Fizemos
a nossa estreia no blog com um artigo sob o mesmo título com a intenção de,
face às dificuldades da época, felizmente ultrapassadas, salientar os grandes
problemas daquela época: a carência de docentes, a existência do analfabetismo
generalizado e a necessidade de promover a alfabetização de multidões. Daí a
necessidade de leccionar turmas de cem alunos.
Parecendo
inoportuna a insistência, defendo que o futuro desejado só poderá melhorar se
houver conhecimento dos obstáculos vencidos, de forma a proporcionar a
aprendizagem simultânea a dezenas de alunos. É nosso propósito aproveitar a oportunidade
para uma reflexão e consequente estudo sobre o pioneirismo na formação e
aperfeiçoamento pedagógico dos indivíduos encarregados de preparar e formar as
gerações discentes.
Parece,
pois, legítima esta intenção em qualquer situação da vida e referida a qualquer
actividade humana; mais justificada nos parece quando abordada em blog
frequentado por muitos interessados no ensino.
Eis-nos,
assim, perante a pergunta: - Quando teve início em Portugal a preparação
“sistematizada” dos professores?
A
resposta, parecendo fácil, carece de enquadramento temático e geográfico, pelo
que, não surgindo definitiva e objectiva, envolve alguma dificuldade.
Não
oferece dúvida que a Carta de lei de 6 de Novembro de 1772 conferia poderes à
Real Mesa Censória para se certificar de que os candidatos a mestres régios
possuíam as necessárias habilitações, através de exames efectuados em Lisboa,
Porto, Coimbra, Évora e capitanias das Colónias. Refiro este diploma legal por marcar a
oficialização do ensino público e a responsabilização do Estado por criar,
manter e fiscalizar este nível de ensino. Mas não há referência explícita à
forma de preparar os mestres. À Real Mesa Censória apenas incumbia
certificar-se de que o candidato reunia as habilitações indispensáveis ao bom
desempenho do cargo.
Sobre
a iniciação da formação de mestres existem alguns documentos irrefutáveis,
ligados à aplicação do Método de Ensino Mútuo, também conhecido por Método de
Bell e Lancaster.
Duas
palavras apenas sobre o método mútuo, que aparece em despique com o
indevidamente chamado método simultâneo, sempre utilizado como prelecção de um
docente a vários discentes em aprendizagem.
Face
à profusão de alunos e à exiguidade de mestres habilitados, o método mútuo
apresentava a vantagem de permitir a reunião, num salão compatível, de turmas
enormes de cem ou mais alunos dirigidos por um só professor, auxiliado por
alunos mais adiantados, que tomavam a seu cargo a orientação de um grupo restrito
de dez alunos (decúria). No fundo, consistia na prática jesuítica da centúria,
reminiscência romano-militar experimentada pelo oficial e capelão inglês Bell e
desenvolvida pelo também inglês Lancaster, em finais do século XVIII e inícios
do XIX. Há notícias da sua aplicação em Portugal durante o primeiro quartel do
século XIX, exaradas em documentos que passaremos a analisar.
Referiremos
em primeiro lugar o testemunho de Cândido Xavier (1769-1833), definido nos
seguintes termos: “desde o 1º de Março de 1816 existia naquela cidade (Lisboa)
uma escola normal, na qual se tinham habilitado 81 mestres; que desde o mês de
Junho de 1817 se acham em actividade as escolas nos regimentos; que, além
destas, se abriram outras nos estabelecimentos Reais (sic), como no Deposito
geral de cavalaria, e na Cordoaria; que em umas e outras eram recebidos não só
os militares e seus filhos, mas também os dos habitantes; que no princípio de
Outubro de 1818 havia 18 destas novas escolas em Lisboa e Província da
Estremadura, 10 na Beira, 5 em Trás- os-Montes, 9 no Porto e Província do
Minho, 10 no Alentejo e 3 no Algarve; que até àquela data se tinham matriculado
nelas 1891 militares, 1952 paisanos, no todo 3843 discípulos, dos quais 367 se
achavam já habilitados, e destes 60 militares tinham por essa causa sido
promovidos a oficiais superiores; que o número dos que frequentavam em 3 de
Agosto de 1818 era de 2518, dos quais 296 no alfabeto, 409 no silabário, 410 no
vocabulário, 801 nas frases e períodos e 602 na leitura corrente; que 304
escreviam na areia, 445 na ardósia e 1730 em papel; que 827 se achavam nos
princípios gerais da numeração, 785 na composição e decomposição dos números
inteiros e decimais, 242 na dos numeros quebrados, e 61 nas regras de 3; ultimamente,
que o numero médio de discípulos paisanos, com que as 55 escolas existentes
naquela época se aumentavam cada mês era de 60 a 70” .
Francisco Goulão