quartzo
Os minerais estão no
nosso quotidiano. Nas pedras das calçadas, na areia com que se faz o vidro, nas
matérias-primas de todos os metais que nos asseguram a sociedade industrial,
nas jóias de quem as pode usar e no sal de que nós, portugueses, abusamos.
Todos falamos de
minerais com base num conhecimento vulgar, empírico, ligado à experiência do
dia-a-dia. Minas, minérios e mineiros fazem parte do vocabulário popular por
razões óbvias ligadas a um vasto e velho sector primário da economia. Não há
sítio onde não se fale de minas, nem que seja de minas de água. Mina, nome que
recebemos através do francês mine, significa escavação na terra e parece
radicar na cultura céltica, vivida por um povo ao qual se deve a metalurgia do
ferro.
Por mineral entende-se
um corpo sólido, inorgânico, natural, de composição química variável dentro de
limites bem estabelecidos, caracterizado por uma disposição geométrica dos seus
átomos, segundo redes tridimensionais, próprias de cada espécie. Diz-se, então
que os minerais têm estrutura cristalina.
Desde a Antiguidade e
até, pelo menos, ao século XVIII, acreditou-se que os cristais de quartzo
hialino, isto é, incolor e transparente, eram ocorrências de água no estado
sólido, num grau de congelação tão intenso que era impossível fazê-los voltar
ao estado líquido.
Aristóteles (384-322
a. C.) chamava cristal ao gelo (krystallos, em grego) e foi sob este nome que
esta espécie mineral passou aos domínios da alquimia, primeiro, e da
mineralogia, depois. Um seu aluno, Theophrastus (372-287 a. C.), distinguia o
cristal-água (o gelo) do cristal-pedra (o quartzo hialino). Os romanos
mantiveram este entendimento, latinizando o nome para cristallus, como se pode
ler num dos 38 volumes da “História Natural”, de Plínio, o Velho, (23-79 d.
C.).
Foi o carácter
transparente e incolor do cristal-pedra que acabou por dar o nome ao vidro
industrial de alta qualidade, a que hoje chamamos simplesmente cristal. A
expressão cristal-de-rocha, aplicada ao quartzo hialino, surgiu muito mais
tarde (no séc. XIX) para distinguir o mineral do produto manufacturado. A
palavra cristal acabou, depois, por se generalizar aos corpos poliédricos
minerais ou orgânicos, naturais e artificiais, tendo sido, por isso, usada como
étimo do nome da disciplina que os estuda – a Cristalografia – afirmada como
ciência no início do século XIX com René-Just Haüy, em França.
Minerais e cristais
são, pois, duas realidades indissociáveis. Por tradição, o conceito de cristal
implicava o carácter poliédrico (facetado) do sólido, fosse ele uma substância
mineral ou orgânica, natural ou produzida artificialmente. Tal concepção foi
abandonada a partir do momento em que se tornou conhecida a estrutura íntima, à
escala atómica, dos corpos no estado sólido. Assim, cristal é hoje entendido
como uma porção uniforme de matéria cristalina, matéria que, como se disse
atrás, é caracterizada por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo
redes tridimensionais, próprias de cada espécie. Um tal arranjo geométrico é
posto em evidência, entre outras manifestações, pelas faces do cristal. Mas nem
sempre a matéria cristalina se manifesta com a configuração de um cristal, no
sentido vulgar do termo, isto é, no de um corpo poliédrico, total ou
parcialmente limitado por faces planas. Um grão de quartzo, no seio do granito
ou solto e na areia da praia, não tem forma poliédrica, mas é matéria
cristalina.
Com a mesma composição
química do quartzo, a opala, uma variedade de sílica amorfa, isto é, não
cristalina. Amorfo é também o vidro vulcânico, principal constituinte de rochas
como a pedra-pomes ou a obsidiana.
Ainda que cristalinas,
não são consideradas minerais as substâncias inorgânicas produzidas
artificialmente e as orgânicas, sejam elas naturais ou artificiais. Hoje em
dia, são muitos os chamados sintéticos, isto é, substâncias química e
estruturalmente semelhantes a determinadas espécies minerais, produzidas
(sintetizadas) em laboratório e/ou industrialmente. O quartzo o diamante, e
muitas outras gemas sintéticas não são, pois, minerais. A sua produção com fins
tecnológicos, gemológicos ou outros, é hoje uma rotina
A Mineralogia é a
ciência que estuda os minerais, nela se separando uma Mineralogia Pura,
interessada nos aspectos científicos fundamentais, do saber pelo saber, e uma
Mineralogia Aplicada, visando a utilização dos minerais como matérias-primas
nas mais variadas indústrias e utilizações. Vinda da Antiguidade, com destaque
para as civilizações chinesa, babilónica, hindu e egípcia, através da tradição
e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos, recuperados pelos árabes,
a Mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a Alquimia, tendo aí
crescido, deixando para trás muitas das concepções fantasiosas e místicas dos
escolásticos. A Mineralogia afirmou-se e desenvolveu-se como Ciência,
juntamente com a Química, ao longo dos séculos XVIII e XIX, fazendo-a progredir
e tirando dela o essencial do seu desenvolvimento com acentuada organização
sistemática.
A Mineralogia fez
nascer, deu corpo e aprofundou uma nova disciplina científica, de cariz
geométrico e matemático - a Cristalografia Morfológica - que usou como
complemento até às primeiras décadas do século XX. Alargou-se, depois, ainda
mais, com a Cristaloquímica, numa abordagem à organização espacial das redes
cristalinas em função da natureza dos elementos químicos que as constituem
para, a partir daí, se irmanar com a Física do Estado Sólido, com recurso às
modernas tecnologias de análise. A Mineralogia acompanha hoje o caminho da
Cristalografia Estrutural, nova disciplina de âmbito alargado a todos os
sólidos cristalinos, sejam eles inorgânicos ou orgânicos, naturais e
artificiais ou sintéticos.
Galopim de Carvalho