A partir deste ano
Portugal tem nova legislação que vem alterar o Código da Publicidade no que diz
respeito à publicidade de alimentos nocivos para as crianças, à semelhança do
que acontece noutros países europeus. São visados sobretudo os alimentos e as bebidas
com alto conteúdo de açúcar, gordura e sal considerados como um problema de
saúde pública. Estes alimentos e bebidas não poderão ser publicitados a menos
de 500 metros das escolas nem nos 30 minutos anteriores ou posteriores a
programas de televisão e de rádio infantis ou juvenis cujas audiências tenham
um mínimo de 20% de público com idade inferior a 12 anos. Os termos da lei
acrescentam que fica igualmente vedada a publicidade a alimentos ou bebidas de
elevado teor de açúcar, gordura ou sódio na internet em sítios ou páginas com
conteúdos destinados a um público infantil ou juvenil.
De facto, o consumo de
açúcar, de sal e de gordura tem vindo a aumentar em praticamente todo o mundo
desenvolvido de uma forma preocupante, sobretudo se tivermos em consideração os
inúmeros estudos científicos que apontam para estas substâncias como sendo uma
das principais causas do número crescente de crianças e de adultos com
obesidade, diabetes, cáries e doenças cardiovasculares, agravando inclusive o
estado geral de saúde durante o período de envelhecimento. O excesso da
ingestão de carnes vermelhas processadas (hambúrgueres industriais, salchichas,
enchidos, enlatados), açúcar, gordura e sal, bem como o consumo escasso de
alimentos frescos, fruta e vegetais aumenta também o risco do cancro no colón.
Por toda a parte os
produtos processados com elevado teor de açúcar, seja nos alimentos seja nas
bebidas, tornaram-se o principal inimigo público dos sistemas nacionais de
saúde. Neste contexto, a Direcção-Geral de Saúde apresentou uma proposta para
reduzir o consumo de açúcar em Portugal: as saquetas individuais de açúcar
utilizadas nos cafés e restaurantes vão passar a ter metade da quantidade,
passando de oito para quatro gramas por embalagem.
A Organização Mundial
de Saúde (OMS) recomenda que o consumo dos açúcares simples se situe abaixo de
10% das calorias ingeridas diariamente, advertindo que a redução dessa
percentagem para 5% proporciona efeitos benéficos adicionais para a saúde.
Segundo os dados disponíveis, estima-se que, em média, o consumo do açúcar
pelas crianças em Portugal ronde os 25% das calorias consumidas diariamente, ou
seja, cinco vezes mais do que o recomendado. Para
termos uma noção das quantidades em questão basta dizer que, em média, 5% das
calorias diárias equivalem a 25 gramas de açúcar, que correspondem
sensivelmente a seis colheres de chá. Ora, existem no mercado refrigerantes que
podem conter em cada garrafa ou lata individual uma porção de açúcar
equivalente a 10 colheres de chá. Quer dizer, uma só bebida destas faz-nos
ingerir inadvertidamente mais açúcar do que a quantidade diária aconselhada
pela Organização Mundial de Saúde.
Por outro lado, a OMS
chama ainda a atenção para o facto de grande parte do açúcar consumido
diariamente estar incluído em alimentos que não são considerados doces ou
bolos, como as comidas processadas, os molhos industriais, as massas, as pizas
e o pão. Por exemplo, são comercializados flocos ditos de cereais para crianças
cuja percentagem de açúcares (patente nos rótulos de declaração nutricional)
chega a ultrapassar os 40% da composição do produto embalado, quando o
aconselhável para qualquer alimento processado seria não exceder as 10 gramas
de açúcares por cada 100 gramas de produto.
Muitos açúcares
encontram-se dissimulados nos alimentos processados com nomes distintos na
declaração nutricional: sacarose, frutose, glicose, lactose, dextrose e muitos
outros. Estas substâncias apresentam nomes diferentes porque têm uma composição
química diversa, mas são todas igualmente nocivas porque originam o aumento do
nível de açúcar no sangue interferindo com os ciclos naturais de insulina e
neptina. O mesmo acontece com os adoçantes artificiais.
Estima-se que as
doenças provocadas pelo elevado consumo de açúcares custem, em média, 5% a 10%
do orçamento de saúde dos países industrializados. No Reino Unido, por exemplo,
o número de doentes com obesidade e diabetes tipo 2 aumentou em 65% na última
década, o que custa cerca de um milhão de libras por hora ao serviço nacional
de saúde, sem contar com as consequências sociais das baixas médicas e o
sofrimento individual de cada paciente. O Reino Unido tem hoje, oficialmente,
mais de quatro milhões de diabéticos e uma média de 700 novos casos
diagnosticados por dia. Cerca de 90% destes doentes tem diabetes tipo 2,
relacionado com o excesso do consumo de açúcar e a falta de atividade física.
Segundo dados publicados pelo respectivo serviço nacional de saúde, dois terços
da população adulta britânica é obesa ou tem excesso de peso.
Os alimentos
industriais processados com elevado conteúdo de açúcar, sal e gordura
tornaram-se omnipresentes na vida contemporânea. Não precisam de ser
cozinhados, são quase sempre saborosos, e por vezes são até mais baratos do que
os alimentos naturais. Mas o preço a pagar pela ausência de uma dieta natural
variada e pelo consumo sistemático e excessivo de grande parte destes produtos
é enorme.
A obesidade infantil e
juvenil tornou-se um dos problemas crescentes de saúde pública das sociedades ocidentais. Limitar a
publicidade massiva desses produtos é um primeiro passo importante, mas é
certamente insuficiente. É necessário, em simultâneo, promover o consumo de
alimentos naturais e educar as crianças na escola e no seio da família por
forma a adquirirem hábitos alimentares saudáveis.
É hoje praticamente
consensual na comunidade científica que o ser humano não tem gostos inatos. O
gosto por determinados alimentos em detrimento de outros é adquirido desde a
infância de acordo com certos hábitos familiares e culturais. Usar as
guloseimas como recompensa para o bom comportamento infantil é uma lição que
não se esquece ao longo da vida. É fácil aprender a gostar de alimentos doces a
ponto de não podermos passar sem eles.
O açúcar é altamente
viciante. Estudos recentes vieram demonstrar que a ingestão de açúcar liberta
no cérebro humano substâncias químicas orgânicas que dão a sensação de prazer.
As áreas do cérebro que são ativadas pela ingestão de açúcares são as mesmas
que são ativadas pelo consumo de drogas como a cocaína ou a heroína. O consumo
repetido e exagerado de açúcar na comida e nas bebidas pode assim tornar-se um
vício equivalente a uma dependência química. Quanto mais refrigerantes ou doces
se comem mais apetece comer.
Um vício alimentar
traduz-se no desejo compulsivo de consumir determinados alimentos de forma
excessiva e descontrolada. Quase sempre o indivíduo tem consciência de que a
sua maneira de comer, ou de beber, é prejudicial à sua saúde e à sua forma
física, mas não consegue conter-se. Tornou-se fisiológica e psicologicamente
dependente.
Nestas circunstâncias,
o aconselhamento psicológico pode ser tão importante quanto a orientação
nutricional. Não é fácil, mas se os gostos alimentares são aprendidos e
adquiridos também podem ser corrigidos e reaprendidos. Porém, a dependência
fisiológica e psicológica de alimentos viciantes e nocivos como o açúcar, o sal
e a gordura só pode ser combatida com eficácia quando a pessoa afetada
reconhece que precisa de ajuda e está disposta a convocar a sua motivação
intrínseca e a sua força de vontade no sentido da mudança de hábitos
alimentares. A questão é particularmente delicada no que diz respeito às
crianças e aos adolescentes uma vez que a sua falta de maturidade e a exposição
permanente à publicidade nos meios de comunicação social, nos espetáculos e na
internet contribuem para enfraquecer os mecanismos de defesa e de autocontrolo.
Rossana Appolloni