domingo, 23 de fevereiro de 2014

PARA UMA HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA (3)


Nicolau Steno (1638-1696)

No século XVII, receosos de perseguição movida pela Igreja, ainda eram muitos os estudiosos que, convictos ou não, rejeitavam aceitar os fósseis como sendo restos de amimais ou plantas do passado. Um deles, o naturalista e químico inglês Robert Plot (1640-1696), no livro que publicou em 1677, Natural History of Oxford-Shire, descreveu um fémur de dinossáurio como sendo de um elefante deixado no terreno pelos invasores romanos.
Ao contrário desta visão, o dinamarquês Nicolau Steno (1638-1696) deu um grande passo no sentido do conhecimento científico, ao recuperar  as ideias de Da Vinci e de Palissy. Médico de profissão, com obra notável nos campos de geologia e da mineralogia, Steno já verificara que certos “petrificados” eram semelhantes entre si, quaisquer que fossem as rochas em que estivessem embutidos, e que, por outro lado, tinham o mesmo aspecto das partes dos animais a que se assemelhavam. Ao observar os dentes de um tubarão actual, Steno verificou que estes eram muito semelhantes a certos objectos encontrados em rochas sedimentares na Ilha de Malta, então chamados glossopetrae (línguas petrificadas), uma vez que faziam lembrar línguas de serpente transformadas em pedra.
 

       Cabeça do tubarão branco, numa xilogravura de Nicolau Steno, de 1667

            Depois de dissecar a cabeça de um gigantesco tubarão branco capturado em Itália em 1666, Steno mostrou que os glossopetrae eram dentes de antigos seláceos do mesmo tipo, caídos no fundo do mar, aí conservados no seio dos sedimentos e depois trazidos à superfície incluídos no seio da rocha em que esses sedimentos se haviam transformado. Esta explicação de Steno marca o começo da interpretação biológica dos fósseis, que vingou e teve pleno desenvolvimento, em especial, no século XVIII. Considerado um dos fundadores da paleontologia, é sua a frase “os corpos encontrados na terra que se assemelham a plantas e animais têm a mesma origem que as plantas e os animais a que se assemelham”. Esta afirmação, hoje evidente, representou, para a época, uma inovação e um romper com as ideias do passado. Com esta frase, inovou o conceito paleontológico de fóssil, no que foi apoiado pelo filósofo alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e pelo físico e naturalista inglês Robert Hook (1635-1703), lembrado como uma das figuras chave da revolução científica do século XVII.
      Steno postulava que, se as conchas e outros restos de antigos seres vivos encontrados nas rochas de uma dada região são despojos de animais marinhos, as camadas que os contêm são necessariamente marinhas, concluindo que o mar ocupara essa região. Com estas afirmações, e embora sendo respeitador do tempo bíblico e dos relatos das Sagradas Escrituras, inovou também o conceito de fácies, definida como o conjunto de características paleontológicas, mineralógicas ou outras que permitem conhecer o ambiente em que a rocha se formou. Para muitos dos seus contemporâneos, era intrigante o facto de um animal petrificado e, portanto, sólido, estar dentro de uma rocha também ela sólida. No livro que publicou em Florença, em 1669, “De solidus intra solidum naturaliter contento dissertationis prodromus”, Steno deu a necessária explicação a este problema e ao levantado por outros corpos sólidos (cristais, veios, filões, camadas, encraves) embutidos no interior das diversas rochas.
                                                 Galopim de Carvalho