sexta-feira, 31 de julho de 2015

UMA LUTA ANTIGA





            Quando iniciei a minha caminhada nos trilhos da Geologia, ainda na situação de estudante na Licenciatura, trazia como bagagem os conhecimentos bem organizados e bem explanados nos livros do professor João Carrington da Costa, da Universidade do Porto. Sem o espalhafato colorido e o estereotipado de conceitos, reduzidos a meras e rígidas definições de alguns dos livros actuais, o estilo literário, discursivo, dos textos deste que foi mestre de dois grandes nomes da geologia portuguesa – Carlos Teixeira, na Universidade de Lisboa, e Cotelo Neiva, na de Coimbra – ainda hoje convida à leitura, não obstante a natural desactualização de mais de seis décadas de espectaculares avanços.
            Melhor do que amestrar o aluno a responder, tantas vezes acriticamente, aos testes e exames, a prosa cuidada do professor Carrington despertava-lhe a curiosidade pelos problemas abordados e encaminhava-o a reflectir sobre eles. Tal era a sua capacidade de sintetizar, com inteligência, rigor e elegância escrita, longos trabalhos de outros autores que, dizia o professor Orlando Ribeiro, «se tivesse disponibilidade financeira, tê-lo-ia contratado para lhe fazer recensões inteligentes de teses de doutoramento e de outros calhamaços».
            A vivência que experimentei, como cidadão e como docente, sempre me confrontou com uma sociedade pouco interessada no conhecimento científico, em geral, e ainda menos no respeitante às ciências da Terra. Este panorama tocou-me bem de perto quando, terminado o liceu, em 1950, mostrei vontade de cursar Geologia e o meu pai me desviou desse propósito, argumentando que esse era um caminho sem futuro e que, aliás, em sua opinião, ninguém sabia o que era e para que servia esse curso. Biologia, sim, era um curso que, no dizer dele, tinha sempre colocação garantida como professor de liceu. O desconhecimento e o consequente pouco interesse, entre nós, pelas disciplinas da área da Geologia é um facto que pude constatar mesmo entre a generalidade dos meus concidadãos mais letrados, quadros superiores e outros. Quantos são, pergunte-se, os nossos juristas, economistas, gestores de empresas, autarcas e homens e mulheres saídos aos milhares das nossas escolas superiores de artes e letras, capazes de responder às mais elementares questões que os geólogos trouxeram e continuam a trazer à luz do conhecimento? Quantos são, por exemplo, os portugueses capazes de explicar o baixíssimo custo dos hoje vulgaríssimos relógios de quartzo? Ou porque é que o alumínio, que foi coisa rara e cara no tempo dos avós, invadiu os trens de cozinha e é hoje um dos metais mais usados na construção civil (em caixilharia)? Ou, ainda, porque é que há sal-gema em Loulé, antracite (carvão de pedra) nos arredores do Porto, ardósias em Valongo, mármores em Estremoz e minério de cobre no Baixo Alentejo? etc., etc..
            Todos conhecemos que o saber científico e, em particular, o do domínio da Geologia, não faz parte das preocupações da grande maioria dos nossos agentes de cultura, quase sempre vindos de todas as áreas, menos das científicas e tecnológicas. O nosso sistema de ensino sempre subalternizou as geociências. Neste contexto, a maioria dos portugueses viu e ainda vê no estudo dos minerais, das rochas e dos fósseis algo de desinteressante e enfadonho, a cumprir para efeitos de avaliação escolar e, de seguida, lançar no caixote do esquecimento.
            Uma tal realidade, vinda de muito longe e que, só mais recentemente, mostra alguma tendência a inverter-se, não tem conduzido ao despertar de vocações em número suficiente, nem tem criado condições que fizessem sentir a necessidade de criação de aberturas profissionais e correspondentes postos de trabalho. Em consequência, o número de geólogos portugueses é francamente baixo face à importância da sua especialização profissional numa sociedade em franca transformação, carente de desenvolvimento, necessariamente sustentado, compatível com os valores da natureza, onde a prospecção, estudo, exploração e gestão dos recursos geológicos (águas subterrâneas, combustíveis fósseis e nucleares, minérios e rochas ornamentais e industriais), a implantação de grandes obras de engenharia (barragens, pontes, portos), a prevenção de catástrofes naturais, (sismos, erupções vulcânicas, cheias, deslizamentos de terras), a defesa do ambiente, o ordenamento do território, etc., assumem cada vez maior relevo.
            Contam-se pelos dedos de uma mão as Câmaras Municipais que incluem um geólogo nos seus quadros. Juristas, economistas, arquitectos paisagistas têm que lhes chegue, mas geólogos, praticamente, nenhuns. Algumas dão emprego a arqueólogos, e bem hajam por isso, mas paleontólogos, zero.
            O leitor que, eventualmente, tenha acedido à prosa que fui publicando ao longo da última vintena de aos, notará alguma repetição no tocar insistente desta mesma tecla, a da relativamente pouca atenção dada às ciências geológicas nas nossas escolas, em contraste com a importância deste domínio científico e tecnológico na sociedade. Esta minha insistência faz parte de uma estratégia assumida como atitude cívica radicada numa convicção bem fundamentada e muito arreigada. Ela não é mais do que a continuação do caminho iniciado por outros, com destaque para o Prof. Carlos Teixeira, em prol da Geologia e da dignificação da profissão de geólogo. Há quase meio século, na oração de sapiência proferida na sessão solene de abertura do ano lectivo 1967-1968, na Universidade de Lisboa, dizia este meu professor: “O estado de avanço de um País pode medir-se pela qualidade e extensão da cartografia geológica de que dispõe. O mesmo se pode afirmar quanto ao número de geólogos que possui, em relação à superfície ou a população”. Mais adiante, discorrendo sobre a situação da Geologia em Portugal, afirmava que o “o nosso País não figura entre aqueles em que os estudos geológicos estão mais avançados” e continuava dizendo que “não está ainda difundido no País o conhecimento da função do geólogo” e que “muitos dos responsáveis pela orientação técnica de trabalhos públicos e particulares estão desactualizados e não possuem a noção exacta dos serviços prestados pela Geologia”. Infelizmente, pouco ou nada mudou, no que concerne esta afirmação.
Ao referir-se aos livros de ensino neste domínio do saber, o Prof. Carlos Teixeira denunciava que “são, em geral, deficientes, desactualizados, mal apresentados”, atribuindo essa responsabilidade não só aos autores mas, também, em grande parte, às comissões que os aprovavam, parcialmente desconhecedoras das matérias. A experiência do livro único era, em sua opinião, “longa e claramente demonstrativa da ineficiência do sistema, que submete o aluno e o professor à imposição nefasta do compêndio, às vezes pejado de erros”.
            Como se vê avançou-se muito pouco, entre nós, nesta luta por um “lugar ao sol” de uma ciência que, nos países verdadeiramente avançados, é parte desse mesmo sol.
            No fim de uma longa carreira no âmbito da docência, da investigação científica e da divulgação, com experiência como geólogo de campo na cartografia, na prospecção e no estudo de jazidas minerais de interesse económico, sinto-me motivado para reflectir em torno da cultura geológica dos portugueses.
            Fala-se hoje muito de dinossáurios e já se vai sabendo o que são os fósseis, mas isso é, sobretudo, uma feliz consequência da mediatização que dos grandes bichos se tem feito, pois o tema vende-se bem e a comunicação social tira disso o melhor proveito, o que é bom para todos. Nos restantes domínios das Ciências da Terra e com as excepções que é justo acautelar, a cultura geral dos portugueses, praticamente, não existe, mesmo entre a maioria dos nossos cidadãos mais letrados, incluindo alguns jornalistas que insistem em tratar-nos por arqueólogos.
            Neste domínio do conhecimento não se erra ao dizer que, em Portugal, o cidadão médio, ou não teve qualquer aprendizagem nesta área do saber, ou esqueceu o muito pouco que aprendeu, num desinteressante e tantas vezes ineficaz ensino destas matérias, como tem sido, nas últimas décadas, infelizmente, característica notada do nosso sistema escolar. Esta realidade, repito, está na base de uma manifesta inexistência de cultura geológica nacional, a começar pela maioria dos responsáveis políticos e da administração a todos os níveis. Uma tal carência está, por exemplo, patente na pobreza de terminologia geológica usada nos escassos diplomas legais onde, a custo, se pode encaixar a protecção do património geológico.
            A recente mudança do nome do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e depois ainda para Instituto d Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) foram decisões infelizes dos responsáveis e das respectivas tutelas que, talvez distraídas, a consentiram. Foi, ainda, uma decisão teimosa, desnecessária, redundante e ridícula, que denuncia a pouca atenção que estes senhores dedicam à geodiversidade, sem a qual (talvez eles andem esquecidos) não há biodiversidade. Nem esta que nos acompanha à superfície do planeta, nem a que só nos chega através das imagens colhidas nos campos hidrotermais das profundidades oceânicas.
            Através da Geologia poderemos explanar, de forma abrangente, ideias e interrogações que a todos interessam como, por exemplo, a origem, a constituição e a evolução do Sistema Solar, da Terra e da própria Vida. A estas questões universais, de pendor mais filosófico, juntam-se muitas mais, do domínio prático. Porque é que o Algarve é uma terra de lama vermelha no Inverno e de pó igualmente vermelho no verão, duas particularidades que marcam negativamente esta região tão assediada pelo turismo? Porque é que temos aqui, nesta ponta da Europa, a serra de Sintra, esta “pérola de petrografia mundial”? Porque é o norte do país mais montanhoso do que o sul? A que se deve a vasta lezíria do Tejo? Ou, ainda, porque emerge a vila de Ourique, altaneira, da extrema planura do Baixo Alentejo? São outras das muitas perguntas para as quais a geologia tem respostas, e que bom seria que um número cada vez maior de portugueses as fosse conhecendo.
            As Ciências da Terra não podem, pois, deixar de ter uma dimensão cultural ao dispor de toda a gente. Os professores devem ter consciência desta realidade quando se dirigem aos alunos. Não estão só a fornecer bases para eventuais licenciados em Geologia (sempre raros ou inexistentes numa qualquer turma escolar), estão, sobretudo e na maioria dos casos, a formar cidadãos para quem essas bases são fundamentais em termos de preparação global. Assim, o ensino do malfadado programa oficial deverá ser tornado atraente com elementos culturais ligados ao quotidiano dos alunos. As amarras do programa oficial e o obediente e acrítico manual escolar contrariam qualquer acção dos bons professores, no que toca o ensino vivo da disciplina. Porque não um programa mais flexível? Um programa que deixe, por exemplo, às escolas dos Açores ensinar vulcanismo a sério (qualquer das ilhas é um laboratório rico de extrema utilidade pedagógica, completamente desaproveitado) e permita aos do continente fomentar o gosto por este tipo de saber, iniciando os alunos na geologia da sua própria região: os granitos e os xistos no norte do país, as pirites e as sequências de rochas vulcânicas e sedimentares (Faixa Piritosa) no Baixo Alentejo, etc.. E porque não ligar estes conhecimentos às nossas origens como território e à sucessiva ocupação deste por outros povos e civilizações, em busca do ouro, do cobre, do estanho?
Se há domínios onde a regionalização faz sentido, o conhecimento geológico é certamente um deles. E, do mesmo modo que confiamos a nossa saúde ao médico, deveríamos dar ao professor alguma liberdade e tempo curricular para, em cada local e em cada oportunidade, escolher a melhor via formativa, o que não exclui a obrigatoriedade de cumprir um programa mínimo, criteriosamente escolhido, por quem tenha competência, não só pedagógica mas também científica, para o fazer.
            É urgente ultrapassar esta situação. E, enquanto o sistema educativo não fornecer aos nossos jovens a cultura geológica necessária e suficiente, é preciso que apareça mais gente a falar para fora das academias, para os professores e estudantes e para o cidadão comum que é, afinal, quem paga a investigação científica que andamos a fazer e a quem é devida justa retribuição.

                                 Galopim de Carvalho


quarta-feira, 29 de julho de 2015

FLEXIBILIDADE






Vive o demo contraído,
aferrado ao seu poder,
tenazmente endurecido
no pensar e proceder.

Que contraste há no semblante
de quem dança com a vida:
Ar alegre e confiante,
sendo espaço a dar guarida.

Ser flexível... porque não?
face a focos de tensão,
é tão bom descontrair.

Há na flexibilidade
tal doçura e à vontade.
É a vida em seu fluir.

João d'Alcor


segunda-feira, 27 de julho de 2015

PODE A ESCOLA ENSINAR COMPORTAMENTOS ÉTICOS?

                  



Os meios de comunicação social invadem-nos a toda a hora sobre comportamentos considerados menos claros quer de políticos, quer de altos funcionários administrativos, quer de banqueiros, quer de empresários... Por sua vez, muitas famílias, devido à sua desestruturação, não se encontram em condições para serem padrões de conduta compatíveis com modelos éticos para os seus filhos. É certo que o Estado garante condições para o ensino da religião e moral nos estabelecimentos de ensino público não superior. E essa garantia, podendo contribuir para dar aos alunos certos valores nesse domínio, só é acolhida por alguns. Há, ainda, fora da escola, a possibilidade de as crianças e os jovens frequentarem actividades em organizações que lhes possibilitam a aquisição de valores éticos (por exemplo, o movimento escutista).
De qualquer modo, no tempo em que vivemos, a escola é um dos redutos onde esses valores podem ser ensinados com proficiência. Ora, ela tem sempre a possibilidade de ensinar comportamentos éticos, quer através das decisões tomadas pelas direcções das escolas, quer dos comportamentos e atitudes dos professores dentro e fora da sala de aula, quer através dos conteúdos curriculares da maioria das disciplinas. O que interessava é que houvesse uma política de escola que considerasse os valores éticos como fazendo parte do currículo oculto, o qual, porém, poderia expressar-se nos modos e estratégias utilizadas nas várias disciplinas.
A maior parte das escolas tem normas de conduta que regulam as relações entre os seus intervenientes. Mas, mais do que isso, interessaria que os alunos internalizassem dois ou três princípios, nas suas relações com os outros, dentro e fora da escola. Um deles seria o de não fazer aos outros o que não desejariam que lhes fizessem. Outro, seria o de acreditarem que é melhor para a sociedade e para eles próprios obedecerem às regras e às leis estabelecidas do que não obedecer. Outro, talvez já não acessível à maioria, seria o de agirem de acordo com os valores que assimilaram, não importando as opiniões dos outros. É a coerência dos princípios que se defendem com as atitudes que se tomam. Um bom princípio para todos nós!


                                                 Mário Freire

sábado, 25 de julho de 2015

DANÇA DO MAR


 

Dança o mar a toda a hora

Não sei se ri ou se chora

Vai e vem a baloiçar.

Namora com uma estrela

Vai dormir nos braços dela
Nunca pára o seu bailar.

Passam gaivotas do sul.
O seu voo é mais azul
Se o mar as pode embalar.
E nas ondas da corrente
É morna a voz que se sente
De uma sereia a cantar.

Quando vem a maré cheia
Fica molhada a areia.
Nas rochas, restos de espuma.
Ouvem-se os búzios na praia
E a luz do sol desmaia
Se o céu, se veste de bruma.

E nesta dança constante
Muda, o mar, tão de repente
Astuto em sabedoria.
Vira o baile em tempestade
-Cautela que se faz tarde
O vento, ao mar, assobia!...

O mar verde tem mistério.
Mar azul é calmo e sério.
Há mares com nome de cores!
O mar negro tem magia
Mar vermelho, fantasia.
Mar é tela de pintores!...

Aldina Cortes Gaspar


“ IN PEDAÇOS”

quinta-feira, 23 de julho de 2015

FALANDO DE SOLOS

F


                                            Textura

Esta importante característica do solo é definida pela dimensão das partículas terrígenas nele contidas, encaradas como elementos de uma população, neste caso, a respectiva componente mineral.   Por influência dos colegas franceses, o estudo desta característica tem sido designado, entre nós, pela maioria dos autores, pelas expressões granulometria e análise granulométrica. Amplamente divulgadas na bibliografia científica da especialidade e nos manuais e outros textos dirigidos ao ensino, estas duas expressões, sinónimas entre si, apenas são correctas quando aplicadas aos sedimentos arenosos, siltosos e argilosos. Não o são, em rigor, quando se referem aos clastos grosseiros como são os calhaus, os seixos e outros  ruditos . Com efeito, o elemento grânulo (diminutivo de grão), usado na composição destas expressões, não é coerente com o carácter, por definição, grosseiro de conglomerados, brechas, cascalheiras, conheiras, moreias, etc.. Ao preferirem as designações textural analysis, mechanical analysis e size analysis,   os autores anglo-saxónicos encontraram maneira de contornar esta incoerência.
 Pioneiro da investigação sedimentológica, Soares de Carvalho, Professor jubilado da Universidade do Minho, com obra publicada neste domínio, propôs para este tipo de análise, em 1968, o nome dimensometria, que abandonou em favor da expressão análise dimensional, (equivalente do inglês size analysis) no que tem sido seguido por outros autores nacionais. Uma vez que, como se referiu atrás,  as dimensões dos elementos terrígenos são usadas na definição das texturas clásticas, a expressão análise  dimensional é, de facto, sinónima de análise textural. A outra expressão equivalente – análise mecânica – pouco ou nada usada entre nós, decorre, e bem, do capítulo da física, no qual se fundamenta este tipo de análise baseado, em especial, na crivagem, na queda por gravidade e na dinâmica dos fluidos. Não obstante as razões aduzidas, granulometria e análise granulométrica são hoje expressões generalizadas e consagradas entre muitos profissionais portugueses que utilizam esta técnica analítica (geólogos, pedólogos, geógrafos, engenheiros, etc.) e, como tal, ganharam direito a figurar no nosso vocabulário. Em conclusão, acentua-se que as expressões análise textural, análise dimensional, análise mecânica e análise granulométrica ou granulometria são sinónimas e todas elas (umas mais, outras menos) usadas entre nós.

Têm sido, ao longo dos anos, várias as propostas de escalas dimensionais com vista a este tipo de análise, não só de populações naturais (rochas detríticas e piroclásticas, rególitos e solos), como também de outras artificiais (britas, granulados e pulverizados das indústrias mineira, vidreira, cerâmica, alimentar, farmacêutica, etc.). Em 1898, o americano Johan August Udden (1859-1923) propôs a sua escala granulométrica, segundo uma progressão geométrica de razão 2 (ou 1/2, consoante o sentido do cálculo) com doze classes definidas pelos seguintes valores em milímetros: 16, 8, 4, 2, 1, 1/2, 1/4, 1/8, 1/16, 1/32, 1/64, 1/128 e 1/256. Anos mais tarde, em 1922, o seu discípulo Chester Keeler Wentworth (1891-1969) introduziu-lhe ligeiras alterações, alargando grandemente a sua utilização entre uma comunidade de sedimentólogos nascente e em crescimento. Em 1905, o alemão Albert Mauritz Atterberg (1846-1916) divulgou a sua classificação com base no valor unitário 2 mm, desenvolvida segundo uma progressão geométrica de razão 10 (dez), com os seguintes intervalos:
>200 mm – Block (bloco)
200 a 20 mm – Stein (burgau)
20 a 2 mm – Geröl (cascalho)
2 a 0,2 mm - gross Sand (areia grosseira)
0,02 a 0,002 mm - fein Sand ( areia fina)
0,002 a 0,0002 - Silt (limo)
<0,0002 – Ton (argila)
Segundo este autor, os valores escolhidos para limites das classes dimensionais propostas correspondem a pontos de mudança das propriedades físicas fundamentais dos clastos como, por exemplo, capilaridade, adesão, sensibilidade aos movimentos brownianos . A escala de Atterberg foi adoptada em 1927 pela Comissão Internacional da Ciência dos Solos, sendo ainda utilizada, em especial, nos laboratórios de Pedologia de muitos países europeus, entre eles, Portugal. Ao qualificarem os solos com base nesta distribuição dimensional, os pedólogos usam expressões como pedregoso ou cascalhento, arenoso ou areento, limoso ou siltoso, argiloso ou barrento  e outras que expressam termos intermediários, como argilo-limoso, silto-argiloso, areno-limoso, areno-argiloso, saibrento, piçarroso ou areno-pedregoso, etc. Ainda do ponto de vista textural, um solo é qualificado de equilibrado quando não revela predominância de umas classes dimensionais sobre as outras.
            A permeabilidade e a porosidade do solo e, consequentemente, a sua capacidade de retenção da água dependem grandemente da textura, o mesmo acontecendo com o seu comportamento químico e, daí, também com as respectivas aptidões agrícolas. Por seu turno, a textura depende da natureza da rocha mãe, da sua granularidade, da alterabilidade ou estabilidade dos seus minerais, do clima e, ainda, do pendor da superfície do terreno (declive).
            Com a prática, o pedólogo consegue ter uma avaliação aproximada da textura do solo, esfregando uma pequena porção seca entre os dedos, operação que lhe permite averiguar da sua “aspereza” ou “macieza”. Fazendo este tipo expedito de ensaio com a terra molhada, avalia as suas qualidades adesivas e a sua plasticidade, que sabemos serem função do teor de finos (limo e  argila).

                                         Galopim de Carvalho

terça-feira, 21 de julho de 2015

FIRMAMENTO






Aprecio o chão bem firme
 de nosso astro, a madre Terra.
Grande dita é o sentir-me
parte de quanto ele encerra.

Mui além de dormitório,
onde me é dado repousar,
serve-me ele de observatório.
Quanto enxergo não tem par:

Fabulosa imensidão,
tendo por palco a escuridão,
milhões de astros, a brilhar.

Deslumbrante o firmamento.
Cada qual, em movimento.
Em meu vogo, a contemplar.

João d'Alcor


domingo, 19 de julho de 2015

A LIBERDADE E A FRATERNIDADE PODEM SER ENSINADAS NA ESCOLA?

         



Caim e Abel eram irmãos, filhos dos mesmos pais. Eles, no entanto, diferiam muito um do outro. Esta fraternidade identificada na Bíblia não se distingue daquelas que a humanidade, ao longo dos tempos, vai produzindo. A uma mesma natureza humana, com igual dignidade, vão correspondendo, igualmente, pessoas diferentes, com capacidades diversas, com especificidades próprias. Esta nossa humanidade, partilhando da mesma natureza, por isso mesmo fraterna na sua origem, é portadora, pois, de uma grande riqueza. É esta multiplicidade de dons que a faz avançar. Mas também é esta variedade de personalidades, como as de Caim, “que interrompem tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deformam continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio” (Mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, 2015).
Mas a fraternidade implica que cada um, independentemente das suas capacidades, do seu saber e do seu poder, não coarcte o outro na liberdade de ser. Todo aquele que se vê limitado de crescer, de se acrescentar mais naquilo que é, está a ser maltratado na sua liberdade. Esta imposição da limitação da liberdade a outrem provém quer de pessoas individuais, quer de instituições, quer do próprio Estado e pode expressar-se em formas degradantes de trabalho, em condições de vida não compatíveis com a dignidade humana ou, ainda, na descartabilidade da pessoa, sendo esta tratada como um objecto. Todas estas situações em que se nega a fraternidade humana são fomentadoras de guerra e de revolta e, daí, está a atentar-se contra a liberdade humana.

Como é possível a escola fomentar estes valores? Claro que o substrato que cada um trouxer de casa sobre a prática da fraternidade e da liberdade muito ajudará a escola a complementar a sua tarefa. Há, no entanto, sempre oportunidades, em todas as disciplinas, de se sugerir que um aluno ajude um colega com mais dificuldades; de abordar temas de âmbito curricular onde se discuta até onde pode ir o uso da liberdade. Tudo depende da cultura da escola, da organização dos espaços mas, fundamentalmente, da iniciativa dos professores.

                                              Mário Freire

sexta-feira, 17 de julho de 2015

FRANCOFONIA




Quando, nos anos 50, frequentei a Universidade, a língua de Molière dominava nas relações académicas, nos compêndios e manuais de estudo. Neste período áureo da penetração da inteligência gaulesa na nossa vida cultural e científica, em particular no ensino superior e na investigação científica, a maioria dos estágios dos nossos assistentes e jovens investigadores tinha lugar em França, na maioria, em Paris. Recordo apenas os nomes dos grandes autores francófonos sobre os quais assentou o essencial da preparação dos geólogos da minha geração, das que me precederam e das que se me seguiram até ao advento da Teoria da Tectónica de Placas, nos anos 60. Foram nossos mestres, à distância e através dos seus livros, P. Fourmarier, L. Moret, J. Jung, M. Gignoux, A. Lacroix, P. Piveteau, P. Pruvost, E. Raguin, L. Cayeux, J. Bourcart, G. Millot, A. Vatan, A. Cailleux, entre outros. A par destes, os grandes autores alemães, mercê da língua, que só um ou outro dominavam, pouco saíam das estantes das bibliotecas. Com maior divulgação, mas não tanta quanto a dos livros em francês, havia os dos autores que faziam uso da língua inglesa, em especial, americanos, britânicos e um ou outro do Norte da Europa.
Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial deram hegemonia ao inglês, situação que se tem vindo a acentuar com a globalização de múltiplos sectores da actividade dos povos deste planeta já referido por alguns por “aldeia global”. Um caso paradigmático desta evolução passou-se com o livro “Géologie des Argiles”, de George Millot, editado pela Masson, Paris, em 1964. Obra notável e pioneira deste meu mestre, abriu-me o caminho ao estudo das bacias sedimentares continentais do Cenozóico português e permitiu que me antecipasse aos meus pares americanos e ingleses na interpretação paleogeográfica e paleoclimática deste tipo de estudos, dada a pouca penetração do francês no universo anglófono. As teses de doutoramento que defendi nas Universidade de Paris e de Lisboa, em 1964 e 1968, são disso testemunho. As concepções deste ilustre professor de Estrasburgo, só tiveram a divulgação que se impunha, e a correspondente penetração na comunidade dos sedimentólogos, a partir da edição deste seu livro, em inglês, na América, sob o título “Geology of Clays”, na Springer-Verlag, N.Y., em 1971.

Uma influência da francofonia, por exemplo, na nomenclatura das rochas foi a que, em minha opinião, deu origem a uma imprecisão que ainda hoje persiste em muitos manuais de ensino e, até, em textos científicos. Trata-se do uso da expressão rocha eruptiva, como sinónima de rocha magmática ou ígnea. O qualificativo magmática indica, e bem, que a rocha resultou da solidificação de um magma, isto é, um material rochoso total ou parcialmente no estado de fusão e, portanto, incandescente ou ígneo, magma de que temos exemplo aproximado na lava saída de uma erupção vulcânica. Neste caso, a rocha que se forma, o basalto, por exemplo, além de ser magmática ou ígnea, é também e de facto, eruptiva. Outras rochas magmáticas como o granito, resultam da solidificação em profundidade, na crosta, de magmas que nunca brotam à superfície e que, portanto não dão origem a erupções. Designar estas rochas por eruptivas é, por conseguinte, uma incoerência entre a realidade e o significado da palavra.
Os grandes petrógrafos franceses do princípio do século XX foram beber esta imprecisão, acriticamente, aos seus antecessores alemães, da segunda metade do século XIX, eles, sim, os criadores do termo germânico, Eruptivgestein, aplicado a qualquer rocha magmática, eruptiva ou não, e, daí, a expressão roche éruptive dos autores franceses. Foi, sobretudo, a partir destes que, também acriticamente, a expressão rocha eruptiva, com o mesmo significado de rocha magmática, entrou e teima em persistir, erroneamente, na terminologia geológica portuguesa.

                                 Galopim de Carvalho

quarta-feira, 15 de julho de 2015

CREPÚSCULO





As ondas do mar
Parecem rezar por detrás do rochedo.
E a brisa, ao passar
No seu balançar
Embala um segredo.

Avultam na areia
Tranças de sereia que o dia desmente.
O sol incendeia
O areal que ateia
Com excesso de gente.

Asas a voar
Salpicam o olhar, refrescam o dia.
Gaivotas bailando
Barcos balançando
…Que excelsa magia!..

Aldina Cortes Gaspar


“ IN PEDAÇOS”



segunda-feira, 13 de julho de 2015

FESTA






Acontece a quem quer festa
tantas voltas ter a dar,
que o próprio suor da testa
nem há tempo p’ra limpar.

Dispensá-la, isso não;
nunca a causa foi perdida:
É a boa reinação
o que traz sabor à vida.

Festas d’anos, de colheitas,
casamento ou romaria
aos santinhos do altar,

todas elas, contas feitas,
irradiam a alegria:

Vale a pena festejar.

João d'Alcor

sábado, 11 de julho de 2015

TRANSFORMAR A ESCOLA

                            

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são hoje uma realidade nas escolas. Na verdade, não faz sentido o aluno, através do seu telemóvel, tablet ou computador, estar constantemente em contacto com o mundo, aceder aos mais variados assuntos, utilizar as múltiplas funcionalidades dos mesmos, fora da escola e esta não fazer uso destes recursos de uma maneira educacional. A questão que se coloca é esta: em que medida o uso destes equipamentos pode proporcionar um novo modelo de ensino e de aprendizagem?
Ora, na Bélgica, no âmbito da União Europeia e nos Estados Unidos surgiram já laboratórios que tentam suscitar as mudanças que estas tecnologias proporcionam. A associação European Schoolnet, criada pelos ministros da Educação da U.E., procura encorajar as escolas a optimizar as TIC. Esta associação tem vários projectos em curso, em diferentes campos, todos eles, porém, tentando encontrar novas formas de aprender e de ensinar.
A título exemplificativo, indica-se um projecto que está em desenvolvimento, o Creative Classrooms Lab e que pretende responder, entre outras, à questão: será que investir em programas de computador se torna eficiente e tem sentido quando está a assistir-se à entrada em massa, no mercado, dos tablets? Que conselhos dar às escolas que pretendam adquirir esses tipos de equipamentos?
Por outro lado, no Future Classroom Lab, ainda no European Schoolnet, procuram encontrar-se novas maneiras de gerir os espaços na sala de aula em que a sala tradicional dá lugar a um espaço aberto com cinco zonas adaptadas às actividades de recolha de informação, seu tratamento, comunicação, divulgação e debate e produção multimédia.
Por sua vez, no projecto TEAL, no MIT, em Boston, nas salas existem várias mesas redondas, todas equipadas com computadores, ficando o professor no centro da sala, como recurso, enquanto que os estudantes trabalham em grupo e se ensinam uns aos outros.
A transformação da escola é uma exigência da sociedade! Mário Freire
Ora, na Bélgica, no âmbito da União Europeia e nos Estados Unidos surgiram já laboratórios que tentam suscitar as mudanças que estas tecnologias proporcionam. A associação European Schoolnet, criada pelos ministros da Educação da U.E., procura encorajar as escolas a optimizar as TIC. Esta associação tem vários projectos em curso, em diferentes campos, todos eles, porém, tentando encontrar novas formas de aprender e de ensinar.
A título exemplificativo, indica-se um projecto que está em desenvolvimento, o Creative Classrooms Lab e que pretende responder, entre outras, à questão: será que investir em programas de computador se torna eficiente e tem sentido quando está a assistir-se à entrada em massa, no mercado, dos tablets? Que conselhos dar às escolas que pretendam adquirir esses tipos de equipamentos?
Por outro lado, no Future Classroom Lab, ainda no European Schoolnet, procuram encontrar-se novas maneiras de gerir os espaços na sala de aula em que a sala tradicional dá lugar a um espaço aberto com cinco zonas adaptadas às actividades de recolha de informação, seu tratamento, comunicação, divulgação e debate e produção multimédia.
Por sua vez, no projecto TEAL, no MIT, em Boston, nas salas existem várias mesas redondas, todas equipadas com computadores, ficando o professor no centro da sala, como recurso, enquanto que os estudantes trabalham em grupo e se ensinam uns aos outros.

A transformação da escola é uma exigência da sociedade!

                                         Mário Freire

quinta-feira, 9 de julho de 2015

GAIVOTAS





Gaivotas em bando esvoaçam na praia.

Lenços brancos de seda, acenando ao voar.

Pedaços de neve na luz que desmaia

São velas acesas, à noite, no mar.

 

Gaivotas sem rumo paradas na margem.

Murmúrios velados que turvam o olhar.

Parece-me, ao vê-las, ser uma miragem.

Desejo de um sonho que tarda em chegar.

 

Parecem bandeiras quando abrem as asas.

Parecem crianças, de noite, a pintar

Seus sonhos de Paz no silêncio das casas

No azul do céu ou no verde do mar.

 

Só quero que nenhuma esvoace à deriva

Se o vento do Norte trouxer temporal.

Que nem uma gaivota, lá fique cativa!

Que sejam meninas de crescer, namorar.

 

Se alguém vislumbrar uma asa ferida

No sonho ou na rede d´ algum pescador

Que defenda, num brado, eterna guarida

Libertando as gaivotas, num gesto de Amor!...



Aldina Cortes Gaspar

“ IN PEDAÇOS”





terça-feira, 7 de julho de 2015

DE ESPANHA, NEM BOM VENTO NEM… BOA ÁGUA

         

            O planeamento dos recursos hídricos é cada vez mais importante, pois a pressão sobre a água vem aumentando devido a um consumo cada vez maior; isso poderá explicar-se tanto pela melhoria das condições de vida das populações, como pelo desenvolvimento dos sistemas de captação e distribuição de água.
            Em Portugal é possível que venha a registar-se falta de água; a que chega nos rios internacionais (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana), com forte dependência, face a Espanha, terá menor qualidade. É o que estima o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
            O Rio Tejo, que é o mais extenso da Península Ibérica, com aproximadamente 1000 km de extensão, nasce na Serra de Albarracin (Espanha) e desagua em Lisboa. Em Portugal, detém a maior das bacias hidrográficas. De ano para ano, o caudal do rio Tejo vai diminuindo e a água vai correndo cada vez mais poluída.
            As barragens, permitem a transferência de reservas hídricas entre diferentes bacias hidrográficas – transvases. A opção pelos transvases poderá ter implicações negativas como, por exemplo, a redução do escoamento a jusante do transvase e as perdas de água devido à maior evaporação e infiltração.
            Para agravar a situação, a Espanha está a construir um novo transvase de alimentação do rio Guadiana a partir do rio Tejo. De lembrar que nos anos 90, foi possível atravessar o rio Guadiana a pé enxuto, a montante da antiga fábrica da Portucel em Mourão.
             As águas que chegarão, por aquela via, a Portugal vindas de Espanha serão as águas residuais de milhões de madrilenos sem a adequada depuração, que entram no Tejo através do rio Jarama. A isto, haverá que acrescentar o efeito da poluição gerada pela indústria e agricultura intensiva espanholas.
            Existem diversas organizações, que reúnem entidades portuguesas e espanholas empenhadas na defesa dos rios; pretendem uma grande mobilização dos cidadãos da bacia do Tejo "em defesa de uma gestão razoável, sustentável, transparente e participativa da bacia hidrográfica do Tejo". Reclama-se o cumprimento da Directiva Quadro da Água junto da Comunidade Europeia, assegurando, designadamente, os caudais ecológicos. São preocupantes as alterações nos ecossistemas, face ao aumento da temperatura que resulta dos baixos caudais com efeitos nefastos na pesca, gastronomia e economia locais.
            Por sua vez, o Douro, outro importante rio internacional é, por vezes, referido como “um rio de extremos”, que corre com fúria no Inverno, mas abranda durante o Verão. No Inverno, “levamos” com a água toda, mas no Verão estamos sempre à espera que Espanha solte a água armazenada nas barragens de Ricobayo ou Almendra. Esta última, situada no rio Tormes, afluente do Douro, é um dos maiores empreendimentos hidroeléctricos da Europa e o exemplo do controlo que Espanha exerce sobre o rio Douro.
            Para Portugal, a regulamentação e o cumprimento das normas comunitárias e da convenção Luso – Espanhola, assumem pois a maior importância, pois que aflui ao território português água vinda de Espanha de importância fundamental para a economia do país. Só deste modo poderá assegurar-se a disponibilidade de água em quantidade suficiente e de boa qualidade, tanto para nós como para as gerações futuras.

                                                  FNeves



domingo, 5 de julho de 2015

À HORA DA SESTA



Demoro-me na janela.
Todos os traços
Que me embriagam os olhos
Emprestam às cores
Um tom impressionista.
As sombras são vidradas.
Como que aprisionados
 Pela sensualidade
Dois pássaros emergem
Enlaçados convergem
No tapete da tarde.
Há painéis de canções
Colares de margaridas.
E, no momento da sedução
Até as flores ficam coradas
Quando avistam as borboletas!...



Aldina Cortes Gaspar

sexta-feira, 3 de julho de 2015

OS CUSTOS DE UMA REPROVAÇÃO

     
                   
Foi emitida no passado mês de Fevereiro, pelo Conselho Nacional de Educação, uma recomendação, tendo em vista um conjunto de medidas ao nível da administração central, escolas, alunos e famílias, que combata a retenção escolar. Esta recomendação baseia-se na constatação de existirem mais de 150 000 alunos que, todos os anos, ficam retidos no mesmo ano de escolaridade mas que tal realidade em nada melhora o desempenho escolar desses mesmos alunos. Pelo contrário, tais alunos apresentam um maior risco de uma nova reprovação. São estes alunos que, nas aulas, evidenciam maior desmotivação e, consequentemente, uma maior propensão para a indisciplina.
O que se pretende com a retenção de um aluno num ano de escolaridade? Que ele fique mais motivado para o estudo quando vê os seus colegas transitarem de ano? Que as estratégias de ensino irão alterar-se no ano seguinte, de modo a proporcionar-lhe um maior empenhamento no estudo? Que irá ter matérias mais adequadas ao seu nível de desenvolvimento? Ora, nada disso acontece. Os conteúdos dos programas continuam os mesmos e as estratégias de ensino pouco irão modificar-se. O que, certamente, se alterará é a autoestima do aluno, levando-o a convencer-se que o insucesso faz parte da sua vida.    
O aluno ficar retido num ano, principalmente nos dois primeiros ciclos do básico, não significa maior exigência no ensino. O que significa é não haver mecanismos de personalização do ensino que atendam às dificuldades de determinado aluno, que lhe dê mais tempo, que o incentive nos seus pequenos êxitos no estudo, que com ele se procurem novas maneiras de aprender.
A passagem de ano de alunos com baixo rendimento escolar, principalmente nos dois primeiros ciclos do básico, exige uma atenção especial por parte do poder político, proporcionando meios e pessoas capazes de fazerem face ao insucesso escolar. E se este for adequadamente combatido, muito se poupará em indisciplina, abandono escolar, delinquência e criminalidade.

                               Mário Freire