Crostas pedogénicas
Calcretos
Com cem anos de uso, o
termo calcrete, proposto por G. H. Lamplugh (1902), só nas últimas décadas
começou a figurar na nossa terminologia geológica. Próprios de certos ambientes
morfoclimáticos caracterizados por uma certa subaridez (precipitação abaixo dos
500 mm/a), estas crostas, ligadas à actividade pedológica, resultam de
acumulação de carbonato de cálcio ao longo de extensões superficiais maiores ou
menores . Os calcretos variam bastante em espessura, desde algumas dezenas de
metros, na Austrália, África do Sul, Novo México (EUA), a alguns metros no sul
e sudeste ibérico (3 a 5 m em Portugal, no Algarve).
Uma das primeiras referências a este
tipo de crosta é da autoria de Ch. Darwin (1846) que, sob a designação de
tosca, a descreve em pormenor nas pampas argentinas.
O termo calcrete, dos autores
ingleses e aceite como unificador pela comunidade científica, abarca um sem
número de designações regionais (cerca de meia centena), de entre as quais se
destacam batha (Índia), calcário da catinga (Brasil), caliche (sul dos EUA),
canto blanco (Canárias), croûte calcaire (Argélia e Tunísia), gigilim
(Nigéria), kunkar (Índia), nari (Israel), Steppenkalk (Namíbia), tafeza (Norte
de África), tapetate (México), travertine crust (Austrália), etc..
O termo português caliço, corrente
na toponímia do sul do país, é mais um entre nomes locais e regionais a
acrescentar a esta lista, tendo sido usado por Paul Choffat (1887) nos seus
trabalhos sobre a geologia do Algarve. Branqueiros e laginhas de cal são
expressões locais usadas na terminologia geológica para referir este tipo de
ocorrências em Porto Santo e no extremo oriental da Madeira (S. Lourenço), onde
a subaridez é a regra climática.
Os calcretos constituem corpos
geológicos dispostos horizontalmente, sendo constituídos, no geral, por um
nível friável, esbranquiçado, de aspecto pulverulento, farináceo, às vezes
referidos entre nós, impropriamente, pelo nome de cré, sobre o qual se
desenvolve, em estádios mais avançados de evolução, a crosta propriamente dita.
Quando a evolução climática se faz no sentido do aumento da humidade, as
crostas tendem e degradar-se, dando lugar a concreções calcárias espaçadas
entre si.
Na maior parte das situações, os
calcretos formam-se sobre rochas-mãe calcárias, como se verifica no Algarve em
relação com as sequências carbonatadas mesozóicas. Menos frequentes, mas não
raras, são as ocorrências sobre gabros e outras rochas ígneas ou metamórficas,
susceptíveis de fornecer cálcio, com acontece na região de Beja. Conhecem-se
calcretos a culminar perfis em rochas praticamente destituídas de cálcio, facto
que leva a aceitar que estas crostas, para além de enriquecerem em calcite, a
expensas da rocha, do substrato (per ascensum), podem receber essa
contaminação, lateralmente, vinda de outras rochas através das águas de
percolação no solo. Neste último caso, à semelhança do que se passa com os
lateritos e os bauxitos, coloca-se o problema da sua condição sedimentar, uma
vez que há transporte do material carbonatado, ainda que em solução.
Fig. 25 – Perfis em
calcretos. A – Benfarras (Algarve): 1 – calcário jurássico; 2 – brecha
autóctone; 3 – calcreto pulverulento (caliço); 4 – crosta compacta. B – Ervidel
(Alentejo): 1 – calcário lacustre paleogénico; 2 – calcreto pulverulento
(caliço); 3 – crosta compacta residual em solo castanho (4).
Na qualidade de solos residuais, os
calcretos, para além do carbonato de cálcio, conservam um resíduo insolúvel
resultante da meteorização e evolução pedológica da rocha-mãe. Assim, contêm,
em geral, uma fracção detrítica grosseira (fragmentos rochosos, areias) e uma
outra essencialmente argilosa, de alteração e de neoformação no solo, ou
herdada, no caso das rochas que lhes estão subjacentes conterem estes
filossilicatos na sua composição.
Os calcretos são conhecidos a vários
níveis do registo estratigráfico mundial, dos Old Red Sandstones, do Devónico
da Escócia, ao Cenozóico, de que temos exemplos no Paleogénico da região de
Macedo de Cavaleiros, na Beira Baixa, no Alentejo e na região de Colares
(Sintra).
Silcretos
Em coerência com a uniformização da
nomenclatura, Lamplugh (1907) propôs também o nome silcrete para as crostas
pedológicas enriquecidas em sílica. Sob diversas designações, estes arenitos do
deserto, como lhes chamou R. Daintree (1872), ao descrevê-los no norte de
África, são conhecidos por grés polimorfos em Angola e no Congo, por duripans
nos Estados Unidos, por surface quartzites na África do Sul, por porcelanites
na Austrália, por meulière em França, etc..
Os silcretos são característicos de
regiões de tendência árida com drenagem deficiente, muito planas, com declives
mínimos (inferiores a 5%), sendo comuns na África do Sul, Namíbia, Calaari,
Mauritânia, Austrália e nordeste do Brasil, onde as espessuras são da ordem das
dezenas de metros, podendo ocorrer sobre quaisquer tipos de rocha-mãe. É, em
particular, sobre as rochas sedimentares terrígenas (conglomerados, arenitos,
siltitos, argilitos) ou os seus equivalentes não consolidados (cascalheiras,
areias, siltes e argilas) que os silcretos são mais frequentes e atingem maior
expressão (em espessura e extensão).
A silicificação, nuns casos per
ascensum, a parir do substrato, noutros por contaminação lateral, é feita sob a
forma de opala, nos silcretos mais recentes, ou de quartzo microcristalino
(calcedonite) ou fanerítico, nos mais antigos. No decurso da diagénese, como é
sabido, a sílica amorfa tende a passar a cristalina. Nuns casos, a
silicificação consiste na cimentação do horizonte pedológico por penetração da
sílica nos vazios; noutros, verifica-se ter havido substituição epigénica
(molécula a molécula) do material do perfil por sílica. É o que acontece na
transformação (frequente) de calcretos em silcretos, por substituição do
carbonato de cálcio pela sílica. Silcalcretos e calsilcretos são, assim,
designações que procuram referir estádios intermediários dessa metassomatose.
Em Portugal, nas últimas décadas tem
vindo a ser reconhecida a ocorrência de silcretos quer sub-actuais (Quaternário de Rio Frio,
Setúbal) quer mais antigos, em especial no Cenozóico da Beira Baixa, da Bacia
do Tejo-Sado e do Alentejo interior. O grés porcelanóide, de há muito
reconhecido no cimo aplanado do Buçaco, na vizinhança da Cruz Alta, deve ser
considerado um silcreto de idade compreendida entre o Cretácico superior e o
Paleogénico.
Galopim de Carvalho