Fig 1
Sílex, mostrando a
fractura conchoidal característica. Notar a crosta (patine) acastanhada clara,
de opala e hidróxido de ferro, no cortex. Imagem recolhida em
«ancientpoint.com»
Desde sempre a
natureza ofereceu ao homem tudo o que ele necessita para viver, - a água, o ar,
os produtos vegetais e animais de que se alimenta e, ainda, as rochas e os
minerais. Do sílex, no Paleolítico Antigo, ao actualíssimo “coltan”, passando
pelo barro, pelos minérios de ouro, cobre, estanho, ferro e muitos outros, o
homem teve artes de, ao longo do tempo, retirar da geodiversidade tudo o que
soube utilizar ou transformar em seu proveito.
De raiz latina, sílex
é o nome de uma rocha sedimentar essencialmente siliciosa, ou seja, um
silicito, como se diz na moderna nomenclatura petrográfica, e é étimo das
palavras silício, o elemento químico, sílica, o dióxido de silício (SiO2) e
silicon, um material bem conhecido em cirurgia reconstrutiva. Na origem,
significou, também, pedra e calhau. Sendo pedra, o seu uso pelos nossos remotos
antepassados, na produção de utensílios vários, deu nome ao período da
Pré-história referido por Idade da Pedra.
Fig 2
Artefacto de sílex.
Imagem obtida em «sylvie-tribut-astrolog.com»
Em termos populares é
a pederneira, isto é, a pedra capaz de produzir centelhas ou faíscas quando
percutida ente si ou pelo ferro. Em virtude dessa capacidade recebeu, também, o
nome de pedra-de-fogo, tendo sido utilizado, sobretudo, nos séculos XVII e
XVIII, em peças de artilharia, mosquetes, bacamartes e pistolas.
O sílex foi descrito
pelos autores franceses como uma silicificação no seio de um calcário de
granularidade muito fina e pouco coeso do Cretácico superior (que se pode ver
nas brancas e escarpadas arribas francesa e inglesa que ladeiam o Canal da
Mancha) a que se dá o nome de cré e que é interpretado como um produto da
diagénese e, portanto, posterior à sedimentação do referido calcário.
Fig
3
Arribas de cré com
leitos de sílex na Normandia, França. Imagem obtida em «lerelaisduboneur.com.».
Fig 4
Pormenor do cré, na
base da arriba, com interstratificação de nódulos de sílex negro. Imagem obtida
em «ruedeslumieres.morkitu.org»
No decurso deste
processo, a sílica gera nódulos ou concreções (de alguns centímetros a alguns
decímetros) distribuídos segundo as juntas de estratificação, desenhando
cordões e, ainda, ao longo de fracturas que permitem a progressão da sílica.
Com sílica quase a
100%, o sílex é uma rocha muito compacta, homogénea, dura mas frágil, com
fractura conchoidal característica, particularidade habilmente aproveitada
pelos nossos antepassados mais remotos. A expressão Idade da Pedra Lascada,
corrente em muitos textos, alude a este tipo de fractura igualmente própria do
quartzo macrocristalino (nomeadamente, o hialino e o defumado), do jaspe, do
vidro vulcânico (obsidiana) e do quartzito.
O sílex do cré é
essencialmente constituído por quartzo microcristalino (com 8 a 20 μm),
habitualmente referido por calcedonite, alguma opala, rara argila, vestígios de
calcite, de óxidos de ferro, responsáveis pelas tonalidades amarelada,
acastanhada ou avermelhada que podem exibir, e de substâncias carbonosas que,
quando em quantidade suficiente, lhe conferem a cor negra muito comum. Na
periferia das concreções, ou nódulos, forma-se uma delgada crosta (patine),
essencialmente de opala, finamente porosa, de aspecto pulverulento e, por
vezes, penetrada por calcite.
Todas as
características do sílex indicam origem a partir de uma lama ou vasa
predominantemente carbonatada (carbonato de cálcio), biogénica, contendo, à
mistura, uma certa percentagem de restos esqueléticos siliciosos (de opala), em
especial, espículas de espongiários, a que se associam restos de radiolários em
menor quantidade. Numa fase precoce tem lugar a dissolução dos referidos restos
siliciosos, seguida de migração e precipitação da correspondente sílica sob a
forma de cristobalite, no seio do sedimento ainda não consolidado, gerando um
material do tipo porcelanito. Numa fase tardia, a cristobalite recristaliza sob
a forma de calcedonite, com segregação do carbonato de cálcio.
Inicialmente usado
para designar os nódulos siliciosos ocorrentes em rochas mais antigas do que o
cré do Cretácico superior, o termo inglês chert, o mais divulgado entre os
geólogos dos quatro cantos do mundo, abarca, praticamente, todos os silicitos
litificados. Entre nós, este vocábulo tem sido usado com a grafia cherte e está
na base de expressões, correntes entre os petrógrafos, como chertificado e
chertificação, em substituição de silicificado e silicificação.
Os autores mais
recentes têm vindo a distinguir neste tipo litológico dois conjuntos, com base
no modo de ocorrência. Assim, tem-se dado relevo, por um lado, aos que ocorrem
sob a forma de estratos, conhecidos pela expressão bedded cherts e, por outro,
aos limitados a acidentes descontínuos, sob a forma de concreções ou nódulos,
no seio de outras rochas, divulgados como nodular cherts. Os primeiros incluem,
entre os mais comuns, o jaspe, o lidito e o ftanito, sendo os segundos
representados pelo sílex do cré, ou flint, o seu sinónimo em inglês.
Não há uniformidade
entre os diversos autores no uso da nomenclatura dos silicitos, uma situação
que, aliás, se repete, com maior ou menor evidência, em toda a petrografia
sedimentar. Os autores anglo-saxónicos preferem o termo chert, que abrange o
material a que franceses e nós (por influência destes, nos primórdios da nossa
investigação geológica) chamamos sílex. A tendência actual vai no sentido da
internacionalização e generalização do chert, reservando-se sílex e flint como
nomes da matéria-prima mais usada nos artefactos pré-históricos.
Os calcários do
Cretácico superior (Cenomaniano) da região de Lisboa e arredores exibem, com
relativa frequência, nódulos e outras acumulações de sílex que foram exploradas
na Pré-história. Dois destes afloramentos, classificados como geomonumentos
pela Câmara Municipal de Lisboa, podem ser vistos nesta cidade, na Avenida
Infante Santo. O Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Geológico, do
Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) têm nos seus acervos
abundantes testemunhos desta actividade dos nossos longínquos avós.
Galopim de Carvalho
Notas
Calcedonite -
variedade microcristalina de quartzo. Normalmente branca leitosa. A sua textura
porosa, torna-a susceptível de alojar impurezas responsáveis pelas cores que
pode apresentar. O termo radica em Khalkedon, antiga localidade junto a
Istambul, por onde este material transitava na Antiguidade. Entre as
calcedonites distinguem-se, com valor gemológico, ágatas, cornalina, sarda,
plasma, prásio, crisoprásio e ónix. O mesmo que calcedónia.
Coltan - nome
abreviado do mineral columbite-tantalite o columbo-tantalite, uma solução
sólida de columbite (Fe, Mn)Nb2O6 e tantalite (Fe, Mn)Ta2O6, de onde se extraem
os elementos nióbio ou colúmbio e tântalo, dois óxidos que só muito raramente
ocorrem puros. Usado no fabrico de computadores, telemóveis e outros
equipamentos electrónicos.
Cré – calcário marinho
(90% ou mais de carbonato de cálcio), de grão muito fino, poroso e algo
friável, essencialmente formado por cocólitos (estruturas calcárias
nanométricas de algas unicelulares – cocolitoforídeos) e, por vezes,
foraminíferos planctónicos.
Cristobalite – mineral
polimorfo de sílica que, no domínio sedimentar, forma as pequeníssimas
esférulas que edificam a opala. O nome evoca San Cristobal, no México.
Ftanito – pelito
microcristalino, cinzento a negro (grafitoso), geralmente resultante de
metamorfismo de baixo grau sobre vasas radiolaríticas antigas, depositadas em
ambientes marinhos profundos. O mesmo que xisto silicioso.
Jaspe – silicito
calcedonítico ou microquartzítico impregnado de óxidos de ferro, de coloração
variável entre o vermelho, o castanho e o amarelado, raramente verde.
Corresponde, muitas vezes, à silicificação de vasas radiolaríticas. O nome
radica no étimo hebreu antigo, iaschpeh, que terá passado no latim a iaspis.
Lidito – silicito
negro, usado como “pedra-de-toque” pelos ourives, descrito na região de Lydia,
na Ásia Menor. Corresponde a um radiolarito chertificado com impregnação de
matérias carbonosas.
Opala – não sendo um
mineral no sentido mineralógico do termo, é um material amorfo essencialmente
constituído por esférulas de cristobalite e água. Pode também constituir o
material de substituição epigénica de outros minerais (calcite, gesso ou
glauberite) ou de fósseis. O termo deriva, provavelmente do sânscrito, upala,
pedra preciosa. Entre as variedades desta pedra distingue-se a opala comum, não
preciosa, e uma vasta gama de opalas iridescentes com valor gemológico.