(No topo da capa de alteração da rocha, o solo
estabelece a fronteira entre os mundos vivo e não
vivo)
Fala-se
hoje muito de biodiversidade e ainda bem que assim é. Os biólogos têm sabido
dar o devido relevo aos temas das suas investigações. O mesmo não acontece com
a geodiversidade, palavra ausente no discurso oficial que, não é demais
lembrar, constitui o suporte da biodiversidade, seja à superfície do planeta,
seja nas profundezas oceânicas, onde ecossistemas muito particulares vieram
revolucionar as nossas ideias sobre a origem da vida.
Numa
primeira aproximação, geodiversidade pode ser entendida como o conjunto de
todas as ocorrências de natureza geológica, com destaque para rochas, minerais
e fósseis (testemunhos de uma biodiversidade passada), dobras e falhas, grutas
naturais e galerias de minas, relevos e depressões terrestres e submarinas,
vulcões, etc.
Em
terra e em condições favoráveis, agentes físicos, químicos e biológicos alteram
a capa externa das rochas, dando origem ao solo, definido como um corpo
natural, complexo e dinâmico, constituído por elementos minerais e orgânicos,
caracterizado por uma vida vegetal e animal própria, sujeito à circulação do ar
e da água e que funciona como receptor e redistribuidor de energia solar.
No
topo da capa de alteração da rocha, o solo estabelece a fronteira
entre os mundos vivo e não vivo.
Entidade
presente na imensa maioria das terras emersas, na interface da litosfera com a
atmosfera e a biosfera, o solo estabelece, assim, a fronteira entre a
geodiversidade e a biodiversidade à superfície da Terra. Sem solos não haveria
prados, charnecas, tundras ou florestas, nem hortas, searas, montados ou
olivais, nem toda a biodiversidade animal que nos rodeia.
Parte
da atmosfera que nos assegura a vida é o resultado de uma interacção constante
e contínua que sempre existiu entre os seres vivos e a cobertura gasosa do
planeta. Muito diferente da actual, a atmosfera primitiva não tinha oxigénio.
Foram organismos muito simples, como cianobactérias e algas marinhas
microscópicas, que produziram, por fotossíntese, todo o oxigénio que viria a
ser necessário à respiração dos animais. Trata-se de um processo que continua a
ser assegurado por todas as plantas que nos rodeiam. É por isso que dizemos que
os parques arborizados, no interior das cidades, são os seus pulmões. E é por
isso que lutamos pela defesa das estepes e pradarias, das turfeiras boreais e
de todas as florestas, de todas as latitudes e altitudes, das quentes e
húmidas, como a amazónica, à taiga canadiana e siberiana, pois são elas que
fabricam a parte mais importante do ar que respiramos.
As
rochas, a água, o ar e os seres vivos ou, por outras palavras, a litosfera, a
hidrosfera, a atmosfera e a biosfera conviveram entre si ao longo da história
do “Planeta Azul”. Deste modo, a biodiversidade que hoje nos rodeia é uma
consequência dessa interacção e, portanto, absolutamente dependente da
geodiversidade.
Os
recursos minerais, nomeadamente, os minérios de ferro, alumínio, cobre, zinco,
chumbo, ouro e muitos outros, bem como as fontes energéticas, sejam elas os
combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural), a geotermia ou o nuclear,
foram e são determinantes na História da Humanidade. A prospecção e captação de
águas subterrâneas e o conhecimento dos terrenos, com vista à construção de
barragens, pontes, estradas e outras grandes obras de engenharia são outros
suportes fundamentais da civilização. Todos estes domínios da geodiversidade e,
ainda, a defesa do ambiente natural e a preservação do património geológico e
paleontológico representam aspectos práticos ao serviço da sociedade em
desenvolvimento sustentado, com profundas implicações económicas, sociais e
políticas, à escala local, regional e global. Acresce ainda, e é bom não
esquecer que, nos seus domínios fundamentais, a geodiversidade sempre teve papel
de relevo no pensamento filosófico, desde a Antiguidade aos nossos dias.
Com
tão grande importância na sociedade, não se compreende a mais do que evidente
falta de cultura geológica dos portugueses, dos cidadãos mais humildes e
iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.
É claro que há
excepções, o que só confirma esta realidade.
Galopim de Carvalho