sábado, 1 de outubro de 2011

1911-2011 - CENTENÁRIO DO HINO NACIONAL PORTUGUÊS - 2

                                                
                                             Letra: Teor e enredos

Começaram os hinos por ser, na antiguidade, designadamente na Grécia, alegres poemas declamados e entoados pelos humanos em louvor dos deuses, sendo estes a suposta fonte que os inspirava. Observa o Professor Arnaldo Baptista Saraiva que, no decorrer dos tempos, “muito mudou o conceito de hino, sobretudo quando se inventaram os chamados ‘hinos nacionais’, porque o que era, fundamentalmente, expressão de alegria de viver se transformou, fundamentalmente, em expressão de alegria de morrer – e de matar.”
Muitos são os lirismos, mais ou menos ingénuos, que têm marcado, quase na generalidade, os hinos nacionais. Sirvam de exemplos os seguintes: “Acima de tudo; acima de todo o mundo” (Alemanha). “ Florão da América, iluminando o sol do Novo Mundo” (Brasil).  “O Céu traçou o teu destino” (Canadá). “A terra do homem livre e a casa do herói (Estados Unidos). ”Eu de saúdo, ó mais belo pais do mundo (Suécia).
De permeio com ingénuo patriotismo, não faltam, no léxico de diferentes hinos nacionais, termos de agressividade e violência que seria longo exemplificar. O Hino Nacional Português não constitui excepção. A letra de A Portuguesa, de origem já referida, ultrapassada a interdição, acabou por atingir a craveira de Hino Nacional,  que aconteceu, oficialmente, passado o 5 de Outubro de 1910,  instauração da República, mais precisamente a 19 de Junho de 1911. Caracteriza-se a letra, ainda em vigor, pelo lirismo do “sente-se a voz dos teus egrégios avós”; pelo fatalismo relacionado com “as injúrias da sorte”; pela  revolta, face ao “eco de uma afronta”; pela militância do “Às armas! Às armas!” Como cúmulo e a terminar, surge a substituição de “Bretões” por “canhões”, dando lugar ao apelo suicidário do “Contra os canhões, marchar, marchar!” Tamanho brado histérico se consagrou e continua ainda hoje a ser expresso por adultos e por estes induzido, no mínimo nesciamente, em crianças inocentes.
Nos hinos como nas bandeiras, sem dessacralizações nem tabus, há que respeitar e valorizar o alcance dos símbolos adoptados em termos de ideologia e patriotismo. Ao mesmo tempo, quanto aos hinos nacionais, importa considerar, com Arnaldo Saraiva o facto de que “criados, aparentemente, para fortalecer os sentimentos de unidade nacional, eles acabam por fortalecer apenas sentimentos de isolamento nacional ou social.” Em seu entender, no contexto moderno de Nações Unidas e organizações similares, “a existência de ‘hinos nacionais’ tende cada vez mais por se afirmar, na melhor das hipóteses, como manifestação folclórica, ou como preciosidade arqueológica, na pior das hipóteses, como requintada hipocrisia, ou como insulto e provocação.” Menciona este autor o facto de o Comité Olímpico Internacional se haver já debruçado sobre a hipótese de abolir hinos e bandeiras, no ritual das condecorações dos atletas.
É caso para se pensar em hinos supranacionais como acontece na proposta da União Europeia, iniciativa em parte gorada por nacionalismos extremos. Descabido seria, mormente em diversas circunstâncias e eventos nacionais, conjecturar a abolição do Hino Nacional Português. Manter na letra o que é aberrante afigura-se impensável. Algo diferente foi já seriamente considerado e proposto ao Governo da Nação, em termos que, posteriormente, constarão neste blog.

                                                                                                        João d’Alcor