipotético, que identifique os dados que conduzem a uma conclusão, que separe o que está realmente provado do que não está provado e se as conclusões são coerentes com as provas obtidas, que detecte os erros lógicos ao longo de uma argumentação…
            A síntese tem a ver com a capacidade de agrupar os elementos ou partes para constituir um todo, mas um todo que não é a mera soma das partes mas, antes, algo de novo a que não se tenha ainda chegado. Este nível é aquele que proporciona o maior número de possibilidades para pôr em relevo a capacidade criadora mas, também, organizadora do aluno. Pode exemplificar-se esta actividade mental através de uma composição em que o aluno utilize uma estruturação de conceitos e de frases, que tenha a capacidade para idealizar procedimentos que comprovem uma hipótese, que elabore um plano ou uma série de actividades, devidamente programadas…
            Finalmente, a avaliação diz respeito à capacidade para formular juízos sobre o valor de certas ideias, trabalhos, métodos, materiais…, para um fim determinado, tendo em consideração determinados critérios e normas. Avaliar não é o mesmo que opinar. Só poderá falar-se em formulação de juízos de valor se eles forem construídos a partir de certos critérios como a precisão, a coerência lógica, etc.
            Enfim, ensinar o conhecimento é proporcionar ao aluno as ferramentas, de modo que se conheça melhor a si próprio mas, também, ao mundo que o rodeia. Ensinar o conhecimento é fazer do aluno, com as aplicações que fizer desse mesmo conhecimento, com as análises que produzir, com as sínteses que estabelecer e com as avaliações criteriosas que formular, um cidadão mais esclarecido, mais culto e mais produtivo à sociedade.
                                                                                                         
                                                                                                 Mário Freire

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO - 5



                                                    Via científica

Denominada por Assagioli como “via cognitiva” e “via cientifico-filosófica”, a via científica é caracterizada pela inteligência activa, tendo em conta que concebe e apresenta o mundo das ideias, das coisas e dos factos sob o rigor da lógica. É pendor desta via a estreiteza do antropocentrismo e a atitude de um utilitarismo arrogante. Piero Ferrucci vê nisso a orientação escravizadora “de impor os nossos esquemas ao universo, em vez de adaptar a este os nossos esquemas.” Há que ter em conta igualmente o outro lado da medalha, focado por Assagioli, tendo como empenhamento a libertação de “fadigas as mais pesadas e embrutecedoras”, relacionada com “a diminuição de horas de trabalho e, consequentemente, a oportunidade geral de dispor de tempo e de energia a ser consagrada a actividades culturais, artísticas e espirituais.” A beleza é privilegiada pelos artistas; a sabedoria pelos filósofos e educadores; a energia pelos cientistas. Entretanto, a pendência para as ciências ditas concretas ou puras, fundadas sobre dados dos sentidos exteriores, mais e mais é posta em causa por uma abordagem mais englobante e ética.
A via científica não raro é caracterizada por uma análise eivada de preconceitos e dogmas materialistas. Ferrucci chama atenção para o facto de que “a ciência tem sido muitas vezes mais associada à certeza e à arrogância do que à humildade e ao deslumbramento.” Vem daí que, na filosofia indiana, se considerem as ciências naturais como a via mais longa para se chegar à Verdade. Efectivamente o poder da ciência é manifesto e mais do que nunca notório na mestria e construção do mundo exterior, mas não menos portador de malefícios mediante a destruição de recursos, do ambiente e da paz.
Sábios como Albert Einstein têm destronado o positivismo, fazendo o nexo das ciências naturais com a metafísica, a ponto de eliminar a barreira entre a matéria e o espírito. Ufana do fisicismo do terra-à-terra, em que muito se tem firmado e afirmado, a ciência mais se valorizará dando as mãos à metafísica, designadamente nos domínios da filosofia, da psicologia e da espiritualidade. Na perspectiva de uma síntese, é dado considerar que a matéria é espírito no grau máximo de densidade e que o espírito é matéria no estado mais alto de subtileza, constituindo ambos a unidade da vida. 

                                                                                       João d’Alcor

sábado, 5 de novembro de 2011

ALMEIDA FIRMINO - 1


                                         Um poeta a redescobrir

Quem é Almeida Firmino? Talvez se lembrem dele os seus antigos colegas do Liceu de Portalegre, nos já longínquos anos 50 do século passado ou aqueles poucos que, nas ilhas do Pico e da Terceira, ainda existem e que com ele conviveram ou (quem sabe?) um ou outro poeta ou amante de poesia!
            Ele levava-me três anos de idade e, naqueles anos de adolescência passados no Liceu, essa diferença implica interesses e companheiros diferentes. Tal não significava que nos fôssemos indiferentes. Foi em Angra do Heroísmo, contudo, onde iniciei a minha vida profissional, que tive ocasião de falar com ele mais frequentemente. Guardo, ainda, quase religiosamente, o seu livro “Saudade Dividida” com a dedicatória “com a Amizade sincera do Amigo de Sempre”.
            É esta expressão “amigo de sempre” que me leva a fazer-lhe, agora que acabei de revisitar a Ilha Terceira, uma homenagem simples ao Poeta e ao Amigo. E essa homenagem compara-se, um pouco, a um lamento por os seus livros já não estarem presentes nas prateleiras da livraria mais importante de Angra; por o seu nome se ter tornado quase desconhecido entre pessoas que, talvez, devessem saber da existência de um poeta que, originário de Portalegre, se soube “açorianizar” e cantar as ilhas por onde a sorte o levou.
            É certo que o Município de São Roque do Pico instituiu um prémio literário, de periodicidade bienal, com o seu nome, a partir de 1994.
            Também a Secretaria Regional da Educação e Cultura dos Açores reuniu toda a obra poética de Almeida Firmino e publicou-a em livro sob o título de “Narcose”.
Iniciativas meritórias! Mas o poeta tem que vir para o meio da cidade e suscitar o confronto daqueles que quotidianamente a cruzam; ele merece ser conhecido pelas pessoas que a habitam. Numa pesquisa breve que fiz, não identifiquei quaisquer ruas, avenidas ou becos com o seu nome nas ilhas onde ele viveu. De igual modo, não encontrei um busto ou uma simples placa que mencionasse o nome do poeta num local que a ele estivesse ligado. Oxalá me tenha enganado!
Já não consigo referir com precisão o teor das nossas conversas de há 50 anos na Ilha Terceira mas retive delas sempre uma certa nostalgia e tristeza. Falávamos dos nossos tempos de liceu e, muito especialmente, do Reis Pereira, aquele professor que, apesar de temido por alguns de nós, seus alunos, havia de deixar marcas em muitos outros, ajudando-os ao longo da vida a compreender melhor o que liam e a escrever melhor o que desejavam. Foi o professor Reis Pereira, na sua forma poética de José Régio, que incentivou o Caldeira Firmino (assim era conhecido entre os colegas) a prosseguir com as suas poesias, dando-lhe ânimo e ensinamentos.
Tentarei no próximo texto sobre este poeta, que incorporou os Açores na sua existência, falar um pouco da sua vida e da sua poesia. 

                                          Mário Freire

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ABRIGO


Seja ele um brando ninho
de avezinha sem plumagem,
ou apenas um cantinho
dado ao pobre, qual ‘stalagem,

o direito a ter abrigo
é preceito universal.
O sem-lar não faz sentido.
Tal negar é ser chacal.

Dar asilo e recebê-lo,
fado é, não haja engano,
que recusa a excepção.

Quem se furta a entendê-lo?
Mais ninguém que o ser humano,
quando perde o coração.

João d’Alcor

terça-feira, 1 de novembro de 2011

OS MODOS DE CONHECER - 2

                        
                                             
ver detalhes

                       Compreender e aplicar o conhecimento

            Foi referido no primeiro texto desta série que era necessário dar tempo para se começar a conhecer. E que este começar, assentando, essencialmente, na memória, era apenas um primeiro nível de conhecimento. Ora, aprender não é, apenas, ser-se capaz de reproduzir acontecimentos, datas, etc.
O aluno tem que passar a um nível de compreensão da informação recebida e isso implica a possibilidade de interpretar os dados que reteve, estabelecendo relações entre os diferentes elementos que constituem a informação, poder expressar numa outra linguagem, por exemplo audiovisual, gráfica… essa mesma informação e, até, de fazer prognósticos baseados nas tendências percebidas. É este tipo de operações mentais, feitas a partir da informação recolhida, que permite afirmar que a mesma está compreendida.
Mas ter compreendido uma matéria significa, necessariamente, ter êxito na resolução de um problema respeitante à mesma? Ora, trabalhos de investigação têm demonstrado que nem sempre o facto de se compreender uma abstracção nos dá garantias que o indivíduo seja capaz de aplicá-la correctamente.
Para resolver um problema é necessário que o aluno domine a abstracção suficientemente bem, recorrendo a elementos que lhe são familiares para reestruturar o problema dentro de um contexto que lhe seja familiar ou que tenha analogias com modelos que ele conheça. Terá, depois, que classificar o problema dentro de um tipo já conhecido, seleccionar a abstracção (teoria, regra, lei) e, finalmente, fazer a aplicação da abstracção para a solução do problema.
Como se vê, estes dois níveis do conhecimento, a compreensão e a aplicação, situados para além da simples memorização, não podem ser alcançados a não ser com tempo e… preparação do professor. Só trabalhando a informação a diferentes níveis é possível que os alunos consigam aprender de uma maneira consolidada; só proporcionando aos alunos oportunidades de eles porem à prova as suas capacidades mentais, dando-lhes condições para as desenvolverem, se consegue obter uma aprendizagem duradoira e eficaz.
Mas o conhecimento, para ser integral, não se resume a estes três níveis já referidos. No próximo texto sobre este tema tratar-se-ão dos que faltam.
                                                                                   
                                                               Mário Freire