sábado, 29 de novembro de 2014

EVOCAÇÃO



Recordar é ter acesso
ao arquivo do olvido.
Evocar é um ingresso
ao que fora já vivido.

A memória do passado
faz vivência no presente,
qual erário restaurado
por lavor da nossa mente.

Quando e onde houver História,
os recursos à memória
são motivo de Lição.

Até mesmo a própria Lenda
é, trilhando o que foi senda,
manancial de Inspiração.


João d’Alcor

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A ESCOLA CONFESSIONAL



A escola confessional baseia os seus princípios, objectivos e algumas das suas práticas numa religião. Em Portugal, as escolas confessionais encontram-se, maioritariamente, ligadas à Igreja Católica. Ora, numa escola, seja ela católica ou não, o seu primeiro objectivo é o de ensinar bem. Para isso, ela terá que ajudar os alunos a conhecerem o mundo, a vida e o homem nas suas relações com ele próprio e com os outros, a desenvolverem capacidades motoras, afectivas e cognitivas, a praticarem valores como os da liberdade, da verdade, da responsabilidade...
Na relação educativa, há a considerar aspectos de transmissão e construção de conhecimentos e transmissão e construção de valores. Ora, relativamente aos conhecimentos em matéria científica, os termos compreender e aceitar poderiam funcionar como sinónimos. Alguém, no seu perfeito juízo, rejeita a lei da gravidade? Acontece, porém, que no domínio dos valores confessionais, nem sempre o compreender significa aceitar. Pode compreender-se o marxismo ou, até, a teoria da evolução e, no entanto, não aceitá-los.
A quem ensina exige-se, então, o cuidado de não impor uma convicção sob a capa de ciência ou, reciprocamente, não induzir alguém a acreditar que a ciência pode ser substituída por uma convicção.
Mas, afinal, o que ensinará a mais uma escola para ser considerada de confessional? Ela terá que pautar a sua intervenção junto do aluno por valores específicos da confissão que representa. No caso concreto da escola cristã, ela deveria desenvolver as suas acções e ter uma visão do mundo e da vida em coerência com o Evangelho de Jesus Cristo.
Teve lugar, há pouco, a Semana Nacional da Educação Cristã. Como cristão, penso que a educação, sendo feita segundo aquela perspectiva, contribuiria para quantos nela estão implicados, saírem para a realidade do mundo, orientando, como se diz na Nota Pastoral a ela relativa, para o pleno desenvolvimento da pessoa, crescimento da solidariedade, da relação fraterna e da responsabilidade pelo bem do próximo. Um mundo melhor, certamente, estaríamos a construir!
         
                                       Mário Freire


terça-feira, 25 de novembro de 2014

ESTRATÉGIA




Medo é arma carregada,
pronta sempre a disparar.
Mecha tem ela instalada,
por quem dele se quer livrar.

Medo do medo eis o tição
que nos cabe retirar.
estratégia, em nossa mão
há e fácil de alcançar.

Mais o medo é ocultado,
mor vai ser o seu enredo:
Pesadelo acumulado.

É remédio, quanto ao medo,
mesmo quando camuflado,
abraçá-lo. - Eis o segredo.


João d’Alcor

domingo, 23 de novembro de 2014

UMA ONDA NO MECO




Escolhido o curso e a candidatura aceite, os alunos chegam à universidade, para iniciar uma nova vida académica.
 O que fazem as universidades – as que merecem esse nome, pois é de supor serem locais de transmissão de conhecimentos adquiridos por toda a humanidade – para integrar, como deve ser, os novos alunos? Algumas designam três dias no início do ano lectivo para a sua integração. É então que os caloiros, acompanhados das famílias, dos namorados e namoradas, etc., participam em actividades comuns, ditas praxes, com vista a uma passagem que se pretende ser “cool” ou melhor, suave, para o novo ambiente estudantil.
Em geral, as praxes têm a sua melhor defesa na ideia de que pretendem constituir-se como  um mecanismo que ajude a integração, mais rápida e simpática, dos mais novos com os mais velhos e com a  universidade. Depois, há a questão das formas que vem assumindo: tem havido  tendências  para práticas do tipo iniciático, o que é perigosamente escorregadio.
Mas poderia não ser assim, com as praxes a desenvolver quer actividades lúdicas, quer actividades de carácter social, por exemplo.          
Ficam as praxes das universidades portuguesas. No código das Praxes da Universidade do Algarve pode ler-se: ” A PRAXE é o saber viver bem todo um percurso académico. Significa o respeito mútuo, a camaradagem, a entreajuda, os cerimoniais, o convívio, a integração num meio universitário, completamente novo para todos os novos alunos. A própria palavra latina PRAXIS significa prática, modo de agir.”
Não é isto que se verifica na maioria das universidades portuguesas: práticas primitivas e insultuosas, para quê? É a isto que se chama em Portugal a integração universitária? Que profissionais serão estes, no futuro? Em que quadro moral de referência habitam e se movem?
Do mais degradante que pode haver. Impressiona o que a vontade de pertença a um grupo leva as pessoas (praxantes e praxados) a fazer.
Quando a onda do Meco se esbater da opinião pública, volátil e errante, lá voltaremos ao orgulhosamente sós …


                                                                       FNeves

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O SUCESSO ESCOLAR VIRTUAL

                                   


Costuma designar-se por insucesso escolar a repetência ou retenção, durante um ou vários anos, ao longo do percurso escolar dos alunos. Isto significa que tais alunos não conseguiram atingir os objectivos que tinham sido estabelecidos para o ano de escolaridade que frequentavam.
Passando por cima das diversas causas que subjazem ao insucesso escolar, diria que há uma outra modalidade de insucesso que se traduz não em retenção mas em transição para o ano seguinte. Trata-se do sucesso escolar virtual que, longe de traduzir uma manifestação de aprendizagem por parte dos alunos, de estes terem alcançados os tais objectivos, eles são “empurrados” para o ano seguinte, depois de terem acumulado uma ou mais repetências.
O que está aqui em causa é uma questão estrutural do ensino que, tentando propor um único (ou quase) modelo (de objectivos, conteúdos, estratégias…) à generalidade dos alunos, vai esquecer outros que, pelas suas especificidades, exigiriam objectivos, conteúdos e estratégias de aprendizagem diferenciadas. Muitos destes alunos teriam maior êxito se lhes fossem proporcionados, por exemplo ou um tempo diferente para a aprendizagem ou conteúdos mais concretos ou estratégias mais participativas e proporcionadoras de maior autonomia, não sendo obrigados, assim, a seguir um modelo único. Note-se que, o que está a propor-se, não é uma utopia mas é já uma realidade em muitas escolas, mesmo em Portugal (v.g. Escola da Ponte).  
Não é com 30 alunos numa sala (ou quase), com as limitações de mobilidade e posturais que isso implica, que um professor consegue dar respostas a estes tipos de situações. Surgem, então, problemas disciplinares, repetências, abandonos. No entanto, se se contabilizasse o dinheiro que é gasto nas consequências deste modelo único (ou quase), nas frustrações que produz em professores e alunos, nos problemas pessoais e sociais que suscita, talvez valesse a pena pensar numa maior individualização do sistema, pelo menos no básico. Porventura, muito do sucesso virtual passaria a real e, acima de tudo, haveria uma maior humanização do ensino e uma maior eficácia na aprendizagem.


                                        Mário Freire

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

ESTIMA




Nosso apreço por alguém
fica bem ser expressado.
Muito perde sempre quem
nisso mesmo é descuidado.

Expressá-lo com estima
meio caminho é já andado.
Outro meio, posto em cima,
é o ser reciprocado.

Qual direito e qual dever,
junta o dar ao receber,
tudo a ser bem conjugado.

Posto isto em equação,
surge da supra-união
o amor centuplicado. 

João d’Alcor 

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

AROMAS E SABORES DO ALENTEJO -2





Do inverno da minha infância e primeira adolescência guardo o cheiro da lareira, quer o do grande lenho de azinho que ardia lenta e a fumegar, ao centro da chaminé, arrumado à “boneca”, quer do que vinha agarrado às farinheiras, linguiças e chouriços retirados das varas do fumeiro. Recordo o cheiro do café de mistura a exalar na cafeteira de barro e do som do chiar da brasinha que se metia lá dentro para fazer assentar a borra ou o “pé”, como dizia a minha avó. Recordo o cheiro da “matula”, um trapinho, dos que ficavam da costura, embebido nos restos do azeite de fritar e que se punha, logo pela manhã, a arder no meio dos carvões na fornalha a fim de acender o lume. Era o mesmo cheiro da lamparina de azeite que a minha avó e a minha mãe acendiam às santas das suas devoções sobre as cómodas nos quartos de dormir.
Coincidentes no essencial, as muitas referências à cozinha alentejana convergem num elogio a uma comunidade muito particular, bem caracterizada, não só pelo valor cultural da sua gastronomia, como pela sua ligação à terra no trabalho e no lazer, com grande destaque para o seu cante, pérola única na museografia portuguesa.
O pão e o azeite, o porco e o borrego, as ervas e os cheiros, são as marcas mais significativas da gastronomia desta que é a maior região natural do país, a que Estrabão, o grande geógrafo grego dos finais do século I antes de Cristo, reconheceu como o paraíso das ervas frescas.

No Prefácio de “O Comer dos Ganhões. Memórias de Outros Tempos”, de Falcato Alves, editado por Campo das Letras, Porto, em 1994, Hélder Pacheco é mais um a denunciar a condição de gente explorada dos camponeses do Alentejo, ao escrever que enganam a «magreza do caldo com ouropéis mágicos de ervas, cheiros e misturas que dão sabores disfarceiros das pobrezas» e a lembrar os «comeres frugais feitos de coisas simples do dia-a-dia e do que as pessoas tinham à mão». E porque ervas e cheiros foram bens que a natureza nunca lhe negou, o alentejano aprendeu a usar produtos simples e pobres na feitura de confecções aceites como uma manifestação cultural cada vez mais divulgada e reconhecida. Como dizia o professor Orlando Ribeiro, para os alentejanos, «comer foi, acima de tudo, encher a barriga e iludir a sensação de fome» e a fome, como todos sabemos, aguça o engenho. Sem qualquer conduto a “açorda de mão no bolso”, como lhe chamei, só precisava da mão que levava a colher à boca, matava a fome e alegrava a casa com os saborosos aromas do alho e dos poejos.
Mercê de uma atitude cultural mais esclarecida e alargada, no decurso das últimas décadas, e como resultado de apoios e encorajamentos vários, a cozinha alentejana de hoje está, felizmente, a retomar a sua condição de cozinha rica na variedade dos produtos naturais utilizados e nas maneiras de os confeccionar.
Imagem de uma terra de grandes planuras e lonjuras, queimadas pelo sol de Verão e pelas geadas de Inverno, e de aldeias e montes brilhantes na luz da cal, a gastronomia alentejana tem sido uma nota particularmente resistente ao tempo e às influências que constantemente lhe chegam do exterior, representando um património etnográfico de grande valia. Com efeito, as confecções culinárias alentejanas, algumas com mais de mil anos, na sua singularidade e intemporalidade, sobreviveram e afirmam-se no presente, sem perda de identidade, sendo hoje um importante recurso em termos de oferta turística.
É esta mesma cozinha que está a ser servida pelos restaurantes não só do Alentejo como por alguns fora dele, em resposta a uma clientela conhecedora, em crescimento, a testemunhar o sucesso reconhecido deste renascer a que felizmente se assiste. Em contraste com este esplendor da cozinha que criaram, muitos alentejanos, nos campos e nas cidades, começam, de novo, a pôr menos azeite nas açordas e menos febras nas migas, substituindo-as por toucinho e farinheira, mas o essencial dos aromas e dos sabores continuarão a ser os mesmos.
Num tempo social preocupante que estamos a viver, agravado por carências e necessidades amplamente apontadas, a cozinha alentejana, experiente de um passado de dificuldades, vai continuar a tirar proveito dos produtos alimentares ao seu alcance, onde, para além dos que se podem produzir, há todos os que a terra nos oferece e, entre eles estão as beldroegas, as acelgas e as labaças, os cardos, os espargos, as cilarcas e uma variedade de cheiros, com destaque para os dois muito nossos, o poejo e a hortelã da ribeira, tantas vezes usados no propósito de compensar a falta de condutos.


                                               Galopim de Carvalho

sábado, 15 de novembro de 2014

"NA TUA ESCOLA HÁ BULLYING ?"


                              


Esta questão tem que voltar a estar nas preocupações de todos aqueles que, directa e indirectamente, se implicam na vida da escola e dos alunos. Foi em torno daquela questão, aliás, que girou um inquérito feito pela associação de Empresários pela Inclusão Social e tornado público em Março passado. Este inquérito reportou a cerca de 2000 alunos com idades entre os 12 e os 15 anos e estendeu-se a escolas de 9 concelhos, 8 dos quais do Continente e um dos Açores.
Ora, 62% dos alunos inquiridos responderam que sim à questão em título desta crónica. Pormenorizando mais as respostas, verificou-se que os alunos em risco e os rapazes percepcionavam menos os comportamentos de bullying dos que os alunos sem risco e as raparigas. Quanto aos tipos de violência identificados foram referidos o verbal como o mais comum e, logo a seguir, o físico.
Questão interessante era aquela em que se solicitava o grau de envolvimento dos alunos que tinham percepcionado o bullying. Ora, dos 58% que afirmaram terem já estado envolvidos, 10% e 4% foram participantes activos, respectivamente, como vítimas e agressores; os restantes 44% estiveram na situação de espectadores.
Continuando nas estatísticas, refere-se, ainda, entre muitos outros dados, que 50% dos alunos não tinham conhecimento de qualquer campanha ou programa anti-bullying na sua escola.
Como podem os pais saber que os seus filhos estão a ser vítimas deste tipo de violência? O que é que eles têm de fazer? E quando um/a aluno/a é vítima? E quando se participa como assistente do bullying? Qual o comportamento dos professores e da escola perante a ocorrência deste fenómeno? Que diligências são empreendidas para o detectar e que terapêuticas são ensaiadas para o atenuar? Eis um sem número de questões que talvez fosse de interesse abordar no início de um novo ano escolar, nos primeiros contactos dos alunos e das suas famílias com a escola.


                                   Mário Freire

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ESTÍMULO




Onde falta a compaixão,
face a erros cometidos,
tudo apela à correcção.
Só castigos são devidos.

Ao invés, bom coração,
longe de acento no defeito,
o transforma em lição,
sendo o bem que tem a peito.

Mor que o mal a detectar,
algo bom a estimular
sempre encontra nos demais.

Terapia do louvor,
radicada no amor,
há que usá-la, mais e mais.


João d’Alcor

terça-feira, 11 de novembro de 2014

AROMAS E SABORES DO ALENTEJO - 1





Com aromas e sabores trazidos, entre outros, pelos ocupantes romano e visigótico e, depois, pelo invasor muçulmano, a cozinha do Alentejo, a par dos seus cantares, é uma expressão cultural bem conhecida e hoje devidamente apreciada. O povo que aqui se fixou, mistura dos que por aqui passaram ou aqui se instalaram durante séculos, descobriu e aperfeiçoou, ao longo de gerações, “comeres” que foram transformando o simples acto de ingerir os alimentos, num outro marcado pelo prazer dos sentidos enriquecido pelo da convivência.
Como lembrou o saudoso Alfredo Saramago no seu livro “Gastronomia do Alentejo. Concurso de Cozinha Alentejana — As Melhores Receitas”, editado pela Câmara Municipal de Évora, em 2001, desde muito cedo, o alentejano entendeu que comer era, não só, um acto necessário e imperativo de sobrevivência, como também uma forma superior de contentamento e é por isso que, quase sempre, há cante no começo, a meio ou no fim das suas confraternizações à mesa.
São muitas as referências aos aromas e aos sabores da cozinha alentejana e uma delas, testemunho de um profundo conhecimento do tema, é a que saiu da pena do meu conterrâneo e amigo, Manuel Fialho, no livro que publicou em 1992, “Cozinha regional do Alentejo”, editado pela Europa-América, onde se lê: Aproveitando ao máximo a riqueza dos seus recursos e sabendo compensar com extraordinária habilidade as suas limitações, o alentejano criou uma cozinha única, sólida, nutritiva e surpreendentemente saborosa, que não é mais, afinal, do que o espelho fiel da sua própria maneira de ser.
Uma outra afirmação de idêntico teor, fê-la Monarca Pinheiro em “Terra de Grandes Barrigas Onde Só Há Gente Gorda”, Editora Alentejana, Évora, 1999, referindo-se ao alentejano e à sua tradição regional, escreveu a curta frase que diz tudo, do pouco, soube fazer muito e bem.
Não desejando afirmar-se nem melhor nem pior do que a generalidade da rica cozinha tradicional portuguesa, a que temos no Alentejo é, quanto a mim, substancialmente diferente. Como qualquer alentejano da minha geração, cresci num tempo em que a confecção dos alimentos tinha por base o lume de chão na grande chaminé, o do fogão de lenha, ou o de carvão, na fornalha ali instalada, sem o suporte conserveiro da arca congeladora, então sabiamente substituída pela salgadeira, numa tradição milenar, e sem frigorífico, obrigando, sobretudo, as mulheres a cozinharem todos os dias. Sem a utilíssima panela de pressão e sem os múltiplos equipamentos da cozinha do presente, fazer almoços e jantares era tarefa de muitas horas no dia dessas mulheres. Foi um tempo em que a cozinha era, em muitos lares, a casa de entrada, de porta sempre aberta durante o dia, como única fonte de luz, e sala de todos os usos, em que a mesa de comer era a mesma em que também se faziam os trabalhos de casa, a mando do professor. Da cozinha da minha infância, para além do mobiliário rudimentar, do poial dos cântaros, do poço com água fresca e um tanto salobra, e de duas oleogravuras, uma do Gago Coutinho e Sacadura Cabral, com o Lusitânia entre eles, e outra da implantação da República, ficaram-me na memória os aromas e os sabores da culinária alentejana. A carne de porco frita em banha, depois de temperada de alho e pimentão, a canja de galinha, as sopas da panela com hortelã, as de tomate no pingo do toucinho e da linguiça e as de cação envinagradas e a libertarem o cheiro dos coentros, a açorda de poejos, as sardinhas de barrica fritas no azeite e as torradas com toucinho cozido, pela manhã, exalavam aromas inconfundíveis e são lembranças de paladares inesquecíveis que não posso deixar de associar aos cantares dos homens que, muitas vezes, na taberna da vizinhança, aos fins de tarde de sábado, se abriam em coro polifónico e trocavam boa parte da magra féria por copos de vinho e petiscos para fazer boca. O pão que então se comia, por tradição e em quantidade, era de trigo ceifado nos nossos campos e tinha ciscos na base trazidos do solo do forno de lenha, ciscos que era preciso raspar antes de cortar as fatias de ir à mesa. Era um pão muito diferente do que hoje se fabrica em fornos eléctricos ou a diesel, em grande parte com trigo importado, sabe Deus se já geneticamente manipulado. O queijo de ovelha, o branco de meia cura e, em especial, o curado, amarelinho e a ressumar olhinhos de gordura, cortados em lasquinhas, à navalha, eram conduto perfumado desse pão-nosso de todos os dias.

                                               Galopim de Carvalho

domingo, 9 de novembro de 2014

VOLTAR PARA CASA. MAS PARA QUÊ?





Leio num artigo do “Público” de 30 de Setembro de 2013 que “a exposição a comportamentos que comprometem o bem-estar da criança, sobretudo a situações de violência doméstica, continua a ocupar o primeiro lugar das problemáticas identificadas pelas comissões de protecção de crianças e jovens.” Muitas outras crianças e adolescentes não têm a supervisão adequada, ficando entregues a si próprios. Ora, são estas pessoas, cerca de 8500 em 2013, os maiores contribuintes das instituições que os acolhem.
Conheço razoavelmente os sofrimentos destas crianças e adolescentes e de quanto esses sofrimentos têm tradução não só nas aprendizagens escolares como nas suas personalidades.
A maior parte deles manifesta um grande desejo de voltar para a casa dos pais. Acontece, porém, que muitos destes se encontram separados e sem as mínimas condições económicas de os receber; outros, por efeitos de dependências de vária ordem e de desestruturação familiar também não reúnem as condições mínimas de acolhimento. Apesar das visitas dos familiares, esta ausência da casa traduz-se, numa angústia que os faz sofrer e numa revolta.
As datas comemorativas que tenham a ver com a família, como o dia do Pai, o dia da Mãe, o Natal, são, normalmente, motivos de alegria e a escola, e bem, dá a oportunidade à criança de fazer algum desenho para levar para casa. Estas datas, porém, para aquelas crianças e adolescentes que não podem estar com a família, apesar de as instituições tentarem minorar a sua ausência, traduzem-se em momentos de sofrimento.   
Pois são todos estes traumas, dos que resultaram da separação parental e dos que viveram no lar a que, por vezes, se lhes adiciona o estigma da discriminação dentro da escola, que fazem ferida na alma à maior parte destas crianças e adolescentes e que lhes provoca quer a desmotivação no estudo, quer a revolta.
Muitos destes alunos constituem, pois, um grande desafio, quer para os professores, quer para o sistema de ensino, de modo que se possam encontrar para eles as melhores vias para se realizarem como pessoas, como profissionais e como cidadãos.


                                        Mário Freire

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

ESMOLA




Dando aos pobres a Deus se empresta,
se na esmola é posto o amor.
Fora dele será sempre esta
ofensiva em seu teor.

Servir-se dela para obter
é negócio descarado,
em que a culpa e o haver
fazem jogo combinado.

Vem do dolo do mercante
haver gente mendicante
sem abrigo e sem pão.

Recupera, a cem por cento,
quem partilha seu sustento,
vendo em outrem seu irmão.

João d’Alcor


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

UM MONUMENTO À GEODIVERSIDADE E À BIODIVERSIDADE DOS AÇORES




 Acaba de ser editada pelo Observatório Vulcanológico e Geotérmico dos Açores (OVGA), sob a direcção de Victor Hugo Forjaz, Professor Catedrático Jubilado da Universidade dos Açores, a obra de que se reproduz a capa.




                                        Ilha do Pico, numa gravura de 1819

Em formato A4 deitado, com capa em cartão, com 400 páginas profusamente ilustradas, a cores, regista, em capítulos individualizados: a Geologia, a Zoologia e a Botânica da ilha mais recente e a mais enigmática do arquipélago açoriano, acompanhados por um preâmbulo histórico-geográfico-climatológico.
Os autores do livro são vulcanólogos, biólogos, climatologistas, cartógrafos e técnicos de geologia.
A obra, ao preço de 22,00€, pode ser adquirida na sede da OVGA, Av. Vulcanológica, nº 5, Atalhada, Lagoa – São Miguel.
ou pedida pelo telefone 96 241 48 77, ou por E-mail «vforjazovga@gmail.com»



         Não é comum ver a totalidade do vulcão do Pico.





        As mais das vezes esconde-se atrás das nuvens.


                                         Galopim de Carvalho

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

PODER E AUTORIDADE NA SALA DE AULA

                         

Nos inícios dos anos 60, altura em que iniciei a minha carreira, sentia que a sociedade respeitava o professor e como esse respeito se transmitia aos pais e aos alunos. Não era difícil ser-se professor do liceu naquela época! A abertura da escola à sociedade estava muito longe de ser aquela que hoje, felizmente, é. Alunos oriundos de meios sociais problemáticos praticamente não existiam. A disciplina dentro da escola e da sala de aula era mantida sem esforço e sem sobressaltos.
Diria que naqueles tempos o poder e a autoridade se confundiam, isto é, o professor, com o poder que possuía, tinha a capacidade de influenciar os comportamentos dos alunos mas estes também reconheciam naquele essa mesma capacidade de serem influenciados, isto é, reconheciam-lhe autoridade. Aquele, na prática, apenas se preocupava com os conteúdos científicos dos programas e com as estratégias pedagógicas mais adequadas.
Ora, nos dias de hoje, devido à transformação profunda que se operou na família e na sociedade e no acesso de todas as camadas sociais à escola, o papel do professor, sem deixar de ter em conta os aspectos científicos e pedagógicos, tem que os subordinar ao modo como gere as relações, por vezes, complexas, com os alunos. E essas relações são determinantes no poder que os alunos atribuem ao professor, isto é, na autoridade que lhe é conferida.
O professor pode ter o poder de pôr os alunos fora da sala de aula, de reprová-los ou passá-los de ano mas não conseguir que seja reconhecida por eles a sua autoridade para os ensinar, para os ajudar a crescer. Ora, sem a autoridade do professor não pode haver ensino capaz nem aprendizagem com significado. A perda da autoridade do professor tem causas várias, começando, desde logo, por aquelas que residem no poder político. E tem consequências devastadoras para o professor, para as famílias, para o aluno e, principalmente, para a sociedade. Valeria a pena um debate, diria mesmo de âmbito nacional, para discutir este grande problema da sociedade portuguesa, mas que também ultrapassa fronteiras.


                                                            Mário Freire

sábado, 1 de novembro de 2014

ERRANDUM





É o erro aliado ao humano
sendo que no pretender
não errar há puro engano.
Erro é forma de aprender.

O tirarmos dele partido
e tentá-lo corrigir
lema é que faz sentido,
no pensar e no agir.

Vem o aspecto vergonhoso
duma crassa recaída,
se dele não se arreda pé.

De crer é no erro honroso
relativo a quem, na vida,
o pratica em boa fé.


João d’Alcor