Dobras no Carbónico alentejano (Foto de Luís Quintas)
Q
Quem
tenha o hábito de olhar para as rochas, no campo, reparou certamente que,
muitas vezes, os estratos das sequências sedimentares ou metamórficas se
apresentam dobrados e enrugados, exibindo aspectos por vezes muito diferentes
do que foi o seu modo de jazida original, isto é, sobrepostos horizontalmente.
Para quem não está preparado, estas ocorrências não deixam de ser intrigantes,
sobretudo, habituados que estamos a considerar as rochas como materiais
rígidos, quebradiços, e que, como tal, teríamos tendência a considerar
indeformáveis, em termos de plasticidade e maleabilidade.
Observou,
ainda, que certas rochas, como são, entre outras, os xistos argilosos e as
ardósias, se apresentam finamente laminadas, assumindo fissilidade ou
xistosidade, um tipo particular de deformação independente da inclinação das
camadas, mas que reflecte a direcção do esforço compressivo a que estiveram
sujeitas, direcção essa que é perpendicular ao plano da referida fissilidade.
Nos flancos das dobras, a xistosidade tende a ser paralela à estratificação, ao
passo que na charneira das mesmas tende a ser perpendicular.
Xisto argiloso. (Imagem retirada de
www.cienciahoje.pt
Por força da gravidade terrestre, a
estratificação das rochas sedimentares é, em princípio, inicialmente plana e
horizontal. Relativamente a estas rochas, as estruturas observáveis no terreno,
ou seja, a forma, a disposição e as relações entre os estratos resultam dos
próprios processos que lhes deram origem e, ou são contemporâneas da deposição
(ou sedimentação) de cada unidade, ou são consequência de transformações e
deformações posteriores.
Estratificação
não deformada no Grand Canyon do Colorado, no Arizona, EUA
Além
desta condição, as rochas sedimentares possuem, geralmente, fósseis e outros
elementos, cuja forma original é conhecida, permitindo medir o valor de
eventuais deformações sofridas.
Trilobite (Neseuretus)
do Ordovícico de Valongo, deformada. (Imagem obtida em www.fossilmall.com)
A
deformação das rochas durante a formação de uma cadeia de montanhas, ou
orogénese, resulta, sobretudo, das pressões (a litostática e as orientadas) que
as afectam no interior da crosta, controladas pelas temperaturas aí reinantes,
e depende da natureza dessas rochas.
O
aumento da pressão litostática e da temperatura com a profundidade, além de
promoverem o metamorfismo, transformam os materiais rígidos em outros cada vez
mais plásticos (dúcteis), a ponto de se comportarem como um líquido muito
viscoso, situação que antecede a sua transformação num magma. Nestas condições,
as pressões orientadas responsáveis pela orogénese podem dobrar, enrugar ou
fazer fluir materiais que, à superfície, se comportam como rígidos. O tempo é
ainda um factor determinante nestes processos extremamente lentos, que
necessitam de dezenas e até de centenas de milhões de anos para se consumarem.
Nas
rochas que, pela sua natureza e pelas pressões e temperaturas a que estiveram
sujeitas, apresentam comportamento quebradiço, a deformação manifesta-se apenas
pela existência de numerosos planos de ruptura, ou falhas. Pode, neste caso,
falar-se de deformação descontínua, sendo o cisalhamento o principal mecanismo.
As rochas fracturam-se
mas não dobram. (Imagem retirada de cien ciasreticencias.webnode.pt)
A
partir de uma certa profundidade, as rochas começam a adquirir plasticidade
(ductilidade), ou seja, passam a ter capacidade de se deformar sem sofrer
fracturação, levando ao aparecimento de dobras. Nestas condições, os estratos
adquirem curvaturas mais ou menos acentuadas, sem que haja variação sensível da
sua espessura ao longo dos diferentes sectores da dobra. São as dobras isopacas
ou concêntricas.
Dobras isopacas ou
concêntricas Foto de José Carlos Kullberg)
Num
estádio mais evoluído da deformação, em condições termodinâmicas
correspondentes a maiores profundidades, onde a ductilidade é já
suficientemente grande, as rochas, de um modo geral, sofrem um achatamento
generalizado, segundo uma direcção perpendicular à do esforço máximo a que são
sujeitas. Deste modo, as rochas argilosas adquirem xistosidade e as dobras
ficam com espessuras diferentes, mais delgadas nos flancos do que nas charneiras.
São as dobras anisopacas ou achatadas.
Em condições extremas de pressão e temperatura, correspondentes a grandes profundidades, as rochas comportam-se como fluidos viscosos, originando um tipo de dobras bastante diferente das anteriores, designadas por dobras de fluência.
Dobras de fluência em
migmatito (Imagem obtida em science.nationalgeographic.com)
A
deformação não é a mesma em todos os pontos de uma cadeia montanhosa, o que se
comprova pelo facto de exibirem zonas intensamente deformadas passando,
gradualmente, a outras, onde esse efeito não se faz sentir. As correspondentes
estruturas são tão variadas quanto as pressões e temperaturas que as criaram e
quantos os tipos de rocha ali representados. Assim, nas cadeias orogénicas é
possível distinguir vários domínios ou níveis estruturais, escalonados
consoante as profundidades a que se deram as respectivas deformações.
No
nível estrutural superior a deformação faz-se, essencialmente, por fracturação,
que tem lugar nas zonas mais superficiais da crosta sob pressões litostáticas
muito fracas ou, mesmo, nulas. Apenas as rochas muito plásticas (argilitos e
evaporitos) chegam a dobrar. É o domínio das falhas ou das fracturas. No nível
estrutural médio predomina a flexão; os materiais apresentam comportamento
dúctil. É o domínio ou zona das dobras isopacas ou concêntricas, frequentemente
acompanhadas de fracturação e de fendas de expansão no bordo convexo das
dobras. No nível estrutural inferior, muito vasto e podendo atingir espessuras
de 20 a 30 km, predomina o achatamento, evidenciado pela xistosidade, nas zonas
mais elevadas. Abaixo destas faz-se sentir a fluência e, finalmente, a
anatexia, isto é, a fusão dos materiais e consequente magmatismo que conduz à
formação dos migmatitos e dos granitos.
Granito (Imagem
obtida em www.granitosmarujo.com)
Galopim de Carvalho