Quando andamos pelo
campo e temos oportunidade de observar conglomerados, brechas, arenitos e
xistos, materiais que aprendemos a considerar como rochas sedimentares, mas
que, com escola ou sem ela, toda a gente reconhece como pedras, entidades
mortas, coesas e quebradiças.
Geradas à superfície
da Terra, nas condições de pressão, temperatura e quimismo aí reinantes e em
contacto com a água, o ar e os seres vivos, este conjunto de rochas
sedimentares, ditas detríticas, clásticas ou terrígenas, é o produto da
deposição gravítica de detritos ou clastos maiores ou menores resultantes da
erosão de outras rochas preexistentes.
Muito tempo antes de
serem rochas, esses materiais foram acumulações incoesas (e, portanto, móveis
ou remobilizáveis) de detritos terrígenos de diversas dimensões e origens, a
que podemos, com toda a propriedade, chamar sedimentos. São os seixos
transportados pelos cursos de água ou os que rolam no litoral ao sabor do fluxo
e refluxo das vagas e acabam por se imobilizar num local propício à
sedimentação; são as areias com idêntica história e as que o vento varre de um
local para depositar num outro; são as partículas de argila e outras igualmente
muito finas que turvam as águas que as levam a caminho do mar ou de um lago e
aí as depositam em ambientes da águas paradas, sem energia que as remobilize.
No século XIII, mais
de quinhentos anos antes de se falar em rochas sedimentares, Albert von
Bollstadt (1206-1280), mais conhecido como Alberto, o Grande, alquimista
francês, afirmava que “o lodo alagadiço e viscoso trazido pelas águas e que
cimenta a terra e a transforma em pedra dura.”. Em finais do século XVIII, o
geólogo escocês James Hutton (1727-1797), considerado o pai da geologia
moderna, afirmava que “as camadas sedimentares foram antigos sedimentos que se
transformaram em rocha”. Só mais tarde, em 1868, o geólogo alemão Karl Wilhelm
von Gümbel (1823-1898) deu o nome de diagénese (do grego dia, através de, e
genesis, origem) ao conjunto de processos que transformam os sedimentos em
pedra ou, por outras palavras, os petrificam, lapidificam ou litificam.
Petrificar, do latim petra (pedra), deu petrificação, lapidificar, do latim
lapis (pedra), deu lapidificação, e litificar, do grego lythós (pedra), deu
litificação. Quatro palavras para designar o mesmo fenómeno geológico.
A menos que não sejam
destruídos prematuramente, todos os depósitos naturais destes sedimentos acabam
por sofrer diagénese. Distingue-se uma diagénese precoce ou sindiagénese,
entendida como o conjunto complexo de processos físicos, químicos e biológicos
que, imediatamente, se seguem à sedimentação, sob condições de pressão e de
temperatura moderadas e em função do conteúdo e concentração de iões e de
parâmetros que definem a acidez ou alcalinidade (Ph) e o carácter oxidante ou
redutor do meio (Eh). Esta primeira etapa da diagénese resulta de uma procura
de equilíbrio entre as partículas sólidas do sedimento, a água circulante nos
respectivos poros e os seres (bactérias e outros) que, numa fase inicial, os
habitem. Com o enterramento e consequente elevação da pressão e da temperatura,
e em condições já abióticas, entra-se no domínio da chamada diagénese tardia ou
metassomática, também conhecida por epigénese. A própria sedimentação vai
comprimindo, com o seu peso e de forma crescente, os materiais que lhe vão
ficando por debaixo. Para pressões e temperaturas ainda mais elevadas, as
rochas sedimentares sofrem metamorfismo, passando a ser apelidadas de
metamórficas, que, no início, se confundem com elas A diagénese decorre num ambiente
termodinâmico que, no ciclo petrogenético, a coloca a meio caminho entre a
sedimentação e o metamorfismo portanto, na fronteira dos processos exógenos com
os endógenos.
As grandes
transformações envolvidas na diagénese são a compactação, a cimentação, a
metassomatose e a recristalização. A ordem por que são enunciados não
representa necessariamente qualquer sequência nos fenómenos, podendo haver
concomitância entre eles ou qualquer deles anteceder ou preceder os restantes.
Por outro lado, alguns destes fenómenos podem repetir-se em qualquer fase do
processo, não sendo ainda necessário que todos tenham lugar para que haja
diagénese.
A compactação
corresponde à redução de volume (60%, em média, podendo atingir 80%) do corpo
sedimentar sujeito à compressão provocada pelo peso dos sedimentos que se lhe
sobrepõem, com eliminação de maior ou menor quantidade da água contida nos
poros que ficam, assim, mais reduzidos.
Este processo é particularmente acentuado e evidente nas vasas lamacentas,
impregnadas de água, conduzindo por dessecação, progressivamente, a argilas,
argilitos e xistos argilosos. É o fenómeno responsável pela fissilidade de
certas rochas sedi - Chama-se água
fóssil, dormente ou morta, à água que fica aprisionada nos sedimentos e que
exerce acções indutoras da diagénese e até do metamorfismo.mentares, em
especial das detríticas de granularidade mais fina (essencialmente argilosas).
Primeiramente é
expulsa a água de impregnação, acabando as partículas detríticas por se unirem
umas às outras, com diminuição sucessiva de porosidade e consequente
impermeabilização da rocha, num processo, praticamente, irreversível. Pelo
contrário, a compactação de uma areia de quartzo não lhe elimina a porosidade que
pode, em função da calibragem, permanecer entre 30 a 20%.
A cimentação consiste
no preenchimento dos vazios ou espaços sempre existentes entre os detritos,
mesmo que compactados. Este preenchimento é feito por substâncias em suspensão
ou dissolvidas nas águas que circulam através desses interstícios e aí se
acumulam, reduzindo-os até os colmatarem. Na cimentação por partículas em
suspensão, como são geralmente os minerais argilosos, transportados do
exterior, o processo é meramente mecânico. A rocha assim formada é um arenito
argiloso, geralmente friável, que se esboroa entre os dedos ou que se desagrega
quando mergulhado na água.
Na cimentação
resultante da cristalização a partir de substâncias em solução nas águas, há
formação de novos minerais, nomeadamente carbonatos (calcite e dolomite),
sílica (quartzo, calcedonite, opala), óxidos de ferro (hematite, magnetite,
goethite, limonite), Na sequência deste processo, e consoante o tipo de
cimento, uma areia pode transformar-se num arenito de cimento carbonatado,
silicioso ou ferruginoso. Neste contexto, aos minerais alogénicos (os
detríticos, assim chamados em virtude de serem oriundos do exterior)
associam-se novos minerais, gerados no decurso da diagénese, usualmente
apelidados de autigénicos (por oposição a alogénicos).
Nas areias litorais
submersas e sob condições propícias, a cimentação é precoce e conduz à formação
de níveis superficiais endurecidos, internacionalmente designada por beachrock
(praialito, na versão aportuguesada), isto é, rocha formada por cimentação da
areia de praia. Nas situações de afundamento acentuado tem lugar a cimentação
por enterramento (burial), na qual os grãos se interdigerem, fenómeno que
alguns autores referem por “canibalização”.
Em algumas sequências
sedimentares são os arenitos cimentados por betumes , dos quais se pode extrair
petróleo com rentabilidade, por destilação, a cerca de 350 oC. A recristalização tem
lugar na sequência da adaptação das estruturas cristalinas dos minerais
sedimentares às novas condições termodinâmicas da diagénese. Como o nome
indica, consiste num rearranjo cristalino dos componentes da rocha. Requer a
existência de um solvente, no geral, a água, e condições de pressão e
temperatura adequadas. Via de regra, conduz ao aumento da dimensão dos cristais.
É este processo que explica a transformação da calcedonite em quartzo.
Considerada como um
caso particular da recristalização, a metassomatose é a transformação que
permite a troca de substâncias químicas (em qualquer fase da diagénese),
realizada entre os componentes iniciais da rocha e eventuais soluções que nela
penetram. Pouco representada entre as rochas sedimentares detríticas, é
particularmente comum entre as rochas carbonatadas (calcários e dolomitos), um
tema a tratar num próximo texto.
(Continua)
Galopim de Carvalho
Notas
(1) - Chama-se anquimetamorfismo (do grego
ankhi, quase) ao metamorfismo de muito baixo grau, ocorrente ainda muito
próximo da superfície, pelo que se confunde com a diagénese. Corresponde à
epigénese dos autores russos (in M. M. Strakhov, 1957). É esta situação de
fronteira que está na base da qualificação de rochas metassedimentares,
atribuída, por exemplo, aos xistos argilosos.
(2) - Chama-se água fóssil, dormente ou morta,
à água que fica aprisionada nos sedimentos e que exerce acções indutoras da diagénese
e até do metamorfismo.
(3) - Do latim bitumen, substância natural,
negra, sólida ou muitíssimo viscosa, conhecida e explorada desde a Antiguidade,
na Babilónia, essencialmente formada por hidrocarbonetos muito complexos e
densos, derivados dos petróleos líquidos. O mesmo que asfalto, do grego
asphaltós, com o mesmo significado.