segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

FORMAÇÃO CÍVICA NA ESCOLA: SIM OU NÃO?



            Está em curso, para consulta pública, até final do corrente mês de Janeiro, um documento emanado do Ministério da Educação sobre uma proposta de uma nova estrutura curricular em que se propõe, entre várias alterações, a supressão da disciplina de Formação Cívica nos ensinos básico e secundário.
O texto que se segue foi enviado para o M.E. e constituiu a minha participação na referida consulta.
“Diz-se no documento agora colocado que ‘os pressupostos que orientam as medidas propostas assentam na definição de objectivos claros, rigorosos, mensuráveis e avaliáveis, reorientando o ensino para os conteúdos disciplinares centrais’. Não se poderá estar mais de acordo. Talvez tenha sido por falta de uma tal definição que levou a que a disciplina de Formação Cívica fosse considerada dispensável.
Ora, a sua existência numa estrutura curricular poderia responder a um conjunto de necessidades situáveis nos domínios dos conhecimentos, atitudes e valores de que a escola e a sociedade de hoje tão carentes se encontram. Para isso, haveria que definir-lhe os tais objectivos ‘claros, rigorosos, mensuráveis e avaliáveis’, em torno de temas bem determinados.
Permito-me enunciar alguns desses temas:

* relações humanas e regras de conduta na escola e na sociedade;
* participação individual e colectiva a diferentes níveis (na turma, na
   escola, na sociedade);
* gestão de conflitos interpessoais;
* sentido da responsabilidade e da coerência;
* participação democrática ao nível do debate das ideias;
* educação para a solidariedade e cooperação;
* da solidariedade ao voluntariado; motivações e formas de
   voluntariado;
* educação para o consumo;
* educação para os direitos humanos;
* educação para a sustentabilidade;
* educação para a segurança;
* educação para os media;
* conhecimento do mundo do trabalho e das profissões;
* educação política (símbolos nacionais, órgãos de soberania
   nacional, direitos e deveres dos cidadãos);
* Portugal, a União Europeia e os Países de Língua Oficial
   Portuguesa.

Estes seriam alguns dos temas que me pareceriam suficientemente pertinentes para proporcionarem uma mentalidade mais participativa e responsabilizadora do aluno na escola e na sociedade e contribuírem para fazer dele um cidadão mais consciente dos seus direitos mas, também, dos seus deveres.
A importância de uma disciplina deste tipo é de tal modo reconhecida para a formação global dos alunos que países como a Inglaterra, Finlândia e Espanha a possuem e com carácter obrigatório.
A metodologia a utilizar, a partir da definição de conceitos, estudo de casos, simulações e projectos a concretizar na escola e na comunidade, deveria fazer apelo ao trabalho individual, ao trabalho em pequeno grupo e à turma como um todo.
Os docentes responsáveis pela disciplina deveriam ter um tempo de serviço susceptível de assegurar uma maturidade profissional e global, para além de outras condições, eventualmente julgadas como pertinentes; ser-lhes-ia dada formação adequada e o seu recrutamento incidiria, prioritariamente, entre psicólogos e professores de filosofia, não se excluindo professores com outras formações.
A avaliação, de carácter individual, teria em conta os conhecimentos revelados pelo aluno, o seu espírito de cooperação, de iniciativa e capacidades para resolver problemas e levar a cabo projectos junto da comunidade, dentro e fora da escola.
Consoante o desenvolvimento que se lhe quisesse dar, a sua leccionação seria efectuada em um ou dois anos de escolaridade, a definir.
A inclusão desta disciplina com idêntico estatuto a qualquer outra, na estrutura curricular, com uma avaliação tão exigente como a das restantes, certamente que iria contribuir para um país onde o civismo fosse uma palavra com mais valor.” 

                                Mário Freire

sábado, 28 de janeiro de 2012

EDUCAÇÃO E SAÚDE



Os benefícios da educação, no que se refere à saúde, são potencialmente muito importantes.
O custo dos serviços de saúde está constantemente a aumentar devido a razões demográficas (ligadas ao envelhecimento da população) e tecnológicas (novos tipos de tratamento disponíveis). A educação tem um efeito que se sobrepõe ao da redução de custos na saúde, pois melhora o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas, contribuindo para a prevenção das doenças e para uma maior eficácia do seu tratamento e proporcionando uma vida mais saudável.
A educação pode ajudar as pessoas a optar por uma boa conduta e, em caso de doença, optimizar a sua gestão, prevenindo ao mesmo tempo o aparecimento de novas doenças.
Poderão, ainda, referir-se vários efeitos da educação sobre a saúde tais como: a melhoria das competências individuais, a mudança de comportamento face aos riscos e o aumento da auto estima. Os efeitos intergeracionais de pais instruídos sobre os seus filhos são, igualmente, importantes.
As diferentes experiências de aprendizagem possibilitam uma melhor organização dos conhecimentos, o desenvolvimento de competências e a melhoria do estatuto social. O aumento da duração dos estudos está, pois, em larga medida, associado à melhoria da saúde e do bem-estar e à adopção de comportamentos minimizadores de riscos.

                                                              FNeves

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

ANOS


Completando um tal xis d’anos,
nessas contas que fazemos,
atenção não haja enganos
na atitude que então temos.

Em novinhos mais queremos;
tardam tanto no chegar...
Já idosos, nós mal cremos
quando é caso de os somar.

Tempo aqui, depois o eterno,
lá o Céu e aqui o inferno,
credo é este da confusão.

Há que pôr tais dados fora.
Só à luz do aqui e agora,
faz sentido a adição.

João d’Alcor

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

DESENVOLVIMENTO E SOLIDARIEDADE - 6



                                 Desenvolvimento local e participação

            Desenvolvimento é uma das palavras que mais domina não só o vocabulário dos economistas e políticos mas, também, o das pessoas comuns. Ele, no entanto, tem uma significação um pouco ambígua. Nem todos o interpretam da mesma maneira.
            Para uns significa, simplesmente, crescimento económico, aumento da riqueza material, maior aproveitamento dos recursos humanos, naturais e tecnológicos.
            Outros entenderão o desenvolvimento numa forma mais ampla. Assim, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento considera um conjunto de índices, a partir dos quais estabelece uma seriação dos países, tais como a esperança de vida à nascença, a taxa de alfabetização de adultos, a taxa de escolaridade, o PIB per capita... Trata-se de uma perspectiva mais abrangente em que se valorizam outros aspectos, além dos económicos.
            Outra perspectiva de ver o desenvolvimento é a que diz respeito ao modo como são satisfeitas as necessidades de uma comunidade a partir da participação dos elementos da própria comunidade. É o desenvolvimento local. Este tipo de desenvolvimento tem a ver não tanto com a aquilo que o Estado faça ou se espera que ele possa e deva fazer junto das populações mas, principalmente, com o que as próprias populações podem e devem fazer no sentido de contribuírem para a satisfação das suas carências e aspirações. Esta perspectiva valoriza as pessoas, fazendo-as protagonistas no seu próprio desenvolvimento.
            O desenvolvimento local diz respeito a uma comunidade que identifica um conjunto de necessidades e interesses, tentando dar-lhes satisfação quer pela realização de acções de solidariedade concretas através da mobilização dos seus próprios recursos, quer recorrendo a recursos de fora. O desenvolvimento local situa-se para além do crescimento económico pois preocupa-se com o risco da degradação da Natureza e com o carácter limitado dos recursos naturais.
            No desenvolvimento local assiste-se a um esforço para que os diferentes elementos de uma comunidade, devidamente organizados, numa lógica de participação solidária, criem e planeiem estratégias para fazerem face aos problemas e aspirações da comunidade. Isso implicará um diálogo constante com as autoridades locais, representantes políticos, organizações cívicas, empresários…, tendo em vista os objectivos que se pretendem atingir.
            Nestes tempos difíceis, ninguém pode ficar alheio ao que se passa à volta. A participação construtiva dentro das comunidades em que cada um vive, mais do que um direito, é um dever cívico.

                                                                                   Mário Freire

domingo, 22 de janeiro de 2012

ANEDOTA


Face ao estado lastimável
dos sapatos do freguês,
sapateiro, sempre amável.
que os observa, bem cortês,

passa logo a exclamar:
‘Mas que bons atacadores!
Mostra quanto sabe poupar.’
Prosseguindo seus louvores,

o mendigo estimulou.
Resultado: Este acabou
por na firma se empregar.

Sempre em tudo e todos ver
 algo bom, a não perder,
é lição de registar.

João d’Alcor

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O PROFESSOR DO SÉCULO XXI


                 Teve lugar em Outubro de 2010 e virá a repetir-se em 2012, no Bahrein, um Fórum sobre educação para discutir a formação de professores do século XXI. Estiveram presentes naquela reunião 600 personalidades vindas de 48 países.
                 Tratou-se de um tema desafiante pois ele tem a ver com o desenvolvimento, e de saber como fazer para que a escola se possa tornar atractiva à geração Net. Foi dito na referida reunião pelos melhores especialistas americanos, australianos, britânicos e indianos que é sobre as formações inicial e permanente de 60 milhões de professores que trabalham em todo o mundo que se joga o nosso futuro. Ora, o que se assiste é um progressivo afastamento nos países desenvolvidos, Portugal incluído, entre a escola que temos e aqueles a quem ela se dirige.
Há que transformar a escola que funciona sobre modelos antigos. Claro que não é pondo na sala de aula computadores em frente de crianças de 6, 7 e 8 anos, e utilizando modelos pedagógicos tradicionais, que essa escola irá transformar-se. Nessas idades as crianças têm que ir, progressivamente, adquirindo as características lógicas do pensamento, utilizando mais os objectos tangíveis do que as ideias abstractas; exercitar a memória, desenvolver a coordenação motora fina, ganhar automatismos, adquirir competências nos domínios da organização, do trabalho, do planeamento, da higiene, da segurança. E tudo isso se faz melhor, em crianças nessas idades, sem o computador na frente.
Para o responsável das avaliações internacionais da OCDE (Andreas Schleicher), os países que hoje obtêm os melhores níveis nos testes, na comparação que é feita entre os alunos, são aqueles que abriram as aulas e transformaram o trabalho do professor, a partir de uma prática solitária, num trabalho em equipa.
Por outro lado, a escola de hoje não pode ser aquele momento de excepção em que os adolescentes se encontram a executar tarefas individualmente e de costas uns para os outros. A eles têm que lhes ser dadas oportunidades de trabalho em equipa, onde possam interagir, tendo em vista a consecução de determinado objectivo pedagógico. Além disso, as escolas têm que reflectir as mudanças tecnológicas que se deram na sociedade e nas vidas de cada um. Mas, para isso, os adolescentes têm que ter na sala de aula a possibilidade de continuar, à semelhança do que fazem em casa, ligados à Net e executar informaticamente as múltiplas tarefas que lhes são propostas nas várias disciplinas.
Pretende-se que haja um sentimento de urgência, tendo em vista ajudar o professor a mudar de estatuto, isto é, que, com um trabalho em rede com os seus colegas, acompanhe os alunos na procura do conhecimento – o prof-coach, sem que isto signifique transigir com os saberes. Enfim, segundo o director do Instituto Nacional de Educação de Singapura, “é uma nova cultura que fará emergir a escola de amanhã, o aluno de amanhã, em sintonia com as aprendizagens escolares e o professor de amanhã, mais felizes.”

                                                                                       Mário Freire

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

AMOR


Nada havendo mais sublime
do que amar e ser amado,
em conceitos não se exprime.
Há que ser compartilhado.

Nunca amor de facto existe
quando imposto por alguém.
Dom ele é o qual consiste
 em se dar fazendo o bem.

Dele perde o seu sentido
quem, à força, o quer obter.
Longe dele irá ficar.

Vero amor só é vivido,
na fusão com outro ser:
Dom com dom a transbordar.

João d’Alcor

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

DESENVOLVIMENTO E SOLIDARIEDADE - 5


                                                 Amor e Política

            Retomando o XXVII Encontro da Pastoral Social, citado no primeiro artigo desta série, um dos temas ali tratados foi o do Amor Político.
            Ora, a Política é a ciência e a arte de governar. Ela deveria implicar um conjunto de princípios e de metas que servissem de guia para a tomada de decisões. Quanto ao Amor, a palavra é usada com múltiplas significações, algumas das quais, até, com sentido antagónico. No entanto, parece existir um verdadeiro amor quando alguém está disposto a dedicar-se a outrem, sem estar à espera de pagamento, indo essa dedicação, por vezes, até ao sacrifício da própria vida. Pessoas há que têm manifestado esse amor de forma gratuita e que dedicaram as suas vidas ao serviço daqueles que mais precisam.
A Política deveria ser a forma mais exigente de viver a caridade, de fazer o bem, de promover o desenvolvimento dos povos, de respeitar as pessoas na sua dignidade. Um político, em primeira instância, tem que atender aos mais fracos, aos que não têm poder de reivindicação, aos pobres, aos desprotegidos.
Um político não pode estar à espera que o tempo passe, a observar os acontecimentos, a ser um agente passivo na sociedade. Ele tem que actuar no sentido de estabelecer a justiça social, de ser verdadeiro e de exigir a verdade, de propiciar a liberdade e de visar o Bem Comum. Para isso há que ter coragem e ser coerente com os princípios que apregoa.
Mas, acima de tudo, o político tem que sentir como próprias as carências dos outros. Tem que saber onde elas se encontram, como foram geradas e tentar o melhor modo de lhes fazer face. O que é isto, afinal, senão o Amor na sua forma mais oblativa?
É certo que qualquer cidadão, se a sua vida é pautada pela ética e pela caridade, os seus comportamentos estarão em conformidade com esses valores. Mas estes implicam responsabilidade, disponibilidade, empenho, coragem, contrariedades, sacrifício...
Como interpretar, então, que muitos, ao longo dos tempos e em todos os lugares, tenham querido ser políticos? É que a política está associada ao poder e este, se não for temperado por aquelas disposições, presta-se à corrupção, à ganância, ao autoritarismo, ao despotismo… Um político, um político genuíno, tem que ser livre, saber dizer não e, igualmente, em qualquer altura, quando sente que já não tem as condições que lhe permitem pôr o amor acima das circunstâncias, desprender-se do poder.

                                                                      Mário Freire

sábado, 14 de janeiro de 2012

APRENDIZAGEM E BEM-ESTAR


A educação tem um impacto bastante mais profundo sobre a vida das pessoas que o sugerido por alguns indicadores, tais como a remuneração profissional ou o crescimento económico. Apesar da sua importância, alguns aspectos sociais da educação, como sejam a saúde, a responsabilidade cívica, a pobreza e a criminalidade, não são ainda bem compreendidos nem medidos de forma sistemática.
As políticas a desenvolver dão lugar a profundas interrogações no âmbito do bem-estar social.
Sendo desejável que as despesas com a educação reflictam a importância da relação entre a aprendizagem e o bem-estar, torna-se necessário responder, entre outras, a algumas questões de ordem organizacional, a saber: a transparência, a concorrência entre os diferentes tipos de despesas públicas, a integração dos valores e as ligações intersectoriais. Assim:
- Que aprendem realmente as pessoas, graças aos investimentos realizados pela sociedade, na educação e na formação?
- Quais são as consequências, não apenas em termos de vantagens individuais e de crescimento económico mas também, duma maneira mais geral, de bem-estar individual e social?
- Quais são os argumentos em favor do financiamento da educação, face à pressão concorrencial dos outros sectores sobre o orçamento dos estados?
Por outro lado, o envelhecimento da população poderia conduzir a uma redução das despesas alocadas à educação, em proveito dos cuidados às pessoas idosas, apesar de ser facto assente que a educação contribui largamente para uma boa saúde das pessoas ao longo da sua vida.
Outras questões, entretanto, se colocam:
- Em que medida a educação permite evidenciar valores ligados não só ao bem-estar e à coesão social, mas também ao emprego?
- Qual é o valor da cidadania activa na prática educativa?
- Como promover um processo integrado de reflexão e de acção entre os diferentes sectores, tendo em vista a maximização dos benefícios da aprendizagem?
            A educação tem um impacto positivo sobre a saúde, mas o inverso é igualmente verdadeiro. Em que medida, então, um diálogo acrescido entre os diferentes sectores poderia reforçar os benefícios resultantes dessas interacções?

                                                 FNeves

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

AMETISTA



Encontrando uma ametista
extraída à natureza,
lhe pergunto: Qual artista
te ornou de tal beleza?

A resposta não tardou:
‘Foi por certo o Criador.
 Como tu, também eu sou
expressão do seu amor.

Não estranhes que te diga:
Milhões de anos aguardei
que surgisse humana vida.

Fora a terra meu escrínio.
Tu surgiste e acordei:
Vejo em ti igual fascínio.’

João d’Alcor

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

COMBATER O INSUCESSO ESCOLAR COM A PSICOLOGIA OU COM A PEDAGOGIA?



É em respostas mais médico-psicológicas do que pedagógicas que deve centrar-se o combate ao insucesso escolar”. Esta é a ideia que se defende num artigo do jornal Le Monde, a propósito de um plano proposto pelo Alto Conselho da Educação de França para combater o insucesso escolar.
            Este plano põe a ênfase na intervenção pedagógica, mediante um apoio escolar mais eficaz aos alunos, sugerindo, entre outras medidas, um ensino tutorial, um reforço da cultura humanista, a valorização da formação manual, uma maior autonomia pedagógica, assim como uma maior liberdade às escolas para recrutarem os seus professores.
            Ora, os autores do artigo, dois pedopsiquiatras, contrapõem a este plano o facto de existirem numerosos estudos que indicam haver uma ligação estreita entre o insucesso escolar e as perturbações médico-psicológicas. Dizem eles que as perturbações psicológicas e psiquiátricas são raramente referidas nos debates relativos ao insucesso escolar. E, apresentando números, referem que as perturbações da aprendizagem, as perturbações da atenção, com ou sem hiperactividade, a depressão, as perturbações cognitivas, do comportamento e da personalidade, a esquizofrenia…estão quase sempre presentes em situações de insucesso escolar.
            Nas ciências da educação, como ciências humanas, nem sempre a abordagem dos problemas pode ser feita a partir de um só modelo de intervenção. E este será o caso do insucesso escolar que, de uma maneira acentuada, apesar do facilitismo que tem impregnado o nosso sistema de ensino, principalmente no básico, nos afecta. Ora, para se actuar sobre os fenómenos, há que conhecer as suas causas. E, relativamente ao insucesso escolar, uma parte significativa dos seus casos tem origem em problemas sociais: famílias disfuncionais, situações de abandono físico ou psicológico, separação familiar, carências económicas graves, desemprego, autoridade parental inexistente, ausência de regras em casa…
            É claro que as duas maneiras de actuar sobre o insucesso escolar, a médico-psicológica e a pedagógica são excelentes terapêuticas, quando aplicadas não em alternativa mas, em complementaridade. O que me parece, contudo, é que se a sociedade deseja atacar de frente este grave problema da escola, terá que o fazer mais a montante, isto é, na família. É aí que se podem gerar os distúrbios psicológicos e os comportamentos inadequados que irão originar a falta de adaptação do aluno à vida escolar. É certo que muita desta actuação passa por medidas sociais que ultrapassam a própria escola. Outras, contudo, haverá, em que a escola, tentando promover uma educação parental adequada, poderia intervir de modo não só a prevenir mas a tratar este flagelo que invade a instituição escolar.

                                                                                             Mário Freire 

domingo, 8 de janeiro de 2012

ALTAR


Vão os noivos ao altar
consagrar o seu amor.
A ele voltam, sem tardar,
expressando o seu louvor.

Traz a mãe o filho ao colo;
no altar o vai depor.
Junta o pai ao protocolo
duas velas e uma flor.

Em cenário tão querido,
há um anjo enternecido,
a pensar: Já faz sentido;

não podendo eu casar,
quis o Céu me compensar:
‘Vou ser guarda deste Lar.’

João d’Alcor

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O PROFESSOR REIS PEREIRA (JOSÉ RÉGIO)


              Esteve patente na Galeria de Exposições da Câmara Municipal de Portalegre, há já algum tempo, uma exposição de pintura de homenagem ao Professor Reis Pereira, comemorando os 80 anos da sua vinda para a cidade de Portalegre. Igualmente, durante vários meses, e integrada na mesma efeméride, apresentou-se ao público, no Castelo de Portalegre, uma outra exposição sobre alguns aspectos do quotidiano do Professor Reis Pereira, documentos da sua actividade profissional, tais como cadernetas de classificação dos alunos com os símbolos que ele utilizava, assim como aspectos da sua obra como José Régio, de poeta, dramaturgo, romancista e ensaísta.
As minhas visitas a estas exposições fizeram-me evocar alguns dos momentos, como aluno desse Professor.
            Ele esteve em Portalegre entre 1929 e 1962, como professor de Português e de Francês do Liceu, e foi nesta cidade que escreveu a maior parte da sua obra poética e em prosa com o pseudónimo de José Régio.
            Recordo, ainda, a sua figura pequena e de faces angulosas, ao entrar na sala de aula. Os alunos levantavam-se, como mandava a boa educação daqueles tempos. Depois, começava a aula. E a aula iniciava-se pelo folhear lento da caderneta, aquele livrinho, estigmatizado por todos nós, onde se assentavam as nossas classificações ao longo do ano, quer das chamadas orais, quer dos exercícios escritos. Abria a caderneta no princípio. Nós, alunos, sabíamos, então, em que posição da turma o Professor ia e, como tal, estávamos a par, em tempo real, como agora se diz, da nossa possibilidade de nos deslocarmos até à secretária. Confesso que aqueles momentos, da passagem lenta das folhas, num silêncio sepulcral, eram de grande ansiedade! Tomada por ele a decisão sobre quais os contemplados a serem chamados, seguia-se o alívio para a maior parte da turma, aqueles a quem a sorte ainda os tinha bafejado nesse dia. Mas a vez deles havia de chegar!
            O que é que este ritual muito frequente, com as emoções que suscitava nas aulas de Reis Pereira, pretende significar? Significava que ele, como professor, era muito respeitado, por vezes, até temido. Não procurava a simpatia.
            A sua exigência não enganava ninguém e isso obrigava-nos a sermos cuidadosos naquilo que dizíamos e naquilo que escrevíamos. Mas essa exigência e algum distanciamento eram temperados pelo empenhamento que punha em actividades fora da sala de aula, como a de organizador de récitas em que colaborava, sem qualquer formalidade, com os alunos.
            Mas foi essa exigência dentro da sala de aula que melhor conheci no Professor Reis Pereira e que muito me ajudou quer a organizar os meus processos mentais através da análise sintáctica das orações, quer a abrir novas dimensões à imaginação e à criatividade através da interpretação dada a um texto.
            Nunca me esquecerei, a propósito das figuras de Cristina e Madalena, em A Morgadinha dos Canaviais, da distinção que ele nos propôs que fizéssemos entre os qualificativos bonita e bela, quando aplicados por Júlio Dinis, respectivamente, àquelas duas figuras.
            Por outro lado, não sei se ele andava a par das modernas teorias pedagógicas; no entanto, aplicava muito frequentemente aos alunos o Efeito de Pigmalião que diz que o formular expectativas elevadas em relação ao aluno, faz com que este tente concretizar essas mesmas expectativas junto do professor.
            Estas minhas visitas àquelas exposições foram uma incursão na minha adolescência que me trouxe uma certa nostalgia mas, também, uma saudosa e grata recordação de um Professor que nunca esquecerei.

                                                                                        Mário Freire

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

AJUDA


Quem ajuda a si se ajuda,
Bom ele é em tal pensar.
Só pedir que alguém acuda
será forma de abdicar.

Não se fica aqui, porém,
o sentido de ajudar.
O amor expresso a alguém
muito importa equacionar.

Ele esteve em mãos de fada,
em ajuda dedicada,
tida logo ao nascer.

Se com esta vim à vida,
dá-la sempre e sem medida,
mais que o devo, é um prazer.

João d’Alcor

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

DESENVOLVIMENTO E SOLIDARIEDADE - 4



                         Da responsabilidade individual à gratuitidade

           
            Em Direito, ser-se responsável significa que se responde pelas consequências dos próprios actos. Exceptuando as acções que possam ser atribuíveis a disfunções psicológicas graves, a coacções intensas ou a circunstâncias adversas que ponham em causa o livre-arbítrio, uma pessoa torna-se responsável por aquilo que faz. 
            Mas o termo responsabilidade tem um âmbito mais lato. Ele, numa forma mais compreensiva, implica, igualmente
- cumprir os compromissos que foram assumidos e que não ofendam a ética;
- tentar dar resposta aos problemas que nos são solicitados;
- ajudar voluntaria e gratuitamente a solucionar situações problemáticas que, não tendo directamente a ver com elas, sentimos que podemos contribuir para as resolver ou minorar. 
A responsabilidade individual apresenta-se, pois, segundo vários níveis de exigência pessoal, passando da simples (mas nem sempre visível!) situação de assunção das consequências pelos actos praticados até à obrigação ética que se sente em intervir, voluntaria e gratuitamente, a favor da resolução ou atenuação de problemas ou de situações penalizantes.
Ora, praticar a gratuitidade num tempo em que o lucro parece comandar os comportamentos individuais e sociais; em que os interesses económicos são colocados, predominantemente, acima das pessoas e dos valores; em que a política se subordina às finanças, certamente que falar dessa prática não será tema que suscitará grande atractividade.
Há muitas maneiras de praticar a gratuitidade:
- O político que coloca acima de todas as suas metas o bem comum; que não enriquece no exercício do poder ou que não se serve dele para, depois, ganhar proventos que, de outra maneira, não alcançaria; que não olha para o tempo que gasta na tentativa de resolver os problemas; que põe todo o seu empenho e mobiliza vontades para atingir os objectivos a que se propõe.
- O empresário que consegue gerir a sua empresa com lucro e que tem como principal preocupação, mais do que o enriquecimento pessoal, o crescimento e consolidação da sua empresa, o desenvolvimento económico e social dos seus colaboradores e do país, promovendo a criação de emprego ou evitando despedimentos de colaboradores competentes, ainda que prescindindo de alguma receita.
- O trabalhador que olha tanto ou mais para os deveres do que para os direitos; que não se sente vítima das circunstâncias; que tenta cumprir as tarefas que lhe são exigidas da maneira que melhor sabe e pode, não fazendo do trabalho um meio de apenas ganhar dinheiro mas uma oportunidade de se valorizar e valorizar a comunidade.
- O reformado, o desempregado… que dá o muito ou o reduzido do seu tempo disponível, do seu saber, do seu afecto na ajuda aos que precisam ou aos que sofrem.
O exercício de todas estas formas de responsabilidade contribuiria, certamente, para fazer desta terra em que vivemos um mundo melhor. 

                                       Mário Freire