terça-feira, 20 de maio de 2014

LOESS, O PÓ DE PEDRA QUE UM VENTO FRIO LEVOU PARA LONGE



      Paisagem no Planalto do Loess, província de Shanxi, China.


          Em começos dos anos 20 do século XIX, o alemão Karl Cäsar von Leonhard (1779-1862), professor de Mineralogia na Universidade de Heidelberga, foi o primeiro a descrever na proximidade desta cidade, no vale do Reno, um depósito sedimentar muito fino, friável, homogéneo, não estratificado, aproveitado como solo agrícola, a que deu o nome de Löss, termo radicado no germânico lösch (que significa solto, móvel) usado pelos camponeses locais.
Particularmente abundante na China, no que é hoje conhecido por Planalto do Loess, é um material facilmente erodível, de coloração habitualmente amarelo acastanhada (devido à presença de hidróxidos de ferro), que tinge dessa cor as águas de escorrência e fluviais, como são as do Rio Amarelo e as do mar, entre a costa leste da China e a costa oeste das duas Coreias e, por isso, conhecido por Mar Amarelo.


Loess transportado pelo vento, em Milles County (Iowa EUA)


Pode ocasionalmente apresentar cor avermelhada (devido à presença de óxido de ferro) e acinzentada (devido à presença de matéria carbonosa).
Interpretado de início como de origem fluvial, sabemos hoje corresponder a um depósito continental acumulado por via eólica, em regime periglaciário, comum no hemisfério norte (América e Eurásia) durante os últimos períodos interglaciários do Quaternário. 
Com a aparência de pó de pedra, o loess (na versão internacionalizada) é definido como um sedimento da classe dos lutitos (do latim lutu, lama, lodo, vasa) de granulometria inferior a 0,062 mm, com predominância de silte (ou limo) sobre a argila  e uma muito pequena percentagem de carbonato de cálcio. Esta componente tende a desaparecer, por descalcificação, ao nível do solo. Neste caso, corresponde ao aleurito (do grego aleurós, farinha) proposto em 1957 pelo sedimentólogo russo Nikolai Strakhov(1900-1978). Corresponde, ainda, ao limon (do latim limus, lama, lodo, vasa), definido pelos autores franceses como um material silto-argiloso, destituído de calcário, não coeso, de origem fluvial ou eólica.
Migrando em profundidade, o carbonato vai gerar concreções muito características deste depósito, conhecidas por löss Kindchen (bonecas do loess).



                                        Boneca de loess

Bastante poroso, o loess, naturalmente afectado por fendas verticais, permite a formação de escarpados talhados a pique.
Maioritariamente composto por grãos angulosos de quartzo, feldspato e mica , muito angulosos, o loess denuncia a sua origem no seio dos tilitos (moreias), onde o esmagamento ou trituração do substrato rochoso dos glaciares conduziu à formação da conhecida por “farinha glaciária”, “farinha dos tilitos” ou “argila dos tilitos”.
Exposto ao gélido e seco vento do norte, forte e prolongado por milénios, este “pó de pedra” voou para latitudes temperadas, nomeadamente, na Alemanha, Áustria, Bulgária, Roménia e Hungria, nos Estados Unidos da América (Iowa e Nebraska) e na China, onde deu nome ao “Planalto do Loess” e cobre cerca de 640 000 quilómetros quadrados com dezenas de metros de espessura.
O carácter pouco coeso do depósito e a sua estrutura vertical permitiram escavar habitações, como acontece na China, nas províncias de Shanxi, Shaanxi e Gansu.
No seu «Principles of Geology», Charles Lyell (1797-1875) divulgou este termo, tendo assemelhado a formação descrita por von Leonhard, no vale do Reno, com a que observou, anos mais tarde, ao longo das margens do Mississippi, durante o périplo que realizou no continente norte-americano. Por esta altura, o loess era visto com um sedimento pelítico de fácies fluvial, interpretação negada, pouco depois, em 1857, pelo engenheiro de minas francês, Virlet D'Aoust (1800-1894), que defendeu a sua origem eólica. Duas décadas mais tarde, o geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen (1833-1905) confirmou e divulgou esta interpretação, na obra «China: Ergebnisse eigner Reisen und darauf gegründeter Studien», em cinco volumes editados entre 1877 e 1912.
Para que se tenham acumulado a grande extensão e a espessura dos depósitos de loess foram necessários uma fonte de poeira siliciclástica, a energia eólica adequada para a transportar, uma área suficientemente plana de acumulação e uma quantidade tempo na ordem de muitos milhares de anos.
As vastas planuras aluviais de canais entrançados (anastomosados) que, na Primavera e no Verão transportavam grandes volumes de água do degelo dos glaciares, carregada de sedimentos, ficavam a seco no Outono e no Inverno, expondo os referidos sedimentos, dos quais o vento levantava a dita poeira (silte e argila), transportando-a para Sul.
Reduzindo o conceito de loess ao critério granulométrico, há autores que definem como tal os depósitos de materiais muito finos oriundos de desertos (Nebraska, Kansas e Colorado, nos EUA, África e Austrália) e outros de cinzas vulcânicas (Equador, Argentina).

                                   Galopim de Carvalho