Vivemos
num tempo de dificuldades, até nas palavras!... Caminhamos numa conjuntura onde
a injustiça medra, onde a verdade encolhe, onde o justo paga pelo pecador.
Vivemos num mundo que azeda e empobrece, onde até as palavras nos começam a
sair da boca minguadas e secas. Sílabas e fonemas que se agregam em palavras
proferidas a medo. Frases que se rasgam e se enamoram dos castelos de versos
que vamos desenhando e construindo, fora de horas, sem espaços, sem projetos
definidos, sem tempos marcados, sem limites!... Versos que são ritmos. Ritmos
que são janelas abertas... Frases diversificadas, multifacetadas, repetidas, ditas e algumas,
interditas.
As
palavras revelam estados de alma: olhares alheados, sentimentos marcados,
compromissos adiados. Através das palavras se exaltam virtudes, se desfraldam
defeitos, sentires completos ou imperfeitos. As palavras são meninas: ladinas,
traquinas, cristalinas. Mas, se acordam às avessas, por vezes, podem tornar-se
complexas e perversas!...
É a
palavra que trava e destrava. Que pode transformar num fragmento, o tempo e o
momento. Palavra marota que salta de boca em boca!... Que parece doce quando se
solta ou azeda se se revolta.
Está
na essência de todas as palavras a razão do “Ser”. São “Elas” a pronúncia e a
renúncia, o empenho e o engenho, o ousar, o arriscar, o descrever, o contar, o
coração a pulsar, os lábios a murmurar e os olhos a flamejar até a barreira do Sonho
ou do Medo se quebrar. E, quando tal muro começa a desmoronar, nasce para a
linguagem falada, escrita ou gestual, o ato abençoado de “COMUNICAR” (…)
Foram
as palavras, ordenadas e temporalizadas que formaram o “verbo” e foi nas
palavras com melodia, métrica - ou não - emoção e algum sabor a nostalgia que,
num golpe de magia, rebentou a POESIA. Desde então, por esta passerelle
intemporal que é a Poesia, começaram a desfilar os trovadores, os pensadores,
os Poetas (…)
Quando se escreve, as ideias nascem
do nada, do vácuo, do acaso, da noite ou do vento. Depois, soltam-se em balões
baços ou coloridos, como se surgissem do mistério do tempo, esbarrando na luz
que se espelha nas águas, adormecidas em crateras ou lagos escondidos. As
estrofes agigantam-se, esculpidas nas entranhas dos poetas, em altas doses de
inspiração, de emoção e muita, muita carga de Silêncio. Sem trancas nas portas
encalham os poetas, numa encruzilhada, de sombras ou de vultos que o silêncio
corrói e fustiga, a horas mortas (…)
Aldina
Cortes Gaspar
Nota: Excerto das palavras de apresentação
do livro de poesia Pedaços, em 9 do corrente, na Biblioteca Pública de Évora, pela
Autora. A edição é comercializada pela editora SÍTIO DO LIVRO.
MENINO NEGRO
MENINO NEGRO
Pobre de
nome, a alma dorida,
Mãos cheias
de “nada”, p’ra fome matar.
Parido no
mato. Madrasta de vida!...
Esperando
uma estrela que tarda em brilhar.
Os pés
calejados, descalços, sem esporas.
Sonhos
adiados, ao sol a gretar
São janelas abertas
no ventre das horas
À espera que
a noite as venha fechar.
Menino
criado ao sol do Sertão,
Corpinho
delgado cheirando a capim.
Falando
crioulo, de olhos no chão
Mirrado de
choro. Que sina ruim!...
Vontade
rendida que a guerra ultrajou.
Criança encolhida,
sem afago de mãe.
O mato o
pariu, a vida o talhou
Sem dote, de
“baldio”, afetos não tem!...
Criança de
negro, por fora e por dentro
Batido p’lo
vento, do medo refém.
Escorregando
na lama, sentado no tempo
Olhando o
horizonte à espera de alguém.
Alguém que o
afague, que o queira abraçar.
Que a fome
lhe esmague, num naco de pão.
Que um beijo
na alma lhe possa atear
Uma réstia
de sonho no seu coração.
Meninos de
negro, fugidos da guerra
Não podem
sorrir, não sabem brincar!...
São pássaros
feridos, pousados em terra
De braços
caídos, olhando p’ró mar!...
Aldina Cortes Gaspar