sábado, 16 de novembro de 2013

PALAVRAS



Vivemos num tempo de dificuldades, até nas palavras!... Caminhamos numa conjuntura onde a injustiça medra, onde a verdade encolhe, onde o justo paga pelo pecador. Vivemos num mundo que azeda e empobrece, onde até as palavras nos começam a sair da boca minguadas e secas. Sílabas e fonemas que se agregam em palavras proferidas a medo. Frases que se rasgam e se enamoram dos castelos de versos que vamos desenhando e construindo, fora de horas, sem espaços, sem projetos definidos, sem tempos marcados, sem limites!... Versos que são ritmos. Ritmos que são janelas abertas... Frases diversificadas, multifacetadas, repetidas, ditas e algumas, interditas.
As palavras revelam estados de alma: olhares alheados, sentimentos marcados, compromissos adiados. Através das palavras se exaltam virtudes, se desfraldam defeitos, sentires completos ou imperfeitos. As palavras são meninas: ladinas, traquinas, cristalinas. Mas, se acordam às avessas, por vezes, podem tornar-se complexas e perversas!...
É a palavra que trava e destrava. Que pode transformar num fragmento, o tempo e o momento. Palavra marota que salta de boca em boca!... Que parece doce quando se solta ou azeda se se revolta.
Está na essência de todas as palavras a razão do “Ser”. São “Elas” a pronúncia e a renúncia, o empenho e o engenho, o ousar, o arriscar, o descrever, o contar, o coração a pulsar, os lábios a murmurar e os olhos a flamejar até a barreira do Sonho ou do Medo se quebrar. E, quando tal muro começa a desmoronar, nasce para a linguagem falada, escrita ou gestual, o ato abençoado de “COMUNICAR” (…)
Foram as palavras, ordenadas e temporalizadas que formaram o “verbo” e foi nas palavras com melodia, métrica - ou não - emoção e algum sabor a nostalgia que, num golpe de magia, rebentou a POESIA. Desde então, por esta passerelle intemporal que é a Poesia, começaram a desfilar os trovadores, os pensadores, os Poetas (…)
Quando se escreve, as ideias nascem do nada, do vácuo, do acaso, da noite ou do vento. Depois, soltam-se em balões baços ou coloridos, como se surgissem do mistério do tempo, esbarrando na luz que se espelha nas águas, adormecidas em crateras ou lagos escondidos. As estrofes agigantam-se, esculpidas nas entranhas dos poetas, em altas doses de inspiração, de emoção e muita, muita carga de Silêncio. Sem trancas nas portas encalham os poetas, numa encruzilhada, de sombras ou de vultos que o silêncio corrói e fustiga, a horas mortas (…)

                                Aldina Cortes Gaspar

Nota: Excerto das palavras de apresentação do livro de poesia Pedaços, em 9 do corrente, na Biblioteca Pública de Évora, pela Autora. A edição é comercializada pela editora SÍTIO DO LIVRO.



                                                  MENINO NEGRO




Pobre de nome, a alma dorida,
Mãos cheias de “nada”, p’ra fome matar.
Parido no mato. Madrasta de vida!...
Esperando uma estrela que tarda em brilhar.

Os pés calejados, descalços, sem esporas.
Sonhos adiados, ao sol a gretar
São janelas abertas no ventre das horas
À espera que a noite as venha fechar.

Menino criado ao sol do Sertão,
Corpinho delgado cheirando a capim.
Falando crioulo, de olhos no chão
Mirrado de choro. Que sina ruim!...

Vontade rendida que a guerra ultrajou.
Criança encolhida, sem afago de mãe.
O mato o pariu, a vida o talhou
Sem dote, de “baldio”, afetos não tem!...

Criança de negro, por fora e por dentro
Batido p’lo vento, do medo refém.
Escorregando na lama, sentado no tempo
Olhando o horizonte à espera de alguém.

Alguém que o afague, que o queira abraçar.
Que a fome lhe esmague, num naco de pão.
Que um beijo na alma lhe possa atear
Uma réstia de sonho no seu coração.

Meninos de negro, fugidos da guerra
Não podem sorrir, não sabem brincar!...
São pássaros feridos, pousados em terra
De braços caídos, olhando p’ró mar!...


Aldina Cortes Gaspar