quinta-feira, 18 de junho de 2015

CARTA AO ALENTEJO








 - Meu Alentejo, aqui me tens!...
Como uma vaga no mar alto da planície
Que, na lonjura cresce e, por detrás de uma colina, desaparece. Como uma ave que se lança de um penedo
para, num ápice, se esconder por entre o arvoredo.
 Trago brisa, trago vento, semeio afetos e rosas
 e, também, pinto a doçura nas asas das borboletas.
 Venero a saia rodada, o avental de folhos que nos bolsos tem bordados raminhos de violetas.
Trago seiva, trago pão, trago a força da semente.
Canto a verdade da terra, o vigor da sua gente.
 Às papoilas dou a mão, beijo o trigo e vou contente.
 Eu que sonhava ser nuvem, ser seara, ser ribeira
 Dou comigo, a escrever versos;
 versos que cheiram a feno, a piorno, a esteva, à giesteira
e aos sargaços que rebentam à sombra da pedreneira.
Venho do nascer do sol, venho dos lados da aurora
onde mora o girassol.
 Bebo as estrofes nas fontes, resguardo-as da ventania.
Que, por graça ou zombaria, racha as esquinas dos montes.
Trago sonhos e poetas!...
Trago versos cheios de “Muito” numa Poesia de “Nada”
em quintilhas, em sonetos, oitavas, sextilhas, quadras.
Trago rimas coloridas em palavras desbotadas;
mais os anseios do meu Povo, a rasgar as madrugadas.
Às vezes, apanho do chão um ”punhadinho” de Terra.
Aperto-o na minha mão, delicia-me o seu cheiro.
Tão genuíno e lavado como a água do ribeiro.
… Não sei o que habita em mim, p´ra lá de mim.
Não sei o que me esconde o meu olhar.
Sei que em manhãs de maresia, se m´invade a nostalgia
caminho p´lo Alentejo Adentro e dou comigo a chorar.
SEI que sou, como diz Florbela Espanca:

“Sou filha da charneca erma e selvagem
 Os giestais por entre os romaninhos
 Abrindo os meus olhos d´oiro p´los caminhos
 Da minh´alma ardente são a imagem.”

Sei tão pouco ou quase “NADA”. Acreditem!... Quanto mais os anos vão passando, mais me dou conta desse meu saber tão escasso no respeitante à Cultura, ao Mundo e à Vida. Sei que a minha Terra é “pobre” mas, simultaneamente, ”muito rica”. Sei que nos consideram “simples e pequenos” mas, a verdade, é que aspiramos a ser grandiosos. Como diz F. Pessoa – Alberto Caeiro: “Não somos do tamanho da altura que temos mas, sim, do tamanho daquilo que vemos”.
Apesar de estar consciente da dificuldade de tão arrojada caminhada, tenho para mim que o Futuro se constrói hoje e, a Estória, essa, se escreve ou reescreve todos os dias. Sei que o meu Alentejo é um jardim – um imenso jardim - repleto de Estória e de tradição; uma amálgama de cores, de verdes e de flores, prados multicores, sonhos e convição. Lembro Vergílio Ferreira que tanto amou o Alentejo e bastante o exaltou, especialmente, no livro “APARIÇÃO”. Atrevo-me a pegar nas suas palavras, tentando adaptá-las:
…“O Alentejo, também, é um dos lugares onde a história se fez jardim. No Alentejo, não se morre, passa-se vivo para o outro lado, porque a morte se torna impossível no vigor da beleza.  “
É minha intenção não esquecer José Régio, Grande Poeta e alentejano convicto. Cito :
                  Alentejo,
                  Meu chão, meu monte, meu vale
                  De folhas, flores, frutos d´oiro
                  Vê se vês terras d´Espanha, areias de Portugal
                  Olhar ceguinho de choro.
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Aqui me tens, meu Alentejo!... Com a minha Poesia. Não para aplausos ou honrarias pois, neste âmbito, julgo enquadrar-me no pensamento prodigioso de F. Pessoa, cito: “- Ser Poeta não é uma ambição, minha. É, apenas, a minha forma de estar sozinho.”
 Aqui, estou. De olhos postos no Futuro mas, nunca alheada do passado - do meu passado igual ou parecido a tantos outros - do teu passado, Alentejo, o qual, nunca deixaremos que se apague e, cujo eco, faremos perpetuar p´los séculos fora. Hoje, sabemos que é preciso viver o tempo de “AGORA” embora, em nós, esteja sempre guardado um tempo de “OUTRORA”. Aprendi com os Homens e Mulheres da minha Terra que só as raízes nos permitem a construção de uma identidade forte, de um percurso intenso que nos convida a transbordar de emoções e de afetos. Quando as raízes se perdem ou não se alicerçam fica, apenas, o rasto, o traço, a linha. Uma mera soma de circunstâncias que o virar do tempo poderá, ou não, contabilizar para os registos da história. No arame da vida, da vida singular de cada um, permanecemos, por vezes, perdidos e agastados, sem rumo e sem norte - como os “malteses” - até nos reencontrarmos e acharmos “palheiro enxuto”. Pelo caminho do imediato é que se atinge o futuro. É preciso é saber que a legitimidade do sonho só tem por fronteiras os limites do Homem. Importa, é acreditar que o porvir passará pelas estradas que soubermos desbravar e construir. Importa, ainda, não esquecer que a inércia ou lentidão na ação poderá ameaçar ou travar o avanço dos tempos vindouros. Por isso, temos pressa: Monforte, Santo aleixo, Portalegre, Évora, o Guadiana são, apenas, marcas na soma dos caminhos já percorridos. Mas, iremos mais longe!.. Até onde o sonho, o empenho e a coragem nos levar. Por mim, irei até onde a vida, a saúde e a Poesia me deixar ir e Deus quiser. Se o que escrevo soará ou vingará, pouco me interessa. Digo como Edson Athayde:
 “Se não houver fruto valeu a tentativa da flor;
Se não houver flor valeu a existência da árvore;
Se não houver árvore valeu a intenção da semente.”
É contigo e, só contigo, que quero ficar meu Alentejo. Para te louvar, para te bendizer. Contigo e com “as gentes” da minha Terra tentarei abrir as portas do Futuro. Onde estiverem os nossos antepassados que se orgulhem de nós e da forma como nos direcionamos rumo ao TRABALHO, à PAZ e à dignificação da VIDA.


Aldina Cortes Gaspar


Lançamento do livro ALENTEJO ADENTRO

Edição: Câmara Municipal de Monforte (31/Maio/2015)