terça-feira, 5 de abril de 2016

VÍCIOS ALIMENTARES E SAÚDE PÚBLICA






A partir deste ano Portugal tem nova legislação que vem alterar o Código da Publicidade no que diz respeito à publicidade de alimentos nocivos para as crianças, à semelhança do que acontece noutros países europeus. São visados sobretudo os alimentos e as bebidas com alto conteúdo de açúcar, gordura e sal considerados como um problema de saúde pública. Estes alimentos e bebidas não poderão ser publicitados a menos de 500 metros das escolas nem nos 30 minutos anteriores ou posteriores a programas de televisão e de rádio infantis ou juvenis cujas audiências tenham um mínimo de 20% de público com idade inferior a 12 anos. Os termos da lei acrescentam que fica igualmente vedada a publicidade a alimentos ou bebidas de elevado teor de açúcar, gordura ou sódio na internet em sítios ou páginas com conteúdos destinados a um público infantil ou juvenil.
De facto, o consumo de açúcar, de sal e de gordura tem vindo a aumentar em praticamente todo o mundo desenvolvido de uma forma preocupante, sobretudo se tivermos em consideração os inúmeros estudos científicos que apontam para estas substâncias como sendo uma das principais causas do número crescente de crianças e de adultos com obesidade, diabetes, cáries e doenças cardiovasculares, agravando inclusive o estado geral de saúde durante o período de envelhecimento. O excesso da ingestão de carnes vermelhas processadas (hambúrgueres industriais, salchichas, enchidos, enlatados), açúcar, gordura e sal, bem como o consumo escasso de alimentos frescos, fruta e vegetais aumenta também o risco do cancro no colón.
Por toda a parte os produtos processados com elevado teor de açúcar, seja nos alimentos seja nas bebidas, tornaram-se o principal inimigo público dos sistemas nacionais de saúde. Neste contexto, a Direcção-Geral de Saúde apresentou uma proposta para reduzir o consumo de açúcar em Portugal: as saquetas individuais de açúcar utilizadas nos cafés e restaurantes vão passar a ter metade da quantidade, passando de oito para quatro gramas por embalagem.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o consumo dos açúcares simples se situe abaixo de 10% das calorias ingeridas diariamente, advertindo que a redução dessa percentagem para 5% proporciona efeitos benéficos adicionais para a saúde. Segundo os dados disponíveis, estima-se que, em média, o consumo do açúcar pelas crianças em Portugal ronde os 25% das calorias consumidas diariamente, ou seja, cinco vezes mais do que o recomendado.       Para termos uma noção das quantidades em questão basta dizer que, em média, 5% das calorias diárias equivalem a 25 gramas de açúcar, que correspondem sensivelmente a seis colheres de chá. Ora, existem no mercado refrigerantes que podem conter em cada garrafa ou lata individual uma porção de açúcar equivalente a 10 colheres de chá. Quer dizer, uma só bebida destas faz-nos ingerir inadvertidamente mais açúcar do que a quantidade diária aconselhada pela Organização Mundial de Saúde.
Por outro lado, a OMS chama ainda a atenção para o facto de grande parte do açúcar consumido diariamente estar incluído em alimentos que não são considerados doces ou bolos, como as comidas processadas, os molhos industriais, as massas, as pizas e o pão. Por exemplo, são comercializados flocos ditos de cereais para crianças cuja percentagem de açúcares (patente nos rótulos de declaração nutricional) chega a ultrapassar os 40% da composição do produto embalado, quando o aconselhável para qualquer alimento processado seria não exceder as 10 gramas de açúcares por cada 100 gramas de produto.
Muitos açúcares encontram-se dissimulados nos alimentos processados com nomes distintos na declaração nutricional: sacarose, frutose, glicose, lactose, dextrose e muitos outros. Estas substâncias apresentam nomes diferentes porque têm uma composição química diversa, mas são todas igualmente nocivas porque originam o aumento do nível de açúcar no sangue interferindo com os ciclos naturais de insulina e neptina. O mesmo acontece com os adoçantes artificiais.
Estima-se que as doenças provocadas pelo elevado consumo de açúcares custem, em média, 5% a 10% do orçamento de saúde dos países industrializados. No Reino Unido, por exemplo, o número de doentes com obesidade e diabetes tipo 2 aumentou em 65% na última década, o que custa cerca de um milhão de libras por hora ao serviço nacional de saúde, sem contar com as consequências sociais das baixas médicas e o sofrimento individual de cada paciente. O Reino Unido tem hoje, oficialmente, mais de quatro milhões de diabéticos e uma média de 700 novos casos diagnosticados por dia. Cerca de 90% destes doentes tem diabetes tipo 2, relacionado com o excesso do consumo de açúcar e a falta de atividade física. Segundo dados publicados pelo respectivo serviço nacional de saúde, dois terços da população adulta britânica é obesa ou tem excesso de peso.
Os alimentos industriais processados com elevado conteúdo de açúcar, sal e gordura tornaram-se omnipresentes na vida contemporânea. Não precisam de ser cozinhados, são quase sempre saborosos, e por vezes são até mais baratos do que os alimentos naturais. Mas o preço a pagar pela ausência de uma dieta natural variada e pelo consumo sistemático e excessivo de grande parte destes produtos é enorme.
A obesidade infantil e juvenil tornou-se um dos problemas crescentes de saúde pública  das sociedades ocidentais. Limitar a publicidade massiva desses produtos é um primeiro passo importante, mas é certamente insuficiente. É necessário, em simultâneo, promover o consumo de alimentos naturais e educar as crianças na escola e no seio da família por forma a adquirirem hábitos alimentares saudáveis.
É hoje praticamente consensual na comunidade científica que o ser humano não tem gostos inatos. O gosto por determinados alimentos em detrimento de outros é adquirido desde a infância de acordo com certos hábitos familiares e culturais. Usar as guloseimas como recompensa para o bom comportamento infantil é uma lição que não se esquece ao longo da vida. É fácil aprender a gostar de alimentos doces a ponto de não podermos passar sem eles.
O açúcar é altamente viciante. Estudos recentes vieram demonstrar que a ingestão de açúcar liberta no cérebro humano substâncias químicas orgânicas que dão a sensação de prazer. As áreas do cérebro que são ativadas pela ingestão de açúcares são as mesmas que são ativadas pelo consumo de drogas como a cocaína ou a heroína. O consumo repetido e exagerado de açúcar na comida e nas bebidas pode assim tornar-se um vício equivalente a uma dependência química. Quanto mais refrigerantes ou doces se comem mais apetece comer.
Um vício alimentar traduz-se no desejo compulsivo de consumir determinados alimentos de forma excessiva e descontrolada. Quase sempre o indivíduo tem consciência de que a sua maneira de comer, ou de beber, é prejudicial à sua saúde e à sua forma física, mas não consegue conter-se. Tornou-se fisiológica e psicologicamente dependente.
Nestas circunstâncias, o aconselhamento psicológico pode ser tão importante quanto a orientação nutricional. Não é fácil, mas se os gostos alimentares são aprendidos e adquiridos também podem ser corrigidos e reaprendidos. Porém, a dependência fisiológica e psicológica de alimentos viciantes e nocivos como o açúcar, o sal e a gordura só pode ser combatida com eficácia quando a pessoa afetada reconhece que precisa de ajuda e está disposta a convocar a sua motivação intrínseca e a sua força de vontade no sentido da mudança de hábitos alimentares. A questão é particularmente delicada no que diz respeito às crianças e aos adolescentes uma vez que a sua falta de maturidade e a exposição permanente à publicidade nos meios de comunicação social, nos espetáculos e na internet contribuem para enfraquecer os mecanismos de defesa e de autocontrolo.


                  Rossana Appolloni