quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PARA UMA HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA (1)



Restos de seres vivos do passado ou vestígios da sua actividade conservados no seio de algumas rochas, os fósseis são o objecto de estudo de uma disciplina científica a que foi dado o nome de paleontologia [do grego palaios (antigo), ontos (ser) e logos (estudo)]. São, ainda, tema fulcral em: paleobiologia, interessada na actividade dos antigos seres enquanto vivos; paleoecologia, focada na reconstituição de ecossistemas antigos; paleobiogeografia, que estuda a distribuição espacial de animais e plantas do passado.
No sentido mais antigo do termo, fóssil (do latim fossile) era todo o material que se desenterrava ou extraía de dentro da terra, abrangendo, portanto, os minerais, as rochas, os achados pré-históricos e arqueológicos e os fósseis, no sentido que hoje damos à palavra. As expressões carvão-fóssil e combustível-fóssil, ainda em uso, são reminiscências deste conceito antigo. Só no século XVIII o termo passou a ser usado no sentido que hoje tem em paleontologia, ou seja, no de um resto de ser vivo do passado ou num vestígio da sua actividade conservados no seio de uma rocha. Entendidos como as “letras” que nos permitem “ler” nas rochas, os fósseis têm-nos permitido conhecer uma parte importante da história da Terra e da vida. Designados no passado por petrificados (termo usado como substantivo), dão suporte ao estabelecimento das sequências sedimentares estratificadas no âmbito da biostratigrafia e constituem um pilar fundamental no estudo da evolução das espécies, iniciado por Charles Darwin no século XIX.
O homem pré-histórico já conhecia os fósseis, embora não tenhamos elementos que nos permitam saber, com rigor, que significado lhes atribuía. Provavelmente terão alimentado superstições ou sido usados como objectos de adorno. São conhecidas sepulturas do Paleolítico, do Neolítico e da Idade do Bronze, onde os corpos se encontram rodeados por vários fósseis. Em Portugal, numa necrópole neolítica de Aljezur, foram encontrados dentes fósseis de seláceo do Miocénico.

                        Da Antiguidade ao século XVI

Na antiguidade pré-socrática, alguns filósofos da Escola Pitagórica interpretaram correctamente o significado dos fósseis encontrados no terreno, explicando o processo da sua formação segundo um modelo muito próximo do actualmente aceite. O filósofo grego Xenófanes de Colophon (circa 570-460 a. C.), na região da Lídia, na Ásia Menor (actual Turquia), reconheceu a verdadeira natureza de impressões vegetais fósseis e, um século mais tarde, o geógrafo e historiador, Heródoto (circa 485-420 a. C.), aceitava, como restos de animais marinhos, os fósseis encontrados no vale do Nilo.
Num retrocesso evidente, alguns seguidores de Aristóteles (384-322 a.C.) defendiam a intervenção de uma “virtude” que, através de uma semente, gerava e desenvolvia os fósseis na terra. Propuseram, ainda, a existência de um “suco lapidificante” (petrificante) ou de um “sopro oriundo do betume terrestre que, por acção dos raios solares, emergia da Terra e petrificava os organismos vivos”. Plínio, o Velho (23-79 d.C.) e outros autores latinos, sugeriam que estes achados caíam do céu ou da Lua.

Na Antiguidade oriental, o dragão, figuração sempre associada à civilização chinesa, estava intimamente ligado aos achados de ossos fósseis, que hoje sabemos serem de dinossáurios (ainda desconhecidos nesse tempo). Então aceites como vestígios petrificados de dragões, o seu uso em terapia era conhecido e está descrito em textos de medicina chinesa dos séculos XVI a XI antes de Cristo. Esta crença manteve-se e, no século III da nossa era, ainda se acreditava que tais restos correspondiam a restos ósseos das ditas figurações míticas. No livro Hua Yang Guo Zhi, atribuído a Chang Qu, tido como o primeiro registo escrito da ocorrência de fósseis de dinossáurios, editado durante a dinastia Jin Ocidental (265-317 d.C.), fala-se de “ossos de dragões” provenientes de Wucheng, na província de Sichuan, região hoje bem conhecida dos paleontólogos pela abundância de esqueletos destes vertebrados da era mesozóica.

                                          Galopim de Carvalho