Apesar das palavras religião e espiritualidade aparecerem com frequência
associadas, elas não aludem à mesma realidade. Pode definir-se a
espiritualidade como sendo a busca de um sentido superior que ultrapassa a
existência e a dimensão do individual. Enquanto a religião se refere à fé, à
comunhão com Deus e à busca de uma verdade absoluta, a espiritualidade refere-se
à prática de algo que supera os confins da personalidade individual. Podemos alimentar
a nossa espiritualidade através de atividades que reduzem a experiência do Eu
(constituído por exigências, medos, apegos, etc.). Tudo o que ajude a reduzir a
presença do Eu, incrementa a possibilidade de desenvolver a espiritualidade em
cada um de nós, e cada um encontrará a melhor forma de a estimular.
O espiritual tem a ver com valores que criam uma comunhão com a
Humanidade e que nos obrigam a abandonar o que é individual para entrarmos num
âmbito mais vasto. A espiritualidade em nós manifesta-se quando encontramos no
mundo uma beleza indizível, uma verdadeira inspiração, um gesto de sublime
altruísmo, um momento de profunda gratidão, ou o simples despertar de forças da
natureza que estão para além do que é o domínio humano. A sensação de que
existe algo maior do que nós próprios, algo que possui um sentido que nos
ultrapassa, assinala a emergência do espiritual. Ultrapassa a dimensão do pessoal,
mas é condição
fundamental da dimensão humana e, como tal, da felicidade. A própria comunidade
científica já admite a importância de darmos espaço nas nossas vidas a esta
dimensão, a qual se manifesta não apenas quando estamos isolados em meditação, por
exemplo, mas sim no dia-a-dia, na nossa relação com os colegas, os amigos, ou a
família. No entanto, a espiritualidade não deve ser alimentada como uma fuga à
realidade, pois não nos podemos esquecer que vivemos através de uma
personalidade e uma realidade bem concretas. Tal como diz o filósofo Teilhard
de Chardin, não somos seres humanos num
caminho espiritual, mas sim seres espirituais num caminho humano. Devemos,
portanto, usar as ferramentas humanas de que dispomos para ascender ao
espiritual que há em nós.
Rossana Appolloni