quinta-feira, 30 de abril de 2015

ENSINAR A MATEMÁTICA





A Matemática continua a ser, não só em Portugal, uma das disciplinas que maiores dificuldades traz aos alunos. Para contrariar esta situação, o ministro da Educação de França lançou, em Dezembro passado, uma iniciativa, denominada Estratégia Matemática, que visa modernizar o ensino da Matemática, torná-lo mais atractivo junto dos alunos, mais em sintonia com o tempo deles. Na verdade, ao aluno a Matemática aparece-lhe algo como inútil, ultrapassado, aborrecido…
Com as novas competências que a criança e o adolescente trazem já a partir de casa, com a vulgarização do computador e com a massificação do telemóvel e as múltiplas funcionalidades de que este é portador, fez com que a construção do pensamento da criança e do adolescente adquirisse novas tonalidades. Eles lidam mais com signos do que com coisas; a imagem é preferida ao objecto. Se a realidade era o último recurso em que o professor podia apoiar-se para estruturar o seu processo de ensino, essa mesma realidade passou a ter outra importância, uma vez que o aluno pode, agora, recriá-la. 
Pretende-se, então, com aquela Estratégia Matemática que os conteúdos desta disciplina ajudem a resolver problemas ligados ao quotidiano das pessoas, permitam aos alunos fazer face a situações da vida corrente e, ainda, que a sua aprendizagem seja feita de uma maneira mais lúdica e inovadora. Ora, diz Mickael Launay, um dos grandes impulsionadores deste tipo de ensino, o aspecto lúdico é, antes de tudo, um estado de espírito. Diz ele, em entrevista ao site Café Pédagogique, “um curso magistral com quadro tradicional pode ser lúdico. Tomemos o tema das equações. Uma equação é sempre uma adivinha e antes de entrar na teoria, é possível lançar desafios aos alunos, tais como: ‘podeis encontrar um número que não mude quando se multiplica por ele próprio?’”
Uma consulta ao site deste professor (Micmaths) que pretende retirar à Matemática aquele estigma da dificuldade, da chateza e da inutilidade, talvez valha a pena para quem se dedica à difícil tarefa de ensinar esta disciplina.


                                Mário Freire

terça-feira, 28 de abril de 2015

QUANDO OS SONHOS FALAM





Queria amar o sol, o sopro quente
Da beleza do dia que se solta.
Queria ser barquinho na corrente
Que parte sem destino e já não volta.

Queria ser trovão, estrela cadente
Gaivota, madrugada, grão de areia
E, correr, como corre uma nascente.
Beijar o oceano e ser sereia.

Pudesse, eu escrever, versar na água.
Compor em sinfonia horas de mágoa
Em pautas de Ravel ou de Chopin.

Baladas, me cantasse um trovador
Sob malvas de pétalas em flor
E, assim, m´enamorar cada manhã!...



Aldina Cortes Gaspar






domingo, 26 de abril de 2015

AS PEDRAS E AS PALAVRAS




              (Novo livro do Prof. Galopim de Carvalho)

As pedras e as palavras foram dois universos fulcrais na minha passagem por este mundo.
As pedras, modo mais popular de dizer as rochas, com as quais convivi profissionalmente durante mais de meio século, contam-nos a história do nosso planeta. Através dos seus minerais, da textura e de outros atributos falam das causas que lhes deram origem, das condições ambientais (pressão, temperatura, quimismo) em que foram geradas ou transformadas e muitas delas, ainda, da data do seu nascimento. São elas que conservam no seu seio os fósseis, testemunhos preciosos que nos permitem contar a história da Vida. Sem que muitos deem por isso, as pedras ocuparam, desde sempre, um espaço importante no nosso quotidiano. Nas suas cavernas, os nossos antepassados da Idade da Pedra encontraram abrigo e segurança e foram pedras as suas primeiras e as mais importantes matérias-primas. As pedras fortificaram os castros da Idade do Ferro e ergueram castelos e palácios ao longo da História. Estão nas choças dos primeiros povoados e fizeram a monumentalidade de assírios, egípcios, gregos e romanos, bem como a do Renascimento e do Barroco. Estão nas calçadas e pavimentos que pisamos e na estatuária de todos os tempos. Estão no ferro, no cimento, na brita e na areia do betão e, ainda, na cal que alveja o casario alentejano e algarvio. Estão nas amplas vidraças e nos caixilhos de alumínio da moderna arquitectura urbana. Fornecem todos os metais com que se constroem navios, comboios, aviões, automóveis e naves espaciais e estão na base de todos os electrodomésticos. Estão na televisão, no computador e no telemóvel. Estão nas baixelas e nas loiças de cozinha, nas jóias, nas fibras sintéticas, que tomaram o lugar do linho, do algodão, da seda ou da lã, e no silicone dos implantes em medicina reconstrutiva. Do sílex e do bronze dos primeiros machados à pechblenda , passando pela pederneira de mosquetes e bacamartes e pelos pelouros de catapultas e bombardas, as pedras foram e são uma constante na tenebrosa e altamente proveitosa (para os chamados “senhores da guerra”) indústria bélica, um flagelo que, numa caminhada de centenas de milhares de anos, sempre acompanhou a humanidade. No seu inesgotável engenho, o homem retirou das pedras todas as matérias-primas com que fez o progresso em paz, mas também, desgraçadamente, a guerra.
As palavras, usei-as à saciedade, faladas e escritas, como professor na Universidade de Lisboa, durante quarto décadas, iniciadas como assistente no Departamento de Mineralogia e Geologia, num tempo em que se lhe exigia habilitações em todas as matérias curriculares da licenciatura, da Cristalografia à Paleontologia, passando pelas Petrologias, Estratigrafia e Geo-história, Geodinâmica Interna, Geomorfologia e outras. Usei-as, ainda e muito, por todo o país e no estrangeiro, em Escolas, Bibliotecas, Museus, Centros Culturais, Associações Científicas, Sociedades Recreativas, como cidadão empenhado na divulgação científica, na defesa e valorização da Geologia e da profissão de geólogo, bem como na salvaguarda do nosso património geológico e paleontológico. Herméticas quando lhes desconhecemos o significado, as palavras abrem-se-nos, de imediato, à compreensão se lhes descodificarmos os elementos constituintes, sendo este um dos papéis do professor e do divulgador.
A palavra é uma característica exclusivamente humana, que nos distingue dos restantes animais a que, de um modo demasiado simplista, adjectivamos de irracionais. Sabemos hoje que este nosso dom reside nos escassos pontos percentuais que nos distanciam do código genético do chimpanzé. Porque não aproveitar, então, essa capacidade e fruir os bens que o saber nos oferece? Façamos, pois, o jogo das palavras e vejamos como ele nos abre a uma melhor compreensão do Mundo.
Enquanto falada, a palavra é um conjunto de sons que, salvo excepções, define um e, por vezes, mais objectos ou ideias. Os estudiosos destas matérias admitem que a postura erecta dos hominídeos, a libertação das mãos (especialmente adaptadas à vida arborícola pelos seus avoengos primatas) e a utilização destas no talhe e no uso de instrumentos conduziram ao aumento de volume do cérebro e ao seu desenvolvimento em termos de complexidade. Assim, a possibilidade física de emitir mensagens sonoras, aceites como rudimentos de palavras, pressupõe a aquisição de uma capacidade intelectual e de uma outra, física, ao nível do aparelho fonador, susceptíveis de conceber símbolos expressivos transformáveis em emissões vocais. Uma tal possibilidade pode, ainda, ter surgido quando os nosso primitivos antepassados começaram cooperar entre si, adaptando formas de comunicação baseadas, não só em expressões gestuais, mas também nas citadas emissões vocais. Impossíveis de confirmar, as opiniões sobre o início desta etapa da hominização, variam entre as que a aceitam associada ao aparecimento do género humano, há cerca de 2.500.000 anos, às que a apontam como uma conquista do homem moderno, há menos de 100.000 anos.
Usada com marco divisório entre a a Pré-história e a História, a palavra escrita é um conjunto de símbolos gráficos ou grafemas susceptíveis de exprimir uma e, por vezes mais, ideias, registados num suporte material (barro, pedra, tela, papel, electrónico, etc.). Na nossa cultura, em que a grafia é alfabética, a palavra escrita é convertível na articulação de sons ou grupos de sons que reproduzem a palavra falada. Surgida há cerca de 5000 anos, na Mesopotâmia, acredita-se que por engenho dos sumérios, a palavra escrita desenvolveu-se como uma outra via de comunicação que, embora de uso muitíssimo mais restrito, possibilitou ao homem divulgar os seus conhecimentos muito para além do seu espaço geográfico e do tempo. São múltiplos os factores envolvidos na criação deste passo importante na civilização, e um deles foi o surgimento das cidades, como exigência do progresso da economia e da sociedade.
Através da palavra, o leitor encontrará nesta obra ampla divulgação na área das ciências da Terra, mas também, memórias, ficção e opinião. Uns mais longos, outros mais curtos, são, na maioria, textos inéditos e outros já editados em jornais, revistas ou blogues, algo modificados ou actualizados.

                             Galopim de Carvalho



sexta-feira, 24 de abril de 2015

FAINA





O mister, em grande afã,
faz da faina um pesadelo.
Lufa-lufa a torna vã.
Força o tempo e vai perdê-lo.


 Fica bem a diligência
que não seja corrupio.
Soube sempre a eficiência,
pôr a calma junto ao brio.

São modelo as andorinhas.
De longe vindas, sem cansaço,
agem lestas, mas dançando.

Fainas boas são as minhas.
quando o ritmo do que faço
vem das musas, inspirando.


João d’Alcor

quarta-feira, 22 de abril de 2015

ENSINEM-LHES QUE A TERRA É NOSSA MÃE





A frase que dá título a esta crónica foi extraída da conhecida Carta do Chefe Índio divulgado pelas Nações Unidas, em 1976, quando das comemorações do Dia Mundial do Ambiente. Ela está inserida na resposta dada em 1854 pelo Chefe Índio Seattle ao Grande Chefe Branco de Washington quando este, em nome do Governo, lhe propôs comprar uma grande extensão de terras índias, oferecendo em contrapartida a concessão de uma reserva.
Trata-se de um documento que, estando escrito de uma forma poética, traduz um genuíno amor pela Natureza mas, também, um apelo veemente ao respeito por tudo aquilo que, não tendo sido obra do homem, este utiliza para viver.
“As rochas escarpadas, os húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencem à mesma família”, diz-se na Carta. Mas se nesta família se tratam tão mal os que se assemelham, como não hão-de ser tratados os diferentes!
Este documento, que está disponível em vários sítios da internet, valeria a pena ser lido pelos alunos em aula e devidamente comentado e, até, se possível, dramatizado.
Este texto veio-me à memória ao ler o discurso que o Papa Francisco proferiu no Parlamento Europeu em Estrasburgo, em 25 Novembro passado. Nele se diz que não somos os senhores da Natureza. “Guardiões, mas não senhores”. Mas o que se verifica frequentemente, nesta sociedade onde o lucro a qualquer preço parece condicionar tudo é, segundo o Papa, a “soberba pelo domínio, pela posse, pela manipulação e pela exploração”. “Não a respeitamos (a Natureza), não a consideramos como um dom gratuito do qual cuidar”.
Talvez as palavras do Chefe Índio possam ainda ser ouvidas por aqueles que, tendo o poder, o usam para destruir o ambiente e lhes seja possível ensinar “que a terra é nossa mãe. Tudo quanto acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, cospem em si próprios.”


                                                     Mário Freire

segunda-feira, 20 de abril de 2015

JOSÉ MARIANO REBELO PIRES GAGO (1948-2015)





Quando se chega à minha idade, já o escrevi, o que mais dói é ver partir os amigos e companheiros e olhar para os que resistem e saber que um dia destes nos iremos despedir deles, mais do que se formos nós a transpor essa passagem que todos temos como certa. Mas nestes amigos e companheiros, apenas incluía os da minha geração. Não os que ainda julgamos cheios de vida, como era o Zé Mariano para os amigos. Nestes casos, além dessa dor, há a consciência igualmente dolorosa, da perda de um futuro que no caso deste amigo, era particularmente promissor. Conhecemo-nos, nos anos 80, na Livraria Buchholz, num fim de tarde, em Lisboa, em que falámos de divulgação científica. E ficámos amigos.
Como físico de prestígio, outros mais habilitados do que eu falarão. É dele, como grande impulsionador da investigação científica e paladino da cultura científica, que posso falar com conhecimento de causa.
Em 1987, Mariano Gago, então Presidente da ex-Junta Nacional de Investigação Científica (hoje Fundação para a Ciência e a Tecnologia), lançava o “Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia”, no qual tinha cabimento uma componente dinamizadora das Ciências do Mar apresentada publicamente pelos Profs. Mário Ruivo, da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, Michael Collins, da Universidade de Southampton, R. U., e Michael Vigneaux, da Universidade Bordéus I, França. Na sequência desta iniciativa, João Alveirinho Dias, ao tempo o primeiro e único doutorado em Geologia Marinha, António Ribeiro, meu colega na Faculdade de Ciências de Lisboa, e eu criámos e desenvolvemos um projecto de investigação iniciado como estudo da plataforma continental portuguesa, sediado no Museu Nacional de História Natural.
Foram instituições participantes neste arranque para as Geociências do Mar: o Instituto Hidrográfico, como parceiro principal, o ex-Gabinete para a Pesquisa e Exploração de Petróleo, o ex-Instituto Nacional de Investigação das Pescas, o Departamento de Protecção e Segurança Radiológica do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, os Departamentos de Geologia da Universidade de Évora e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho e a ex-Secção Autónoma de Geologia da Universidade Nova de Lisboa.
Este projecto visou, sobretudo, a formação de jovens investigadores na área da Geologia Marinha, a promoção de acções interdisciplinares, a dinamização da cooperação interinstitucional, a optimização do potencial humano e dos recursos e equipamentos existentes nas diversas instituições envolvidas e, ainda, a criação de um corpo nacional de investigação neste domínio, até então, acentue-se, ausente das nossas universidades. Caracterizado por grande informalismo e por um mínimo de burocracia, constituiu um fórum de permuta de ideias e experiências, de discussão de resultados e de interajuda dos seus aderentes. Com o passar do tempo, evoluiu naturalmente para uma rede de investigação, eficaz e igualmente informal, cujos elementos, dispersos, como se disse atrás, são agora os promotores e os responsáveis pelos seus próprios projectos, em que cada um procura as colaborações mais convenientes e nos moldes que entenda estabelecê-las.
Com o indispensável e sempre disponível apoio do Instituto Hidrográfico, ao tempo do Director–Geral, Vice-Almirante José Almeida Costa e dos Comandantes Vidal de Abreu (Chefe da Divisão de Marés e Correntes) e Torres Sobral (Director-Técnico), o grupo inicial deste projecto de investigação (do qual saíram uma dúzia de doutorados em Geologia Marinha), deixou descendentes, ou seja, fez escola que continua a dar frutos, uma realidade que ficará esquecida se ninguém se der ao trabalho de a registar. Com uma primeira geração de investigadores que, de juniores passaram a seniores, vimos singrar a maior parte destes “filhos”, hoje independentes e a trilharem os seus próprios caminhos, o que nos enche de satisfação e orgulho. Actualmente há “netos” que já nem conhecem os “avós”, mas que só existem porque nós, sempre apoiados pelo já então Ministro da Ciência, José Mariano Gago, tivemos a ousadia de iniciar esta viagem e de segurar o leme deste navio, nas primeiras milhas desta gratificante navegação que conduziu, repito, à introdução das geociências do mar nas nossas universidades, designadamente, nas do Algarve, de Aveiro e de Lisboa, onde os mestrados e os doutoramentos se sucedem.
Pessoalmente, perdi um amigo. Entre muitas recordações guardo dele o prefácio que teve a amabilidade de escrever no meu livro “Como Bola Colorida – A Terra, Património da Humanidade” (Âncora Editora, 1907) e gentileza de ter feito a apresentação do “Dicionário de Geologia” (Âncora Editora, 2011), na Reitoria da Universidade de Lisboa, ao tempo do Reitor António Sampaio da Nóvoa.


                                             Galopim de Carvalho

sábado, 18 de abril de 2015

AMIZADE







Dentro de nós um fio se desprende
Que nos enlaça a outros com agrado.
Amizade que não se compra ou vende
O doce sentimento sem pecado.

É um sentir profundo, tão sincero!...
Um ardor que devolve a cor ao rosto.
Amigos valem oiro. Só espero
Dar-lhes, sempre, alegrias. Não desgosto.

Meus amigos, bengalas de veludo
São tesouros que valem mais que tudo
Muito além, das fortunas e grandezas.

Amizade é incenso, cor da alma.
A boa sensação que a dor acalma
A mais forte e maior das fortalezas!...


Aldina Cortes Gaspar



quinta-feira, 16 de abril de 2015

UMA FIGURA ÍMPAR NA PRESERVAÇÃO DO AMBIENTE EM PORTUGAL





            Figura notável nas questões do ordenamento do território e do uso da terra em Portugal, Gonçalo Ribeiro Telles licenciou-se em Engenharia Agrónoma e terminou o Curso Livre de Arquitectura Paisagista, no Instituto Superior de Agronomia. Iniciou a sua vida profissional como assistente deste Instituto. Mais tarde, seria professor catedrático convidado da Universidade de Évora, criando as licenciaturas em Arquitectura Paisagista e em Engenharia Biofísica, onde tive o grato prazer de ser seu discípulo.
            Após o 25 de Abril fundou o partido Popular Monárquico. Foi Subsecretário de Estado do Ambiente em diversos Governos Provisórios e Secretário de Estado da mesma pasta, no I Governo Constitucional. Dos seus projectos, é de assinalar o dos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, que assinou com António Viana Barreto e com o qual recebeu, ex-aequo, o Prémio Valmor de 1975.
            Em Abril de 2013 foi galardoado com o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, a mais importante distinção internacional no âmbito da Arquitectura Paisagista.
            Na noite de 25 de Novembro de 1967, as fortes chuvadas que se sentiram causaram a morte de centenas de pessoas. Em contraponto às causas divinas, o arquitecto, questionando o modelo de desenvolvimento do país, apontou a falta de ordenamento do território como a principal razão para a fatalidade. Pretendendo criar medidas de remediação e também com o intuito de salvaguardar a estrutura biofísica nacional, Gonçalo Ribeiro Telles foi, em 1982 e 1983, o grande impulsionador da criação da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional e ainda do Serviço Nacional de Parques. Não esquecer que, em Portugal pode aparecer uma moradia de luxo feita misteriosamente numa zona de paisagem protegida, um Parque Natural por exemplo, sem que ninguém a tenha autorizado e sem que ninguém seja responsável pela sua execução. Basta lembrar o que se passou recentemente na serra da Arrábida, com a construção da casa dum conhecido político.
            A premência de questões de natureza social como a habitação, o abastecimento de água ou o saneamento básico devem continuar a merecer as atenções dos nossos governantes mas, desejavelmente, em moldes que promovam a preservação do ambiente.

                                                                           FNeves




terça-feira, 14 de abril de 2015

FACILITAÇAO




Quanto importa ser vivido.
o carácter da simpleza.
Dom ele é da natureza,
mas que pode ser perdido.

Quantos sonham venha o dia
portador da salvaguarda,
vida inteira libertada.
longe da burocracia.

O objectivo é redução
à mais simples expressão.
Não mais fardo tão pesado.

Nasce a facilitação,
desta simples convicção:
Deus nos tem ao seu cuidado.

João d’Alcor


sábado, 11 de abril de 2015

COZINHAR, EDUCAR, INTEGRAR

                                  


Jamie Oliver é um chefe de cozinha inglês de nomeada mas é, também, uma personalidade televisiva do Reino Unido. Ele tem-se empenhado na cruzada de levar as pessoas a utilizar alimentos naturais e, mais recentemente, em mudar os hábitos alimentares nas escolas britânicas e, também, nas escolas americanas. Um dos seus grandes objectivos é alterar o sistema dietético escolar baseado em alimentos industrializados e fast-food e substituí-lo por refeições com alimentos variados, naturais e ricos em verduras e fibras.
Mas ele persegue, ainda, um outro grande objectivo: o fazer da cozinha um factor de integração social. Assim, ele criou o restaurante Fifteen destinado a dar formação a jovens com desvantagens sociais, proporcionando-lhes oportunidades de fazerem carreira no domínio da gastronomia.
Mas, tal como a música, aqui já referida, que foi utilizada na integração de crianças e adolescentes desfavorecidos, também ele, nas escolas, organizou equipas com esses adolescentes marcados socialmente. Assim, numa escola secundária de Huntington, na Virgínia, Estados Unidos, foi procurar adolescentes, na maioria com problemas comportamentais, e levou-os para a cozinha. O objectivo era dar um jantar às personalidades com maior destaque, incluindo um senador, que poderiam ajudá-lo, financeiramente, no projecto. O jantar seria confeccionado pelos próprios adolescentes. O desafio era grande e os jovens responderam com uma grande motivação e sentido de responsabilidade.
A refeição saiu óptima, julgando os convidados que ela teria sido confeccionada pelo chefe inglês. No final, porém, Jamie Oliver fez-lhes a surpresa: apresentou a equipa que o tinha ajudado e, depois, convidou cada um dos seus jovens colaboradores de cozinha a darem o seu testemunho.
Foi comovente, num programa que vi na televisão, ouvir alguns dos adolescentes dizerem que, pela primeira vez, tinham visto o seu trabalho valorizado; quanto tinham aprendido, não só sob o ponto de vista culinário, a trabalhar em equipa sem estarem constantemente a serem menosprezados no que faziam. Quanto se tinham empenhado naquele jantar por o chefe ter sabido confiar neles e esperar deles um trabalho condigno.
Se o exemplo demonstrado pelo chefe Oliver junto daqueles adolescentes, de confiança, de valorização daquilo que é feito, de promoção da inter-ajuda, proliferasse quer nas escolas, quer nas famílias, talvez se encontrassem menos adolescentes problemáticos e um pouco mais felizes.


                                     Mário Freire

quarta-feira, 8 de abril de 2015

ALENTEJANOS

Incapaz de ser senão diferente,
há um modo de calar e um falar claro,
um olhar cara a cara e frente a frente,
um viver devagar que tudo é raro
e único e só assim urgente.

Manuel Alegre, em “o Estilo”, 1996



Os vestígios mais antigos da presença dos nossos antepassados em terras do Sul do País remontam ao Paleolítico e estão representados, em especial, por utensílios em pedra lascada encontrados, em abundância, nos terraços fluviais de alguns dos seus rios, e por não menos importantes gravuras rupestres, como as trazidas às primeiras páginas dos jornais, na sequência dos trabalhos na barragem de Alqueva. Primeiro como recolectores, apanhando bolotas nos então muito mais cerrados montados, pescando e caçando, estes nossos longínquos avós acabaram por se tornar pastores e agricultores. Tal fixação levou à construção dos primeiros povoados nas colinas sobranceiras aos principais cursos de água. A densidade de construções megalíticas (antas, menhires e cromeleques), característica ímpar desta região, testemunha a importância da sociedade agropastoril que aqui teve berço há mais de 5000 anos.
Durante mais ou menos tempo, ligures, celtas, fenícios, gregos, cartagineses e romanos, ocuparam terras do Algarve e do Alentejo ou por aqui passaram, uns nas suas rotas comerciais e outros em busca do ouro, da prata, do cobre e do estanho, com particular relevo para os romanos. Estes, chegados no século III a.C., deixaram-nos importantes marcas civilizacionais da sua ocupação e do domínio político que exerceram durante, pelo menos, meio milénio. Antes de serem Alentejo e Algarve, estas terras constituíram parte da Hispania Ulterior (a mais afastada, em oposição a Hispania Citerior) na sequência da divisão administrativa criada na Península pelo invasor. Estas mesmas terras foram, mais tarde, a metade sul da Lusitania, a mais ocidental das três províncias ibéricas do Império Romano (Lusitania, Betica e Tarraconensis).
Outra importante presença, que ainda hoje se faz sentir, foi a muçulmana, iniciada no século VIII com a conquista de Mértola, por Muçá ben Nusayr, pondo fim à dominação visigótica, a última das invasões levadas a efeito por povos do norte da Europa (vândalos, suevos e visigodos, entre outros), habitualmente referidos como bárbaros (a palavra provém do grego antigo, βάρβαρος, que significa não grego). A ocupação muçulmana teve aqui uma longa permanência, cerca de cinco séculos, que só terminou com a reconquista cristã do Reino de Portugal, no século XIII.
Com a islamização, estas terras fizeram parte do Garb, que quer dizer Ocidente, designação naturalmente usada pelos que vinham de oriente, neste caso, os invasores árabes. Mais precisamente, o seu nome foi al Garb al-Andalus, que significa “o ocidente da Hispânia”, que incluía, não só o Algarve como também o Alentejo e a Andaluzia, a oriente do Guadiana.
A civilização muçulmana deixou aqui muito dos seus saberes, não só os tidos por eruditos, como os do melhor aproveitamento da terra. À unidade de coabitação entre a Andaluzia, o Alentejo e o Algarve, durante mais de um milénio, criada pelos invasores romanos e continuada pelos conquistadores islâmicos, seguiu-se a separação, delineada ao sabor da reconquista cristã e das disputas fronteiriças entre o reino de Portugal e o de Leão e Castela, ao longo do Guadiana. Não é, pois, por acaso, que há bastantes traços comuns entre nuestros hermanos andaluces e os alentejanos, por um lado, e entre estes e os algarvios, por outro. «Mediterrâneo por natureza e atlântico por posição», como nos ensinou o saudoso Prof. Orlando Ribeiro, os parâmetros fisiográficos desta região marcaram as populações que aqui viveram, do mesmo modo que continuam a marcar o alentejano dos dias de hoje.
Após a reconquista, concluída por D. Afonso III, e na sequência da reorganização territorial, foi criada a comarca de “Antre Tejo e Odiana” (Entre Tejo e Guadiana), designação antiga que resistiu ao tempo através da poética de Bernardim Ribeiro, na Écloga de Jano e Franco, e que corresponde, grosso-modo, ao actual Alentejo. Anteriormente, o termo Alentejo, como nome de região, não existia. Com o significado de “para além do Tejo”, esta designação foi criada pelos conquistadores vindos do norte, do jovem reino de Portugal. O “Ultra Tagum”, no latim dos eruditos de então, deu algo foneticamente muito próximo de “Alem Tejo”, no dialecto romance galaico-prtuguês, que era o que se falava aí, ao tempo dos nossos primeiros reis. Tendo este grande rio ibérico por fronteira natural, as terras que lhe ficavam a sul estavam, pois, para além do Tejo.
Alentejanos são, pois, todos os portugueses da margem esquerda do Tejo. E o seu nome, que nada tem de especial quando dito por alguém da margem norte, constitui um paradoxo sempre que são os próprios alentejanos a assim se autonomearem, uma vez que sendo e estando do lado sul do grande rio, para eles o lado de cá, e, portanto, aquém do Tejo, se estão a afirmar além dele, como bem lembrou o Prof. José Matoso. Alentejano é, pois, o nome pelo qual esta comunidade se identifica, sem se dar conta que, em rigor, o termo só faz sentido quando dito por estremenhos, beirões, minhotos, transmontanos, nunca por eles e, muito menos, por algarvios. Nestas condições, dever-nos-íamos considerar “aquentejanos”, ideia, aliás, já avançada no século XIII, mas que não fez vencimento. Com efeito, dois documentos assinados em Beja, em 1284, auto-situam-se no “Aquem Tejo”.

No que respeita esta que é a mais extensa região do País, a sua diversidade geográfica e geológica determina que, dentro de uma certa unidade, como é muitas vezes apresentada, haja diferenças sensíveis de local para local. Há um Alentejo interior, a oriente, semiárido, dominado pela azinheira, e um outro, a ocidente, menos seco, influenciado pelos ventos húmidos do Atlântico, onde o montado de cortiça impera. Por outro lado, a escarpa de falha da Vidigueira, um acidente tectónico que limita a sul a serra de Portel, marca igualmente, como um degrau, a separação entre duas superfícies bem assinaladas pelos geógrafos, a de Évora, a norte, mais elevada e acidentada, e a de Beja, a sul, mais rebaixada e de mais vastas planuras. São ainda Alentejo os alagadiços campos de arroz da bacia do Sado, os densos pinhais da franja litoral e o extenso areal e os alcantilados da linha de costa.
O substrato geológico e os condicionalismos climáticos que caracterizam o Alentejo foram favoráveis à vegetação que aqui se desenvolveu, parte dela indígena e outra parte introduzida, bem como à ocupação animal, também ela autóctone e importada. O montado e o porco preto dele dependente, a vinha, o olival e a seara de pão, a ”tetralogia mediterrânea”, no dizer de Alfredo Saramago, constituem elementos maiores tradicionalmente referidos nesta paisagem que, como todos sabemos, ficou marcada por um regime de «Terra pouca para muitos, terra muita para poucos», como cantou Manuel Alegre, em 1996.
São alentejanos os madeireiros serranos de Portalegre e os seareiros das planícies que se estendem para Sul. São alentejanos os cultivadores de sequeiro, os regadores do vale do Caia e os que vivem dos campos aluviais dos seus grandes rios. Mas não são menos alentejanos, quase sempre esquecidos, os pescadores na longa faixa litoral, que se estende da restinga de Tróia às falésias atlânticas do Algarve
Fala-se do falar alentejano, da cozinha alentejana, dos cantares do Alentejo e contam-se divertidas anedotas, visando os seus habitantes.
Há uma trintena de anos, transportei comigo, vinda do Alentejo interior, uma comadre de visita a uma filha residente em Almada. Viemos por Setúbal e, durante a subida da serra da Arrábida, esta minha amiga que, pela primeira vez, saía do seu cantinho, dava mostras de um certo mal-estar. «Não sei o que tenho, sinto-me apertada. Falta-me a lonjura do nosso Alentejo. Isto aqui é só cabeços. E que cabeços!», dizia para mim.
E foi assim até ao alto da capelinha de Nossa Senhora das Necessidades. A partir daí, na descida para Azeitão, foi-se-lhe diluindo a aflição e, quando passámos à planura, ouvi-a exclamar: «Aqui, sim, já a gente respira!».
Em sua opinião, voltáramos ao Alentejo. E tinha razão!
Administrativamente integrada na Estremadura, a península de Setúbal só a ela se liga pelas Pontes Vasco da Gama e 25 de Abril e pelo grande fluxo de cidadãos que, de uma e de outra banda do gargalo do Tejo, o atravessam diariamente, nos dois sentidos, a caminho do trabalho e no regresso a casa. Como geólogo contactei de muito perto com os terrenos e também com as gentes desta região, tendo tido oportunidade de constatar aqui a continuidade, não só territorial, como também cultural do Alentejo. São as fábricas de cortiça e de transformação de carne de porco, são os mercados, onde não faltam o pão e o queijo alentejanos, a massa de pimentão, os poejos, os cardinhos e as beldroegas, são os restaurantes e as tabernas à moda antiga, as colectividades culturais e recreativas.

        Galopim de Carvalho




domingo, 5 de abril de 2015

AURORA





Surgem gritos de azul na madrugada
Que destronam a noite feiticeira.
Há morcegos na casa assombrada.
Cavado corre o leito da ribeira.

Retalhado o luar vai de abalada
Perfurante uma asa rasga o dia.
Vai a noite fugindo em derrocada.
No choupal, já entoa a cotovia.

Tudo acorda em sonantes arrepios
Lança a luz, mil tentáculos sombrios.
Um dia é um degrau a decrescer.

Porque, além, no poente o sol se esconde?!...
Soberbo, o universo ouve e responde:
- Assim, está escrito e tem de ser!...


Aldina Cortes Gaspar





quinta-feira, 2 de abril de 2015

SER AUTÊNTICO NO TEATRO DA VIDA



Todos alteramos o nosso modo de ser segundo o contexto social em que agimos. Parece termos personalidades diferentes consoante a situação ou as pessoas com quem estamos. Quantas vezes não nos vemos a desempenhar vários papéis no mesmo dia: a filha, a mãe, a amiga, a profissional, a companheira... Estas diferentes partes de nós compõem o enredo das nossas relações pessoais e sociais, e são facetas normais da nossa personalidade. São como personalidades parciais, com vida própria, muitas vezes assumidas de forma inconsciente, e manifestam-se na sequência de ideias, acontecimentos ou estados emotivos que nos condicionam. A nossa personalidade é dinâmica, é composta por estes diversos papéis, e a dificuldade é geri-los e organizá-los adequadamente. Em casos extremos de insucesso, essa incapacidade traduz-se na patologia designada por desordem de personalidade múltipla, mas em geral provoca apenas conflitos interiores, ambivalência, ansiedade e depressão.
As partes que nos constituem são como as personagens de teatro no palco, personificadas por atores, cujo papel lhes foi atribuído pelo encenador. Este dirige à sua maneira como cada personagem deve intervir no conjunto da peça, que mais não é do que um microcosmos da própria vida. O nosso Eu (o encenador) tem a consciência do papel e da importância de cada personagem, possui a capacidade para avaliar a justeza do seu contributo consoante as necessidades e a coerência da peça. Percebemos bem que exercer o papel de mãe com o marido é desajustado, por exemplo. Cada personagem deve entrar em cena no momento certo, com plena consciência do que está a fazer. Enquanto encenadores, beneficiamos em aprender a gerir os conflitos entre as personagens da peça que se desenrola no palco da nossa psique e a harmonizar as forças dissonantes que perturbam o equilíbrio da personalidade. A nossa autenticidade encontra-se em nos sentirmos bem nos nossos vários personagens, pois não podemos viver sem eles. Porém, ao contrário do que se passa num espetáculo, a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos (Charlie Chaplin).

Rossana Appolloni
www.rossana-appolloni