Falou-se há dias no aparecimento de mais um número de uma revista, em Portalegre. Chegou, agora, a vez de ser criado mais um blog. Este acontecimento nada teria de anormal, não fosse o seu autor – António Martinó de Azevedo Coutinho – uma das figuras marcantes da cultura portalegrense dos nossos dias.
Tomando como título a designação popular Largo dos Correios, um espaço de Portalegre com antigas tradições, este blog vem enriquecer o panorama cultural desta bela, antiga mas tão esquecida cidade alentejana.
Transcreve-se o primeiro texto com que se iniciou o blog, sendo dele retiradas as figuras e vídeos, aliás muito significativos, mas que não se enquadram na estrutura do Educologia.
Mário Freire
A Senhora dos aneis
A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Portalegre organizou um notável evento, um Congresso Internacional de Cultura Lusófona Contemporânea, subordinado ao tema A Mulher na Literatura e Outras Artes.
Dispondo duma parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil), esta realização pretende instituir-se como um espaço de discussão e reflexão em torno das questões de género nas literaturas de expressão portuguesa contemporânea.
Logo a iniciar o Congresso, este contou com a presença da escritora Maria Teresa Horta que se comprometeu com a conferência de abertura, sob o título de Arte Poética.
A forçada ausência da Doutora Maria Helena Carvalhão Buescu, que a deveria apresentar, remeteu tal função para a jornalista Patrícia Reis, confessa admiradora e íntima amiga da co-autora das Novas Cartas Portuguesas.
Bem se poderá afirmar que logo aí começou o encantamento que prendeu todos os que tiveram a rara felicidade de partilhar, no auditório da ESEP, de um superior e prolongado momento de emoção elevada a um invulgar grau de qualidade e de afecto. Intercalando a apresentação, nada formal, da autora, Patrícia Reis evocou o seu próprio itinerário pessoal de descoberta, apreço, progressivo contacto e cumplicidade pessoal com Maria Teresa Horta. E leu de forma sentida alguns textos de ambas, na ilustração dum apaixonado relato que antecipou a revelação seguinte.
A senhora dos anéis, como acabara de ser retratada, surpreendeu-nos depois com a força duma palavra onde literatura e poesia se fundiram, em que até a própria e cuidada leitura traduziu a serena firmeza com que Maria Teresa Horta soube sempre enfrentar o risco e a esperança, num trajecto de intervenção cívica e cultural onde a coragem e a coerência foram permanentes marcas da sua invulgar personalidade.
Preenchendo a admirável descrição do seu percurso de vida, a poetisa foi declamando trechos da obra, enquanto pela sala perpassava um colectivo fascínio pela personalidade que todos prendia pela magia da autorizada palavra. Alguns dos episódios, como o das Três Marias, protagonizado com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, trouxe-nos a colorida descrição de dias de resistência, onde a literatura foi arma de combate contra a opressão, sobretudo a cultural.
Duma vida densamente preenchida pelo culto do jornalismo e do cineclubismo, Maria Teresa Horta soube trazer-nos com rigor e saudade momentos inesquecíveis que partilhou com todos aqueles que, presos pela sua fácil palavra, ali eram contagiados pela magia duma cultura viva e actuante.
Poetisa a tempo inteiro, anotando do quotidiano os permanentes pretextos de inspiração, a feminista militante evocou os marcos pessoais, hoje históricos, da sua rica e dinâmica existência. E lembrou companheiros e companheiras de jornada, quando até em França e nos Estados Unidos colheu inestimáveis apoios cívicos.
Desde Espelho Inicial, primeira obra publicada em 1960, até As Luzes de Leonor, a mais recente, Maria Teresa Horta evocou sobretudo Minha Senhora de Mim e A Paixão segundo Constança H. Descendente familiar da Marquesa de Alorna, dela herdou certamente o dom de uma poesia original de rara qualidade...
Se o uso da expressão “abrir com chave de ouro” alguma vez teve absoluta pertinência, então isso aconteceu no promissor arranque deste evento portalegrense. Que continue e se reforce.
Porque é sempre reconfortante e útil prolongar, partilhar ou guardar os momentos invulgares, tal é felizmente possível, por indirectos registos de arquivo, quanto a Maria Teresa Horta. Da excelente série literária Ler Mais Ler Melhor, da RTPN, podemos apreciar dois programas recentes, de 2011, sobre a vida da autora e sobre o episódio das Três Marias. Nestes relatos da poetisa, organizados com base na primeira pessoa, prolongamos o encantamento da sua recente estada entre nós, então bem ao vivo e em directo.
António Martinó de Azevedo Coutinho