A
sedentarização teve certamente consequências intelectuais importantes, primeiro
porque facilitou, ou mesmo promoveu, o estabelecimento das primeiras estruturas
nas pequenas comunidades fixas, e com elas as primeiras necessidades de
preservação do grupo e da sua memória. Certamente se pode incluir aqui a defesa
do grupo, as suas estruturas fortificadas, e a necessidade de resolver a
questão dos mortos que agora ocorre no mesmo espaço de residência dos vivos.
Não admira pois que uma parte apreciável destas grandes estruturas de pedra
lhes seja dedicada, isto é, sejam de natureza funerária para enterramentos
individuais ou colectivos. São as Antas ou Dólmens que conhecemos por todo o
Portugal, mas cuja concentração no Alentejo Central e no Alto Alentejo se destaca
pelo elevado número que atinge os vários milhares de unidades.
Simultaneamente
ao se fixar num espaço onde decorre a sua actividade o grupo adquire uma noção
de centralidade. O seu lugar é o centro do mundo, e é onde volta sempre que a
necessidade de sobrevivência requer incursões fora desse lugar muitas vezes de
ritmo sazonal, para procurar alimento onde sabe existir. Este facto requer uma
capacidade de “navegar” no território envolvente reconhecendo marcas e sinais
específicos. A sua actividade começa a ter, cada vez mais, componentes
intelectuais que lhe alargam o entendimento do mundo que o rodeia. Mesmo o sol
e a lua que sempre o acompanharam no nomadismo adquirem agora outra dimensão.
Fixo no centro do seu mundo, a paisagem envolvente torna-se-lhe proeminente.
O
céu, onde o sol, a lua e as estrelas se manifestam, faz agora parte dessa
paisagem e não pode deixar de reconhecer os ciclos que ocorrem neste
“território” cósmico. Vive agora entre dois territórios separados por uma linha
mágica, o horizonte, que nunca consegue ultrapassar. Por mais que caminhe nas
planícies, ou suba montanhas, no seu território natural, nunca consegue pôr o
pé nesse território inacessível onde se desenrolam fenómenos que não controla
mas que condicionam a sua vida.
Para
além do ciclo primitivo, do dia e da noite, que já conhecia do tempo nómada,
agora que vive o ano inteiro no mesmo local, é-lhe fácil associar o progressivo
aumento do frio ambiente com a concomitante deslocação para sul do ponto no
horizonte onde o sol nasce, e inversamente o aumento do calor abrasador com a
deslocação para norte do nascer do sol. Este temor de morrer de frio se o sol
fugir demasiado para sul ou de morrer torrado pelo excessivo calor se o sol se
aventurar demasiado para norte, além de reflectir em si uma percepção
intelectual importante, provavelmente a primeira concepção cósmica do universo
envolvente, terá certamente também desenvolvido o desejo de intervir no sentido
de impedir que essas fugas catastróficas possam ocorrer. Na impossibilidade de
pisar o território onde os astros se deslocam e desenvolvem as suas
actividades, umas nefastas e outras benéficas, nada mais pode fazer do que
desejar muito intensamente que nenhum desses males aconteça.
É
possível que tenha pensado que se conseguisse representar no seu território a
ordem cósmica que observava no céu, não só usando figurações na pedra dos
astros intervenientes - bem como implantando marcas com grandes pedras que
correspondessem aos limites “aceitáveis” desses movimentos - poderia manter
esses astros, em particular o sol, em posições confortáveis para o seu
dia-a-dia. Talvez por isso muitas dessas grandes pedras apresentem figuras
insculpidas representando o sol ou a lua, e noutros locais as pinturas
rupestres continuem essa prática.
C. Marciano da Silva