sexta-feira, 29 de novembro de 2013

SÍLEX, A PRIMEIRA MATÉRIA PRIMA


 
 
 
  
 
                                                     Fig 1
 
Sílex, mostrando a fractura conchoidal característica. Notar a crosta (patine) acastanhada clara, de opala e hidróxido de ferro, no cortex. Imagem recolhida em «ancientpoint.com»
 
             Desde sempre a natureza ofereceu ao homem tudo o que ele necessita para viver, - a água, o ar, os produtos vegetais e animais de que se alimenta e, ainda, as rochas e os minerais. Do sílex, no Paleolítico Antigo, ao actualíssimo “coltan”, passando pelo barro, pelos minérios de ouro, cobre, estanho, ferro e muitos outros, o homem teve artes de, ao longo do tempo, retirar da geodiversidade tudo o que soube utilizar ou transformar em seu proveito.
         De raiz latina, sílex é o nome de uma rocha sedimentar essencialmente siliciosa, ou seja, um silicito, como se diz na moderna nomenclatura petrográfica, e é étimo das palavras silício, o elemento químico, sílica, o dióxido de silício (SiO2) e silicon, um material bem conhecido em cirurgia reconstrutiva. Na origem, significou, também, pedra e calhau. Sendo pedra, o seu uso pelos nossos remotos antepassados, na produção de utensílios vários, deu nome ao período da Pré-história referido por Idade da Pedra.
 
 
                                                      Fig 2
 
Artefacto de sílex. Imagem obtida em «sylvie-tribut-astrolog.com»
 
              Em termos populares é a pederneira, isto é, a pedra capaz de produzir centelhas ou faíscas quando percutida ente si ou pelo ferro. Em virtude dessa capacidade recebeu, também, o nome de pedra-de-fogo, tendo sido utilizado, sobretudo, nos séculos XVII e XVIII, em peças de artilharia, mosquetes, bacamartes e pistolas.
           O sílex foi descrito pelos autores franceses como uma silicificação no seio de um calcário de granularidade muito fina e pouco coeso do Cretácico superior (que se pode ver nas brancas e escarpadas arribas francesa e inglesa que ladeiam o Canal da Mancha) a que se dá o nome de cré e que é interpretado como um produto da diagénese e, portanto, posterior à sedimentação do referido calcário.
 
 
 
                                                       Fig 3
 
Arribas de cré com leitos de sílex na Normandia, França. Imagem obtida em «lerelaisduboneur.com.».
 
 
                                                             Fig 4
Pormenor do cré, na base da arriba, com interstratificação de nódulos de sílex negro. Imagem obtida em «ruedeslumieres.morkitu.org»
 
            No decurso deste processo, a sílica gera nódulos ou concreções (de alguns centímetros a alguns decímetros) distribuídos segundo as juntas de estratificação, desenhando cordões e, ainda, ao longo de fracturas que permitem a progressão da sílica.
           Com sílica quase a 100%, o sílex é uma rocha muito compacta, homogénea, dura mas frágil, com fractura conchoidal característica, particularidade habilmente aproveitada pelos nossos antepassados mais remotos. A expressão Idade da Pedra Lascada, corrente em muitos textos, alude a este tipo de fractura igualmente própria do quartzo macrocristalino (nomeadamente, o hialino e o defumado), do jaspe, do vidro vulcânico (obsidiana) e do quartzito.
           O sílex do cré é essencialmente constituído por quartzo microcristalino (com 8 a 20 μm), habitualmente referido por calcedonite, alguma opala, rara argila, vestígios de calcite, de óxidos de ferro, responsáveis pelas tonalidades amarelada, acastanhada ou avermelhada que podem exibir, e de substâncias carbonosas que, quando em quantidade suficiente, lhe conferem a cor negra muito comum. Na periferia das concreções, ou nódulos, forma-se uma delgada crosta (patine), essencialmente de opala, finamente porosa, de aspecto pulverulento e, por vezes, penetrada por calcite.
            Todas as características do sílex indicam origem a partir de uma lama ou vasa predominantemente carbonatada (carbonato de cálcio), biogénica, contendo, à mistura, uma certa percentagem de restos esqueléticos siliciosos (de opala), em especial, espículas de espongiários, a que se associam restos de radiolários em menor quantidade. Numa fase precoce tem lugar a dissolução dos referidos restos siliciosos, seguida de migração e precipitação da correspondente sílica sob a forma de cristobalite, no seio do sedimento ainda não consolidado, gerando um material do tipo porcelanito. Numa fase tardia, a cristobalite recristaliza sob a forma de calcedonite, com segregação do carbonato de cálcio.
            Inicialmente usado para designar os nódulos siliciosos ocorrentes em rochas mais antigas do que o cré do Cretácico superior, o termo inglês chert, o mais divulgado entre os geólogos dos quatro cantos do mundo, abarca, praticamente, todos os silicitos litificados. Entre nós, este vocábulo tem sido usado com a grafia cherte e está na base de expressões, correntes entre os petrógrafos, como chertificado e chertificação, em substituição de silicificado e silicificação.
           Os autores mais recentes têm vindo a distinguir neste tipo litológico dois conjuntos, com base no modo de ocorrência. Assim, tem-se dado relevo, por um lado, aos que ocorrem sob a forma de estratos, conhecidos pela expressão bedded cherts e, por outro, aos limitados a acidentes descontínuos, sob a forma de concreções ou nódulos, no seio de outras rochas, divulgados como nodular cherts. Os primeiros incluem, entre os mais comuns, o jaspe, o lidito e o ftanito, sendo os segundos representados pelo sílex do cré, ou flint, o seu sinónimo em inglês.
         Não há uniformidade entre os diversos autores no uso da nomenclatura dos silicitos, uma situação que, aliás, se repete, com maior ou menor evidência, em toda a petrografia sedimentar. Os autores anglo-saxónicos preferem o termo chert, que abrange o material a que franceses e nós (por influência destes, nos primórdios da nossa investigação geológica) chamamos sílex. A tendência actual vai no sentido da internacionalização e generalização do chert, reservando-se sílex e flint como nomes da matéria-prima mais usada nos artefactos pré-históricos.
           Os calcários do Cretácico superior (Cenomaniano) da região de Lisboa e arredores exibem, com relativa frequência, nódulos e outras acumulações de sílex que foram exploradas na Pré-história. Dois destes afloramentos, classificados como geomonumentos pela Câmara Municipal de Lisboa, podem ser vistos nesta cidade, na Avenida Infante Santo. O Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Geológico, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) têm nos seus acervos abundantes testemunhos desta actividade dos nossos longínquos avós.
 
                                                       Galopim de Carvalho
 
Notas
Calcedonite - variedade microcristalina de quartzo. Normalmente branca leitosa. A sua textura porosa, torna-a susceptível de alojar impurezas responsáveis pelas cores que pode apresentar. O termo radica em Khalkedon, antiga localidade junto a Istambul, por onde este material transitava na Antiguidade. Entre as calcedonites distinguem-se, com valor gemológico, ágatas, cornalina, sarda, plasma, prásio, crisoprásio e ónix. O mesmo que calcedónia.
 
Coltan - nome abreviado do mineral columbite-tantalite o columbo-tantalite, uma solução sólida de columbite (Fe, Mn)Nb2O6 e tantalite (Fe, Mn)Ta2O6, de onde se extraem os elementos nióbio ou colúmbio e tântalo, dois óxidos que só muito raramente ocorrem puros. Usado no fabrico de computadores, telemóveis e outros equipamentos electrónicos.
Cré – calcário marinho (90% ou mais de carbonato de cálcio), de grão muito fino, poroso e algo friável, essencialmente formado por cocólitos (estruturas calcárias nanométricas de algas unicelulares – cocolitoforídeos) e, por vezes, foraminíferos planctónicos.
Cristobalite – mineral polimorfo de sílica que, no domínio sedimentar, forma as pequeníssimas esférulas que edificam a opala. O nome evoca San Cristobal, no México.
Ftanito – pelito microcristalino, cinzento a negro (grafitoso), geralmente resultante de metamorfismo de baixo grau sobre vasas radiolaríticas antigas, depositadas em ambientes marinhos profundos. O mesmo que xisto silicioso.
Jaspe – silicito calcedonítico ou microquartzítico impregnado de óxidos de ferro, de coloração variável entre o vermelho, o castanho e o amarelado, raramente verde. Corresponde, muitas vezes, à silicificação de vasas radiolaríticas. O nome radica no étimo hebreu antigo, iaschpeh, que terá passado no latim a iaspis.
Lidito – silicito negro, usado como “pedra-de-toque” pelos ourives, descrito na região de Lydia, na Ásia Menor. Corresponde a um radiolarito chertificado com impregnação de matérias carbonosas.
Opala – não sendo um mineral no sentido mineralógico do termo, é um material amorfo essencialmente constituído por esférulas de cristobalite e água. Pode também constituir o material de substituição epigénica de outros minerais (calcite, gesso ou glauberite) ou de fósseis. O termo deriva, provavelmente do sânscrito, upala, pedra preciosa. Entre as variedades desta pedra distingue-se a opala comum, não preciosa, e uma vasta gama de opalas iridescentes com valor gemológico.
          
 
 
 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

SAÚDE E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS


Quase todos os impactes ambientais e sociais das alterações climáticas podem afectar a saúde humana através da modificação dos padrões climáticos e de mudanças ocorridas, por exemplo, na água, no ar, na quantidade e qualidade dos alimentos, nos ecossistemas, na agricultura e também nas infra-estruturas.
As alterações climáticas podem multiplicar os riscos e os problemas de saúde existentes: os seus efeitos potenciais na saúde dependem em larga medida da vulnerabilidade das populações e da sua capacidade de adaptação. Os idosos e as pessoas afectadas por doença, correm um maior risco.
O previsível impacte das alterações climáticas na propagação das doenças transmitidas pela água, pelos alimentos e por vectores (mosquitos e ratos entre outros) realça a necessidade de instrumentos para combater essas ameaças à saúde pública. A transmissão das doenças é também influenciada por factores ecológicos, sociais e económicos, nomeadamente o acesso aos cuidados de saúde por parte da população.
Em zonas urbanas congestionadas, com alta impermeabilização do solo e amplas superfícies absorvedoras de calor, os efeitos das ondas de calor podem ser agravados devido a um arrefecimento nocturno insuficiente.
A qualidade de vida e a saúde dos habitantes das cidades depende fortemente da qualidade do ambiente urbano. Os espaços verdes desempenham um papel importante. Uma boa rede de espaços verdes proporciona um grande número de benefícios ambientais, sociais e económicos: redução do incómodo causado pelo ruído e boas condições para desenvolver actividades de lazer, por exemplo. Normalmente, as pessoas que vivem na proximidade de terrenos agrícolas, florestas, campos ou espaços verdes urbanos, dizem gozar de uma melhor saúde.
O alargamento dos benefícios que o ambiente oferece à saúde e ao bem-estar humano vai exigir um esforço contínuo de melhoria da qualidade do ambiente. Contudo, estes esforços terão de ser complementados por outras medidas, incluindo mudanças significativas do estilo de vida e do comportamento humano, bem como dos padrões de consumo.

                                   FNeves


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

DIVULGAÇÃO


Norma havia e era a cuja
- Mal ocorre, quando vai embora –
que o lavar da roupa suja
seja em casa. Nunca fora.

Quer em factos quer em fala,
é o mal contagioso.
Uma vez que se propala,
gera um circo vicioso.

Quer virtude, quer pecado,
bem que opostos pedem o mesmo:
Por de parte o alarido.

O bom senso e o recato
por si medram; sempre a esmo.
Este o molde requerido.

João d’Alcor

sábado, 23 de novembro de 2013

A CURA PELA MEDITAÇÃO


A prática da meditação tem uma história muito antiga e as suas ramificações são muitas. Talvez seja mais correto falar de meditações ou de técnicas de meditação. Já a própria palavra meditar pode desorientar na medida em que o seu significado varia segundo as interpretações: vai desde um simples pensar em qualquer coisa a uma profunda reflexão sobre um assunto, passando por um sentido mais religioso como ritual de culto.
A sua origem vem do latim medeor (que encontramos em medicamento) e que significa curar. Ora, isto significa que já os povos antigos tinham percebido que as práticas de meditação e a sua virtude terapêutica estavam interligadas. Independentemente do tipo de meditação que se pratica, há eixos comuns a todas elas, nomeadamente a procura de uma calma mental duradoura.
Quem se dedica regularmente à meditação modifica a atividade cerebral. A comprovar esta afirmação são já várias investigações de natureza científica. A pergunta que se faz é: em que medida é que meditar pode curar?
Foram feitos estudos na Universidade de Ontário, utilizando uma amostra de sujeitos que sofriam de depressão. A amostra foi dividida em três grupos e cada um recebeu um tipo de terapia diferente: toma de antidepressivos, toma de placebo e prática de meditação. Esta última foi a que demonstrou ter mais sucesso.
No que respeita ao problema da dor crónica, os resultados foram semelhantes, segundo um estudo da Universidade da Carolina do Norte. A intensidade de dor percecionada pelos praticantes de meditação foi 40% inferior relativamente aos restantes. Esta diminuição da intensidade da dor está relacionada com o aumento da atividade do córtex anterior cingulado e com uma baixa atividade da ínsula anterior, regiões do cérebro que intervêm na regulação cognitiva da dor.
Mesmo para quem não sofre de nenhum destes males, a meditação é salutar. Trata-se de uma prática que exige perseverança, mas cujos efeitos benéficos já ninguém põe em causa.

                                Rossana Appolloni


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A JUSTIÇA E A EDUCAÇÃO


            No tribunal correccional de Marselha, há meses, a vice-procuradora encarregada da secção de menores tinha à sua volta, na sala de audiências, um conselheiro de educação, um outro de orientação escolar, um psicólogo, uma assistente social e vários educadores.
            Este tribunal tinha convocado vinte famílias. Estas, aliás, já tinham comparecido no comissariado da polícia, em virtude dos seus filhos não frequentarem com regularidade as aulas e alguns deles, até, as terem abandonado.
            Em tom severo, a procuradora diz-lhes que elas são acusadas de negligência em relação aos filhos, crime punível com prisão e multa. Desejava, por isso, saber das razões que tinham motivado tal comportamento dos pais, empurrando os filhos para a ociosidade e para o perigo. Ela vai ouvindo de cada família, a maioria representada pelas mães, algumas delas adolescentes, acompanhadas ou não pelos seus filhos, os depoimentos. Estes vão reflectindo os dramas familiares (monoparentalidade, pobreza, desemprego…).
            A magistrada diz-lhes, então, que irá substituir a pena a que estariam sujeitas por uma medida de assistência educativa mas não deixa de lembrar que os filhos estão a fazer tudo o que querem e que constituem presa fácil para as redes de droga. Os adolescentes que acompanharam os pais partem com uma obrigação: voltar imediatamente à escola. Esta ida dos pais e filhos ao tribunal tem um efeito dissuasor do absentismo, levando muitos dos faltosos a voltar às aulas.
            Entretanto, essas famílias saem do tribunal com o número de telefone de um educador, a promessa de um seguimento personalizado e o agendamento de um encontro com um conselheiro de orientação. Propõe ainda a procuradora a recuperação das aprendizagens, através de aulas específicas, desses alunos e o respectivo acompanhamento psicológico.
            Este processo não vai, certamente, à raiz do absentismo e abandono escolares. De qualquer modo, este entrosamento entre os meios judiciários e os educacionais não poderia fazer diminuir tal flagelo?


                                     Mário Freire

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O PLANETA AZUL


Sob o olhar do cidadão comum, cada vez mais explorado e, por enquanto, resignado e ordeiro, a ganância insaciável do mundo das finanças não tem permitido o uso pleno de tudo o que de bom o “Planeta Azul” tem para nos dar.
Estamos a viver um tempo em que o saber científico e os recursos tecnológicos avançam a passos de gigante e, dia após dia, nos deslumbram. Apesar das perseguições de que foram alvo ao longo da História, em especial, no período que antecedeu o iluminismo, as Ciências da Terra não deixaram de crescer e são hoje pilares da sociedade moderna, facultando alavancas poderosas para o bem e para o mal, ao serviço de uma humanidade, a um tempo, sabedora e desencantada, à procura de um caminho que tarda em encontrar.
Quem anda por dentro destas ciências sabe que elas são indispensáveis na procura e na exploração racional dos recursos energéticos e em matérias-primas, no planeamento do território, na construção de barragens, pontes e outras grandes obras de engenharia, na defesa do ambiente (cada vez mais ameaçado) e na prevenção face aos riscos sísmicos, vulcânicos e outros desastres naturais, com são as cheias, os deslizamentos de terras e as derrocadas.
Na sua caminhada de cerca de 4570 milhões de anos, na grande maioria, de mãos dadas com o mundo vivo, a Terra, o nosso berço e a nossa casa, facultou-nos tudo o que necessitamos para viver: um campo magnético que nos protege das radiações letais (raios X, raios gama, raios ultravioletas e outras) emitidas pelo Sol, o ar que respiramos, a água que bebemos e o chão que pisamos e nos dá o pão.
Face as estas capacidades, a Geologia, a Mineralogia, a Paleontologia e as outras disciplinas que nos permitem conhecer o mundo em que vivemos acabaram por conquistar, em muitos países, estatuto de ciências de grandeza compatível com a sua real e grande importância no desenvolvimento sustentado, o que não é o caso em Portugal, onde permanecem subalternizadas nos currículos escolares e continuam arredadas da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.


                                  Galopim de Carvalho

sábado, 16 de novembro de 2013

PALAVRAS



Vivemos num tempo de dificuldades, até nas palavras!... Caminhamos numa conjuntura onde a injustiça medra, onde a verdade encolhe, onde o justo paga pelo pecador. Vivemos num mundo que azeda e empobrece, onde até as palavras nos começam a sair da boca minguadas e secas. Sílabas e fonemas que se agregam em palavras proferidas a medo. Frases que se rasgam e se enamoram dos castelos de versos que vamos desenhando e construindo, fora de horas, sem espaços, sem projetos definidos, sem tempos marcados, sem limites!... Versos que são ritmos. Ritmos que são janelas abertas... Frases diversificadas, multifacetadas, repetidas, ditas e algumas, interditas.
As palavras revelam estados de alma: olhares alheados, sentimentos marcados, compromissos adiados. Através das palavras se exaltam virtudes, se desfraldam defeitos, sentires completos ou imperfeitos. As palavras são meninas: ladinas, traquinas, cristalinas. Mas, se acordam às avessas, por vezes, podem tornar-se complexas e perversas!...
É a palavra que trava e destrava. Que pode transformar num fragmento, o tempo e o momento. Palavra marota que salta de boca em boca!... Que parece doce quando se solta ou azeda se se revolta.
Está na essência de todas as palavras a razão do “Ser”. São “Elas” a pronúncia e a renúncia, o empenho e o engenho, o ousar, o arriscar, o descrever, o contar, o coração a pulsar, os lábios a murmurar e os olhos a flamejar até a barreira do Sonho ou do Medo se quebrar. E, quando tal muro começa a desmoronar, nasce para a linguagem falada, escrita ou gestual, o ato abençoado de “COMUNICAR” (…)
Foram as palavras, ordenadas e temporalizadas que formaram o “verbo” e foi nas palavras com melodia, métrica - ou não - emoção e algum sabor a nostalgia que, num golpe de magia, rebentou a POESIA. Desde então, por esta passerelle intemporal que é a Poesia, começaram a desfilar os trovadores, os pensadores, os Poetas (…)
Quando se escreve, as ideias nascem do nada, do vácuo, do acaso, da noite ou do vento. Depois, soltam-se em balões baços ou coloridos, como se surgissem do mistério do tempo, esbarrando na luz que se espelha nas águas, adormecidas em crateras ou lagos escondidos. As estrofes agigantam-se, esculpidas nas entranhas dos poetas, em altas doses de inspiração, de emoção e muita, muita carga de Silêncio. Sem trancas nas portas encalham os poetas, numa encruzilhada, de sombras ou de vultos que o silêncio corrói e fustiga, a horas mortas (…)

                                Aldina Cortes Gaspar

Nota: Excerto das palavras de apresentação do livro de poesia Pedaços, em 9 do corrente, na Biblioteca Pública de Évora, pela Autora. A edição é comercializada pela editora SÍTIO DO LIVRO.



                                                  MENINO NEGRO




Pobre de nome, a alma dorida,
Mãos cheias de “nada”, p’ra fome matar.
Parido no mato. Madrasta de vida!...
Esperando uma estrela que tarda em brilhar.

Os pés calejados, descalços, sem esporas.
Sonhos adiados, ao sol a gretar
São janelas abertas no ventre das horas
À espera que a noite as venha fechar.

Menino criado ao sol do Sertão,
Corpinho delgado cheirando a capim.
Falando crioulo, de olhos no chão
Mirrado de choro. Que sina ruim!...

Vontade rendida que a guerra ultrajou.
Criança encolhida, sem afago de mãe.
O mato o pariu, a vida o talhou
Sem dote, de “baldio”, afetos não tem!...

Criança de negro, por fora e por dentro
Batido p’lo vento, do medo refém.
Escorregando na lama, sentado no tempo
Olhando o horizonte à espera de alguém.

Alguém que o afague, que o queira abraçar.
Que a fome lhe esmague, num naco de pão.
Que um beijo na alma lhe possa atear
Uma réstia de sonho no seu coração.

Meninos de negro, fugidos da guerra
Não podem sorrir, não sabem brincar!...
São pássaros feridos, pousados em terra
De braços caídos, olhando p’ró mar!...


Aldina Cortes Gaspar

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

DIVERSIDADE


Muito embora sem sentido,
excluir o diferente
vitimiza tanta gente.
Drama é e tão vivido.

Se em vez de rejeitar,
e abrir então um fosso,
porque não criar um poço
de água viva a partilhar?

Honrar a diversidade
dignifica e leva a crer
no que é bom, sem ser igual.

Que ventura é, na verdade,
cada qual saber manter
seu cariz original.


João d’Alcor

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O CONSUMO DE ÁGUA NA ACTUALIDADE NÃO É SUSTENTÁVEL



Embora os maiores problemas em termos de escassez de água se continuem a verificar na Europa do Sul (de que Portugal faz parte), o stress hídrico está também a aumentar em algumas regiões do Norte. Por outro lado, de futuro, as alterações climáticas estarão na origem de um aumento da intensidade e da frequência das secas, agravando o referido stress , nomeadamente nos meses de Verão.

A solução de curto prazo para a escassez de água tem consistido em captar quantidades crescentes da mesma, utilizando os recursos hídricos subterrâneos e de superfície . Esta sobreexploração não é sustentável. Tem um impacte considerável na qualidade e na quantidade da água que nos resta, bem como nos ecossistemas que dela dependem.

Temos de reduzir a procura, minimizar a quantidade de água captada e aumentar a eficiência da utilização do recurso em causa. Para isso, haverá que promover medidas de sensibilização pública tais como os programas de educação ambiental nas escolas que são essenciais para promover uma utilização sustentável da água. O problema das fugas nos sistemas de abastecimento deve ser resolvido. Em Portugal, as perdas causadas por essas fugas podem ser superiores a 40% do abastecimento total.

Devem criar-se incentivos a uma maior utilização de recursos hídricos alternativos tais como águas residuais tratadas, águas usadas e água da chuva recolhida a fim de contribuir para a redução do stress hídrico (Monsaraz é disso um bom exemplo: a sua imponente cisterna construída há centenas de anos, continua a ser utilizada).

Na Europa, as águas de superfície, tais como os lagos e rios, fornecem grande parte do volume total de água doce captada, constituindo a principal fonte de água utilizada na indústria, na produção de energia e na agricultura. Quase toda a água utilizada na produção de energia é devolvida a uma massa de água, ao contrário do que acontece com a maior parte da água captada para fins agrícolas. O abastecimento domiciliário, em contrapartida, baseia-se principalmente nas águas subterrâneas, devido à sua qualidade superior.

A dessalinização é uma alternativa às fontes de água tradicionais que está a ser cada vez mais utilizada, nomeadamente em regiões da Europa onde existe grave stress hídrico. Porém, na avaliação do impacte global da dessalinização no ambiente, devem ser tidas em conta as ainda elevadas necessidades de energia deste processo e a salinização do meio que dela resulta.

            Torna-se, pois, necessário dar mais atenção à gestão sustentável dos recursos naturais, sobretudo no que respeita à escassez de água e aos ecossistemas que dela dependem.

 

                                                                   FNeves

domingo, 10 de novembro de 2013

MEDITAR É ÚTIL?


Hoje em dia, a nossa sociedade ensina-nos cada vez mais a fazermos escolhas baseadas na utilidade, pelo que vale a pena perguntar: meditar é útil? Na verdade, a meditação não deve servir para nada, não deve ser praticada tendo em vista um objetivo específico.
A prática da meditação comporta uma parte de não estar à espera de nada. Meditar implica ignorar pretensões e não prefigurar ou imaginar nada no sentido de desejar que algo aconteça. O movimento que dá vida a quem medita é, curiosamente, um não movimento: uma intenção de não intenção. Os taoistas chamam-lhe agir sem agir. Trata-se portanto de uma atitude mental, subtil e, de certa forma, paradoxal.
Se tentar sentar-se por dez minutos num sítio calmo, de forma a concentrar-se unicamente na sua respiração, dar-se-á conta do turbulento e involuntário fluxo de pensamentos e de emoções. Meditar é precisamente tomar consciência deste fluxo: as faculdades da atenção que permitem este olhar interior desenvolvem-se gradualmente, tal como a capacidade de regular as emoções.
Nas suas diversas formas, a meditação é uma exploração da natureza da mente. Uma das práticas mais faladas hoje é a mindfullness, ou seja, de plena consciência. Nesta, o praticante torna-se menos reativo às próprias emoções, adquire uma consciência mais clara dos seus processos mentais e descobre assim um meio para os transformar.
Quem medita abre-se à experiência em sentido lato, isto é, a tudo o que acontece dentro de si e à sua volta. As manifestações podem ou não ser agradáveis, pois o objetivo é aproximar-se a elas observando-as com desapego e sem se esforçar por controlar as emoções ou os pensamentos.
            Treinar esta capacidade de distanciação, observação, desapego do que nos acontece enquanto meditamos, tentando sempre chamar a nossa mente para as sensações do aqui e agora, permite aplicarmos os mesmos princípios nas situações do dia-a-dia. Permite-nos desfrutar mais do presente de uma forma mais recetiva e simultaneamente mais ativa.

                                                       Rossana Appolloni


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PROMOÇÃO DOS VALORES ÉTICOS


           A promoção dos valores éticos no aluno, para além dos aspectos intelectuais e emocionais, deveria constituir-se num dos pilares do nosso sistema educativo. Afinal, não foi devido a uma ausência desses valores, segundo se afirma, que a sociedade está a viver uma crise profunda?
            Ora, a preocupação com a educação do carácter, na sua perspectiva ética, se muitas vezes vem registada nas grandes metas das reformas, ela nem sempre se torna muito explícita nas acções concretas que têm lugar no quotidiano das escolas.
            Numa comunicação do Prof. Ramiro Marques, na Universidade de Aveiro, em 2006, falava-se de uma metodologia de promoção de valores. Dela permitia-me retirar algumas expressões que, julgo, poderiam inspirar uma certa prática, tendo em vista a tal promoção: envolver os alunos na tomada de decisões; desenvolver o raciocínio moral a partir dos conteúdos; superar os conflitos sem violência; estimular a cooperação entre os alunos; valorizar a responsabilidade, o gosto pelo trabalho e o esforço; induzir os alunos a cuidarem uns dos outros; reflectir eticamente as situações… Estes tópicos, não fazendo parte de nenhuma disciplina, poderiam estar presentes em todas elas.
Tendo em vista a promoção desses valores, cada escola poderia estabelecer um código de conduta que fosse aplicado em todos os espaços escolares. Este código seria, então, incluído num regulamento interno, no qual interviriam pais, professores e, de acordo com a faixa etária, os alunos.
Introduz-se, hoje, a palavra ética em inúmeros campos, tais como o da política, o do desporto, o das empresas… A sua prática quotidiana na escola, de que são exemplos alguns dos tópicos anteriormente referidos, iria contribuir, certamente, para fazer dos nossos alunos pessoas mais responsáveis e solidárias e melhor capacitadas a ingressarem no mundo do trabalho.


                                                           Mário Freire

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

DIVERSÃO


Quem não brinca põe de parte
a criança que em si mora,
essa mesma que, com arte,
limpa a face de quem chora.

Seriedade... Porque não?!
Mas com peso e com medida,
permitindo a distracção
de fitar o sol da vida.

Se nem tudo é brincadeira,
seja boa ocupação
pormos água no mau fogo.

Sempre encontra, quem tal queira,
o convite à diversão,
se da vida faz bom jogo.


João d’Alcor

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

ELOGIO DA DIETA MEDITERRÂNICA


O prestigiado «The New England Journal of Medicine» publicou uma investigação no campo da medicina cardiovascular. O estudo envolveu o acompanhamento de 7447 pessoas de ambos os sexos, com idades entre os 55 e os 80, durante quase cinco anos. As pessoas escolhidas eram obesas, fumadores, diabéticas, ou apresentavam outros fatores de risco no respeitante a doenças do coração.
O objetivo consistia em comparar dois regimes alimentares e verificar qual deles era o mais favorável à prevenção dos problemas cardíacos nas pessoas que apresentam fatores de risco. Metade das pessoas da amostra seguiu a típica dieta mediterrânea, incluindo a utilização exclusiva do azeite extra-virgem para temperos (quatro colheres por dia) três porções diárias de fruta, duas porções diárias de vegetais, e três refeições de peixe por semana acompanhados por legumes, entre os quais feijões, ervilhas e lentilhas. Foi dada preferência às carnes brancas e proposta a opção de poderem beber até 7 copos de vinho por semana às refeições. Recomendava-se que as pessoas evitassem o consumo de bolos e de carnes processadas, bem como o excesso de laticínios. Em contrapartida, podiam comer pequenas porções de nozes, amêndoas e avelãs, tendo cuidado com o facto de serem alimentos saudáveis mas muito calóricos.
A outra metade seguiu uma dieta convencional, sem restrições no que diz respeito ao consumo de carne vermelha, bebidas ou bolos. A única restrição deste regime foi a suspensão de gorduras.
A primeira constatação foi a de que as pessoas suportaram sem qualquer dificuldade a dieta mediterrânea, enquanto as pessoas do outro grupo manifestaram dificuldade e desagrado com um regime alimentar com baixo teor de gorduras, pelo que muitas vezes não respeitavam a imposição. O resultado final foi uma agradável surpresa: as pessoas que seguiram a dieta mediterrânica apresentavam menos 30% de ataques cardíacos e AVC do que as do outro grupo.
Apesar de vozes discordantes, todos os especialistas concordam em evitar sal, açúcar, refrigerantes, bolos, batatas fritas e produtos processados. Quanto ao resto, coma com moderação e variedade aquilo que lhe dá prazer!

                                                      Rossana Appolloni


sábado, 2 de novembro de 2013

DOS SEDIMENTOS À PEDRA DURA


         Quando andamos pelo campo e temos oportunidade de observar conglomerados, brechas, arenitos e xistos, materiais que aprendemos a considerar como rochas sedimentares, mas que, com escola ou sem ela, toda a gente reconhece como pedras, entidades mortas, coesas e quebradiças.
         Geradas à superfície da Terra, nas condições de pressão, temperatura e quimismo aí reinantes e em contacto com a água, o ar e os seres vivos, este conjunto de rochas sedimentares, ditas detríticas, clásticas ou terrígenas, é o produto da deposição gravítica de detritos ou clastos maiores ou menores resultantes da erosão de outras rochas preexistentes.
          Muito tempo antes de serem rochas, esses materiais foram acumulações incoesas (e, portanto, móveis ou remobilizáveis) de detritos terrígenos de diversas dimensões e origens, a que podemos, com toda a propriedade, chamar sedimentos. São os seixos transportados pelos cursos de água ou os que rolam no litoral ao sabor do fluxo e refluxo das vagas e acabam por se imobilizar num local propício à sedimentação; são as areias com idêntica história e as que o vento varre de um local para depositar num outro; são as partículas de argila e outras igualmente muito finas que turvam as águas que as levam a caminho do mar ou de um lago e aí as depositam em ambientes da águas paradas, sem energia que as remobilize.
        No século XIII, mais de quinhentos anos antes de se falar em rochas sedimentares, Albert von Bollstadt (1206-1280), mais conhecido como Alberto, o Grande, alquimista francês, afirmava que “o lodo alagadiço e viscoso trazido pelas águas e que cimenta a terra e a transforma em pedra dura.”. Em finais do século XVIII, o geólogo escocês James Hutton (1727-1797), considerado o pai da geologia moderna, afirmava que “as camadas sedimentares foram antigos sedimentos que se transformaram em rocha”. Só mais tarde, em 1868, o geólogo alemão Karl Wilhelm von Gümbel (1823-1898) deu o nome de diagénese (do grego dia, através de, e genesis, origem) ao conjunto de processos que transformam os sedimentos em pedra ou, por outras palavras, os petrificam, lapidificam ou litificam. Petrificar, do latim petra (pedra), deu petrificação, lapidificar, do latim lapis (pedra), deu lapidificação, e litificar, do grego lythós (pedra), deu litificação. Quatro palavras para designar o mesmo fenómeno geológico.
           A menos que não sejam destruídos prematuramente, todos os depósitos naturais destes sedimentos acabam por sofrer diagénese. Distingue-se uma diagénese precoce ou sindiagénese, entendida como o conjunto complexo de processos físicos, químicos e biológicos que, imediatamente, se seguem à sedimentação, sob condições de pressão e de temperatura moderadas e em função do conteúdo e concentração de iões e de parâmetros que definem a acidez ou alcalinidade (Ph) e o carácter oxidante ou redutor do meio (Eh). Esta primeira etapa da diagénese resulta de uma procura de equilíbrio entre as partículas sólidas do sedimento, a água circulante nos respectivos poros e os seres (bactérias e outros) que, numa fase inicial, os habitem. Com o enterramento e consequente elevação da pressão e da temperatura, e em condições já abióticas, entra-se no domínio da chamada diagénese tardia ou metassomática, também conhecida por epigénese. A própria sedimentação vai comprimindo, com o seu peso e de forma crescente, os materiais que lhe vão ficando por debaixo. Para pressões e temperaturas ainda mais elevadas, as rochas sedimentares sofrem metamorfismo, passando a ser apelidadas de metamórficas, que, no início, se confundem com elas  A diagénese decorre num ambiente termodinâmico que, no ciclo petrogenético, a coloca a meio caminho entre a sedimentação e o metamorfismo portanto, na fronteira dos processos exógenos com os endógenos.



         As grandes transformações envolvidas na diagénese são a compactação, a cimentação, a metassomatose e a recristalização. A ordem por que são enunciados não representa necessariamente qualquer sequência nos fenómenos, podendo haver concomitância entre eles ou qualquer deles anteceder ou preceder os restantes. Por outro lado, alguns destes fenómenos podem repetir-se em qualquer fase do processo, não sendo ainda necessário que todos tenham lugar para que haja diagénese.
            A compactação corresponde à redução de volume (60%, em média, podendo atingir 80%) do corpo sedimentar sujeito à compressão provocada pelo peso dos sedimentos que se lhe sobrepõem, com eliminação de maior ou menor quantidade da água contida nos poros  que ficam, assim, mais reduzidos. Este processo é particularmente acentuado e evidente nas vasas lamacentas, impregnadas de água, conduzindo por dessecação, progressivamente, a argilas, argilitos e xistos argilosos. É o fenómeno responsável pela fissilidade de certas rochas sedi  - Chama-se água fóssil, dormente ou morta, à água que fica aprisionada nos sedimentos e que exerce acções indutoras da diagénese e até do metamorfismo.mentares, em especial das detríticas de granularidade mais fina (essencialmente argilosas).
         Primeiramente é expulsa a água de impregnação, acabando as partículas detríticas por se unirem umas às outras, com diminuição sucessiva de porosidade e consequente impermeabilização da rocha, num processo, praticamente, irreversível. Pelo contrário, a compactação de uma areia de quartzo não lhe elimina a porosidade que pode, em função da calibragem, permanecer entre 30 a 20%.
        A cimentação consiste no preenchimento dos vazios ou espaços sempre existentes entre os detritos, mesmo que compactados. Este preenchimento é feito por substâncias em suspensão ou dissolvidas nas águas que circulam através desses interstícios e aí se acumulam, reduzindo-os até os colmatarem. Na cimentação por partículas em suspensão, como são geralmente os minerais argilosos, transportados do exterior, o processo é meramente mecânico. A rocha assim formada é um arenito argiloso, geralmente friável, que se esboroa entre os dedos ou que se desagrega quando mergulhado na água.
            Na cimentação resultante da cristalização a partir de substâncias em solução nas águas, há formação de novos minerais, nomeadamente carbonatos (calcite e dolomite), sílica (quartzo, calcedonite, opala), óxidos de ferro (hematite, magnetite, goethite, limonite), Na sequência deste processo, e consoante o tipo de cimento, uma areia pode transformar-se num arenito de cimento carbonatado, silicioso ou ferruginoso. Neste contexto, aos minerais alogénicos (os detríticos, assim chamados em virtude de serem oriundos do exterior) associam-se novos minerais, gerados no decurso da diagénese, usualmente apelidados de autigénicos (por oposição a alogénicos).
           Nas areias litorais submersas e sob condições propícias, a cimentação é precoce e conduz à formação de níveis superficiais endurecidos, internacionalmente designada por beachrock (praialito, na versão aportuguesada), isto é, rocha formada por cimentação da areia de praia. Nas situações de afundamento acentuado tem lugar a cimentação por enterramento (burial), na qual os grãos se interdigerem, fenómeno que alguns autores referem por “canibalização”.
             Em algumas sequências sedimentares são os arenitos cimentados por betumes , dos quais se pode extrair petróleo com rentabilidade, por destilação, a cerca de 350 oC. A recristalização tem lugar na sequência da adaptação das estruturas cristalinas dos minerais sedimentares às novas condições termodinâmicas da diagénese. Como o nome indica, consiste num rearranjo cristalino dos componentes da rocha. Requer a existência de um solvente, no geral, a água, e condições de pressão e temperatura adequadas. Via de regra, conduz ao aumento da dimensão dos cristais. É este processo que explica a transformação da calcedonite em quartzo.
             Considerada como um caso particular da recristalização, a metassomatose é a transformação que permite a troca de substâncias químicas (em qualquer fase da diagénese), realizada entre os componentes iniciais da rocha e eventuais soluções que nela penetram. Pouco representada entre as rochas sedimentares detríticas, é particularmente comum entre as rochas carbonatadas (calcários e dolomitos), um tema a tratar num próximo texto.
(Continua)
                                                     Galopim de Carvalho

Notas
 (1) - Chama-se anquimetamorfismo (do grego ankhi, quase) ao metamorfismo de muito baixo grau, ocorrente ainda muito próximo da superfície, pelo que se confunde com a diagénese. Corresponde à epigénese dos autores russos (in M. M. Strakhov, 1957). É esta situação de fronteira que está na base da qualificação de rochas metassedimentares, atribuída, por exemplo, aos xistos argilosos.
 (2) - Chama-se água fóssil, dormente ou morta, à água que fica aprisionada nos sedimentos e que exerce acções indutoras da diagénese e até do metamorfismo.
 (3) - Do latim bitumen, substância natural, negra, sólida ou muitíssimo viscosa, conhecida e explorada desde a Antiguidade, na Babilónia, essencialmente formada por hidrocarbonetos muito complexos e densos, derivados dos petróleos líquidos. O mesmo que asfalto, do grego asphaltós, com o mesmo significado.