quinta-feira, 30 de outubro de 2014

UM PLANETA ROCHOSO

                        


 A nossa Terra, um dos quatro planetas rochosos ou telúricos do Sistema Solar, tem nas rochas os seus principais constituintes. O estudo destes “documentos” naturais é, pois, tema central da geologia.
As rochas a que temos acesso directo representam uma pequeníssima mas importante parcela das resultantes da respectiva diferenciação e, à semelhança da água, do ar e dos seres vivos, são o resultado de imensas transformações, numa vasta e complexa rede de interacções ocorridas ao longo dos cerca de 4670 milhões de anos da sua história, plena de energia interna (sob a forma de calor) a que se adiciona toda a que lhe chega através da radiação solar. Como escreveu, em 1998, o malogrado Prof. Maurice Mattauer (1928-2009), “as rochas nascem, vivem e morrem. Como nós, elas têm uma idade e uma história”.
Os conhecimentos directos de que dispomos relativos às rochas da Terra limitam-se aos que se obtêm do estudo dos afloramentos rochosos de que dispomos à superfície, das amostras recolhidas em dragagens e perfurações nos fundos marinhos e das retiradas do subsolo, quer em minas, quer através de sondagens. As respectivas profundidades, que andam à roda de 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo (na península de Kola), podem considerar-se insignificantes, se comparadas com as três a quatro dezenas de quilómetros de espessura média da crosta continental.
A imensa maioria das rochas que podemos observar e colher (para estudar) nos referidos afloramentos foram geradas na crosta continental em resultado de afundamentos próprios da génese das montanhas, que podem ir até os 60 ou 70 km abaixo dos nossos pés e, posteriormente, trazidas à superfície, na sequência da elevação das mesmas e, subsequentemente, postas a descoberto pela erosão. Esta realidade permite-nos inferir acerca da generalidade das rochas que integram a totalidade da crosta continental.
Abaixo da crosta, algumas rochas, oriundas dos níveis mais periféricos do manto superior, afloram. Outras, existentes a muito maiores profundidades, inclusive do manto inferior, têm, em certas situações, possibilidade de ascender à superfície do planeta, onde as podemos observar. 
Em qualquer dos casos, há, certamente, diferenças entre o material chegado e exposto à superfície e o que ele foi no local de onde foi trazido. Mesmo assim, desprezando possíveis diferenças, os conhecimentos obtidos por esta via continuam a referir-se a uma delgada capa externa, mínima quando comparada com os cerca de 6370 km de raio desta quase esfera que é o nosso planeta. 
Muitas vezes referido (erroneamente) por “rocha-mãe do diamante”, o kimberlito é, sim e apenas, a rocha que, enquanto fluida, o transportou da profundidade para a superfície. O kimberlito alterado tem coloração amarela, sendo localmente referido por yellow ground, contrastando com a cor azulada da rocha sã, designada por blue ground. É conhecido vulcanismo kimberlítico no Arcaico, há mais de 2600 milhões de anos. Actualmente não existe actividade desta natureza, tendo a erupção mais recente ocorrido há cerca de 55 milhões de anos.
Com um raio de 3470 km e cerca de 1/3 da massa da Terra, a participação do núcleo na génese e evolução das rochas do planeta constitui um tema de investigação em curso. Sendo esta geosfera interna uma entidade com cerca de 1/3 da massa da Terra, particularmente quente (na ordem dos 6000 a 7000 oC), a sua influência na petrogénese, ainda que indirecta, é um facto. Admite-se que do calor libertado pelo núcleo, 90% é transferido através do manto até à base da litosfera, por convecção. O dos 10% restantes é transportado por plumas provindas do manto.
Em Josephine County (Oregon, EUA) aflora uma porção do manto e da crosta oceânica na sequência de um carreamento por obducção. À rocha peridotítica desta ocorrência está associada uma outra, a que foi dado o nome de josefinito, formada por uma liga de ferro-níquel e por uma granada com cálcio e ferro (andradite). Rocha muitíssimo rara, é interpretada por alguns autores como uma amostra oriunda de regiões de alta pressão do manto inferior ou, mesmo, da fronteira com o núcleo, transportada por plumas mantélicas até níveis mais superficiais. Estudos geoquímicos focalizados nos isótopos de ósmio (186Os e 187Os) levaram os seus autores (Brandon et al., Nature, Julho, 1998) a admitir que os basaltos das ilhas havaianas resultam de uma pluma mantélica que traz para a superfície materiais oriundos do núcleo metálico terrestre.

                                                 Galopim de Carvalho


terça-feira, 28 de outubro de 2014

EVITEMOS O CAOS AMBIENTAL





Os recursos de água doce não são inesgotáveis. A sua disponibilidade é cada vez menor devido à sua utilização intensa, muitas vezes duma forma irracional. Em consequência da explosão demográfica e do acréscimo rápido das necessidades da agricultura e da indústria modernas (consumo e processos produtivos) os recursos hídricos são objecto de uma solicitação crescente. Por exemplo, a indústria e a extracção mineira utilizam tecnologias que exigem grandes quantidades de água, gerando também grandes quantidades de efluentes que são devolvidos ao meio ambiente, muitas vezes sem tratamento adequado.
No caso da agricultura, as exigências de água também são muito grandes, especialmente em regiões de clima seco. Além disso, utilizam-se, por vezes, sistemas de irrigação que conduzem a grandes desperdícios. É paradigmático o desaparecimento do Mar do Aral, resultante da cultura intensiva mas insustentável do algodão por parte das autoridades russas.
No que diz respeito à utilização doméstica, em Portugal, desperdiçam-se cerca de 40 por cento da água disponibilizada pelos serviços de abastecimento. Inserido numa zona de risco de aquecimento global, Portugal enfrenta o gradual aumento de temperatura que significará uma diminuição dos seus recursos hídricos e obrigará a reformular os modelos de consumo.
Em todo o mundo, mais de mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável e mais de 2,5 mil milhões não têm acesso a um saneamento básico elementar.
A mudança, qualquer que seja, tem que partir do comportamento responsável de cada um de nós, dentro da nossa própria casa. A utilização da água deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração de qualidade das reservas actualmente disponíveis.

                                               FNeves



domingo, 26 de outubro de 2014

MERITOCRACIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DE ENSINO - VALORES SEM DISCUSSÃO?


                                                  


A propósito de um colóquio sobre o sucesso do sistema de ensino de alguns países asiáticos, foram referidas no meu último post duas metas que constituíam o leme da acção governativa de Singapura para a educação.
Enuncio, agora, as três características que enformam o sistema educativo singapuriano:
1 - Meritocracia. O discurso oficial pretende que todos tenham oportunidades iguais em matéria educativa. O mérito de cada um, fundado no trabalho individual que realiza e nas capacidades que evidencia, é avaliado através de exames nacionais, do primário ao pré-universitário.
2 – Diferenciação de percursos escolares, de acordo com as diferentes capacidades individuais. Estes percursos são estabelecidos desde o primário, de acordo com as pontuações obtidas nos exames nacionais, sendo os alunos encaminhados para vias de níveis de complexidade diferentes.
3 – Equilíbrio entre a definição política a nível central e a transferência progressiva da tomada de decisões para os responsáveis pelos estabelecimentos.
Duas considerações sobre as duas primeiras características que enquadram o sistema educativo de Singapura: a) – A meritocracia, tal como é praticada, fomenta a desigualdade, o elitismo, favorece os alunos mais dotados e os estabelecimentos mais prestigiados. A provar esta asserção está o facto de serem as minorias étnicas malaia e indiana que piores resultados obtêm nos exames, ao contrário da maioria chinesa, cujos resultados são melhores. b) A diferenciação de percursos escolares em idades escolares prematuras para alunos de ensino regular, com base nos exames nacionais, ignora todas as circunstâncias familiares, económicas e sociais adversas de que uma criança pode ser alvo e que lhe irão condicionar o rendimento escolar. Estas dificuldades e contradições têm sido, aliás, reconhecidas pelo próprio Governo que tem tentado, nos últimos dez anos, diminuir as desigualdades que o próprio sistema de ensino promove e acentua.
O sistema de ensino de Singapura tem, pois, aspectos positivos e negativos que suscitam reflexão. O sucesso nas cifras internacionais que ele proporciona, porém, não justifica que mereça, só por si, ser copiado.


                  Mário Freire

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ERMIDA




Mais e mais há, hoje em dia,
em que o caos é tanto, tanto,
busca, quase que à porfia,
de sossego, num recanto.

Vem do ermo o nome ermida.
Adequado ele é, por certo:
Torna-se ela, ao ser erguida,
vero oásis, num deserto.

Sentido há no estar a sós.
A babel da confusão
nos convida a entrar em nós.

- Há uma ermida interior
onde houver um coração
 com a chama do amor.

João d’Alcor


METAS EDUCACIONAIS PARA REFLECTIR





            Teve lugar no passado mês de Junho em Sèvres um colóquio internacional sobre os sistemas educativos asiáticos, tendo por protagonistas os países desta região que têm conseguido resultados brilhantes no programa PISA. Esclareça-se que este programa visa avaliar, em jovens de 15 anos, não apenas os conteúdos do seu currículo escolar mas, principalmente, a capacidade que eles têm em aplicar os conhecimentos aos desafios da vida real. Será que o modelo asiático pode ser exportado para a Europa? Esta foi a questão que esteve subjacente ao longo do colóquio.
Ora, se Xangai-China, Hong Kong-China, Japão e Coreia do Sul são territórios que se têm destacado pelos bons desempenhos dos seus alunos, Singapura mereceu, no entanto, ainda maior atenção. O seu ensino foi considerado como uma das principais referências pelos países que desejavam reformar os respectivos sistemas educacionais.
Esta Cidade-Estado, embora já tivesse a sua auto-governação alguns anos antes de 1963, só nesse ano se tornou um Estado totalmente independente. Os seus responsáveis educacionais definiram duas grandes metas que deviam nortear, a partir dessa altura, toda a acção educativa: 1- favorecer o crescimento económico nacional; 2- encorajar a coesão social e a identidade nacional no seio de uma população multi-étnica e multi-religiosa.
A primeira meta tentou ser alcançada através do reforço das competências em inglês, matemática e ciências, desde o primário até ao pré-universitário. Para se atingir a segunda meta, a coesão social e a identidade nacional, para além da preocupação pela literacia cívica, estabeleceram-se um conjunto de ritos diários nas escolas, entre os quais a recitação de um juramento de lealdade, o içar da bandeira e o canto do hino nacional. Estas metas nortearam, depois, um conjunto de princípios e de intervenções que têm sido sucessivamente adaptados às circunstâncias de hoje.
Algumas destas metas educacionais, com as devidas adaptações, não poderiam ser inspiradoras para Portugal?


                                            Mário Freire  

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

EQUILÍBRIO





Há nos pratos da balança,
quando ambos nivelados,
um sentido de bonança,
pesos bem equilibrados.

Equilíbrio mais notável
vem da vida em movimento:
Delicado mas viável,
se consegue, estando atento.

Sem motivo de ludíbrio
é o facto de cair:
Toda a gente faz enganos.

Cultivar o equilíbrio,
à vertigem resistir,
faz-nos sempre mais humanos.

João d’Alcor


sábado, 18 de outubro de 2014

AS REDES SOCIAIS E A ESCOLA

                              

A propósito das redes sociais, diria que à frase, atribuída a Descartes, de que “penso, logo existo”, se poderia substituir, nos dias de hoje, pela sua inversa, isto é, “se não sou participante no facebook, então não existo”.
Já aqui abordei o tema das redes sociais e das cautelas que o seu uso exige. Volto a esta temática por entender que a escola não pode alhear-se dela, na sua acção educativa. E a comprovar esta preocupação cito duas experiências de que tenho conhecimento, feitas em duas escolas secundárias francesas (Rumilly e Brest), a partir de uma rede social criada há pouco mais de três anos. Trata-se de uma rede ainda pouco conhecida em que os utilizadores não necessitam de se identificar nem de se cadastrar mas em que se fazem perguntas, versando, em regra, temas íntimos. O sucesso desta rede está a ser proporcional aos danos que tem provocado em muitos adolescentes, associando-se-lhe inúmeros casos de ciberbullying, ciber-assédio, ciber-perseguição, mensagens de ódio, pedofilia e, até, suicídio.
Ora a escola, a maior parte das vezes melhor do que os pais, está em condições de ensinar os seus alunos a lidar com os perigos que este tipo de redes é susceptível de gerar. Foi o que se fez na escola de Rumilly. Ela incentivou os alunos a fazer as suas próprias investigações acerca dessa rede (quem a criou, onde está a empresa, onde estão os servidores, aspectos técnicos da rede, polémicas que lhes estão associadas, conhecimento da lei aplicável à utilização de informações pessoais…).
Por sua vez, na escola de Brest a orientação foi totalmente diferente, convidando-se o aluno a criar uma conta para a personagem de um livro que os alunos andavam a estudar e suscitar em alguém, nessa rede, que fizesse perguntas sobre a personagem, que o utilizador julgaria como real. Claro que algumas destas perguntas iriam provocar uma leitura da obra com maior profundidade, ao mesmo tempo que a criatividade, o estudo literário e um uso adequado da rede social se combinavam entre si.
Enfim, a escola tem que saber combater o mal mas, também, saber utilizar para o bem aquilo que pode ser considerado como mal.


                                            Mário Freire

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

INCOMODA-ME A PESSOA OU A SITUAÇÃO?




               
Quando nos chateamos com alguém devido a uma situação com a qual não concordamos ou que nos cria desconforto, facilmente começamos a dizer mal do outro e a criticar a sua atitude. Por vezes, a desavença pode ser tão intensa que os envolvidos deixam mesmo de se falar, ou afastam-se porque se sentem magoados e feridos, alimentando uma revolta interior negativa.
Ora, se estamos a falar de contrariedades que não tocam valores de base, é benéfico conseguir distinguir a pessoa do conflito, como se fossem dois níveis distintos: a pessoa e a relação que se tem com ela é uma coisa, o conflito e/ou o mal-entendido é outra. Entrar em confronto porque não se concorda com a atitude do outro não implica necessariamente entrar em confronto com o outro. Não se gosta mais ou menos do outro pelos seus comportamentos a nosso (des)favor. Se o nosso amor é verdadeiro, podemos exprimir o que sentimos relativamente a uma situação concreta sem, com isso, entrarmos em guerra aberta com a outra parte. Mas, para isso, há que ter a capacidade de se ser honesto e verdadeiro. São estes elementos que vão dar espaço a uma relação autêntica e a autenticidade passa por exprimirmos o que sentimos.
Dando um exemplo simples: pedimos um favor a alguém que nos nega essa ajuda, dizendo-nos que não tem tempo. Podemos ficar irritados com aquela pessoa e entrar numa espiral de críticas e julgamentos que nos levam a sentir-nos ressabiados com ela; mas também podemos transmitir-lhe os nossos sentimentos de incómodo por termos de encontrar outra solução, e continuarmos a relacionar-nos com ela como dantes. Neste último caso, ficamos incomodados com a situação, mas não com o sujeito em si. São patamares distintos.
As situações podem chatear-nos mas resolvem-se, as pessoas merecem toda a nossa compreensão e afeto. Há sempre uma razão por detrás de cada atitude, nem sempre nos cabe julgar e decidir pelo outro. Para pedirmos respeito e aceitação dos outros, temos de saber respeitar e aceitar os outros.

                                         Rossana Appolloni

                                 www.rossana-appolloni.pt

terça-feira, 14 de outubro de 2014

EQUIDADE





Só pra poucos, o muito haver?
Má fé mostra um tal provento:
Gera em muitos o pouco ter,
dando isso azo ao lamento.

Da avareza nasce o dolo
gerador de escravidão.
Ser escravo, mas não tolo,
faz pensar na solução:

Sendo o muito para poucos,
sanatório p’ra tais loucos
obra é de caridade.

Face ao pouco que há pra muitos,
tenham estes, em seus intuitos,
implantar à equidade.

João d’Alcor



domingo, 12 de outubro de 2014

“O VALOR DA EDUCAÇÃO - TRAMPOLIM PARA O SUCESSO”





            Este é o título dum estudo apresentado já este ano, resultante de um inquérito feito pela HSBS e realizado junto de pais de alunos de 15 países de todos os continentes, excepto África. Refira-se que a HSBS é uma das maiores organizações de serviços financeiros e bancários do mundo.
Referir-me-ei, apenas, nas considerações que se seguem, ao subtítulo – springboard for success - trampolim para o sucesso. Esta última palavra, sem estar adjectivada, deixa-me uma certa ambiguidade. Que sucesso é este? É ganhar muito dinheiro? É ser o primeiro na empresa? É ser conhecido por muita gente? É ter um grande poder? Mas quantos daquelas e daqueles que tiveram este tipo de sucesso resolveram largar tudo o que faziam para se dedicarem a uma outra vida radicalmente diferente da que levaram?! E quantos outros, até, largaram a própria vida?!
            Julgo que o valor da educação não é o de proporcionar o sucesso, tal como o associamos ao de uma pessoa ser influente e vencedora. O grande valor da educação é o de abrir horizontes nos vários ramos do saber, proporcionando um enriquecimento pessoal em diferentes domínios, suscitando em cada um o exercício da liberdade da escolha, entre os múltiplos caminhos que se lhe apresentam. E é nas escolhas desses caminhos que podemos tentar compatibilizar as necessidades pessoais com a realização profissional e as exigências de serviço à sociedade.
            Nos dias que correm, nem sempre esses caminhos abundam; contudo, são as pessoas que maiores qualificações possuem que têm a possibilidade de criar um trabalho que lhes abra a porta para o que desejam fazer na vida ou de o ir procurar onde ele existe, mesmo fora do País. Se a educação que se pretende alcançar é a que proporciona a compatibilização atrás referida, poderei, então, concordar que ela seja um trampolim para o sucesso.


                               Mário Freire

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

AS MOCHILAS ESCOLARES, UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA



O mal não está nas mochilas, uma inteligente invenção para transportar cargas, por vezes com duas ou mais dezenas de quilos, deixando as mãos livres para tudo o que for preciso, apoiar o caminheiro segurando um varapau, tocar pífaro ou harmónica durante a marcha ou, até, caminhar de mãos nos bolsos.
Como campista de ocasião que fui, no tempo em que se podia, em segurança, praticar esta modalidade em regime selvagem, reconheço a imensa comodidade da mochila, sobretudo quando ela está equipada com uma armação de metal que torna o seu uso mais confortável. Mas uma coisa é um rapazinho ou uma rapariguinha de dez ou doze anos transportarem uma mochila carregada, durante umas horas de caminhada, uma, duas ou três vezes por ano, como campistas em tempo de férias escolares, outra coisa, é carregarem-na cheia, até mais não, de livros, cadernos e tudo o mais o que a escola determina, duas vezes, todos os dias, durante meses.
            É um atentado contra a saúde futura destas hoje crianças, suficientemente denunciado por profissionais conhecedores dos riscos desta prática. Lamentavelmente, não vejo quaisquer tomadas de posição oficiais para pôr cobro a esta estupidez. Não vejo ninguém com competência e poder institucionais levantar a voz contra esta prática. Nem vejo os pais mobilizados para promoverem a petição, que se impõe, dirigida à Assembleia da República.
No tempo da minha geração, das que a antecederam e das duas ou três que se seguiram não havia tanto livro e os que havia não eram tão grandes e pesados. Os cadernos eram pequenos, nada comparáveis aos dossiers A4 dos nossos filhos e netos, nem se usavam estes “cadernões” de agora, um por disciplina, onde os alunos têm de cumprir os trabalhos de casa, que, uma vez usados, não servem ao irmão que se segue nem a quem deles necessite. E as pastas eram, comparativamente pequenas, a condizer. Isso não impediu que estas gerações atingissem os níveis de competência profissional e cultural que atingiram.

Num País onde, com honrosíssimas excepções, a corrupção é uma desgraçada, vergonhosa e triste realidade, é-me lícito perguntar se não haverá por aí interesses escondidos.

                                                   Galopim de Carvalho


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

UMA METÁFORA AMBIENTAL




A palavra metáfora vem do grego, metaphorá que significa "meta" (além) mais "phorein" (transportar de um lugar para outro). Tem a conotação de transportar o sentido literal de uma palavra ou frase, dando-lhe um sentido figurado.
A metáfora que a seguir transcrevo, faz-nos reconsiderar a utilização que todos nós fazemos dos recursos ambientais.
“Uma mulher com sete filhos, passava o tempo a lastimar-se do seu infortúnio e das dificuldades que constantemente atravessava. Num dia de grande desespero, surgiu-lhe um anjo que lhe entregou um saco muito grande e lhe disse: ‘Despeja para dentro deste saco todos os teus problemas, mágoas e dificuldades’; levou-a então consigo até ao céu, transportando também o saco acabado de encher. Quando chegaram, a mulher ficou espantada. Lá bem no alto, em vez de encontrar um local aprazível deparou-se com um espaço muito grande, cheio de sacos, parecidos com o seu. Então o anjo disse-lhe: ‘Abandona o teu saco, vai ver os outros e leva, depois, contigo aquele de que mais gostares’.
Ao abrir os sacos a mulher verificou, admirada, que também estes continham coisas desagradáveis, semelhantes às suas.
Ao chegar a um saco que lhe parecia o último esvaziou-o por completo, separou o seu conteúdo e começou arrumá-lo de um modo mais adequado. E, depois, de o ter enchido de novo de uma forma organizada, gostou dele, pareceu-lhe mais leve e disse que o levava consigo de volta. Só então reparou que este saco que acabara de arrumar e lhe parecia mais leve, afinal… era o mesmo saco que tinha trazido!”

Esta metáfora oriental leva-nos a concluir que quando se esvazia um saco e se identifica o conteúdo, aprendendo depois a organizá-lo o saco torna-se, então, mais leve. Organizemos o conteúdo do saco dos problemas ambientais e poderemos verificar que a sua resolução se vai tornando mais fácil podendo, desse modo, conjuntamente com as entidades responsáveis, contribuir duma forma mais eficiente para o grande desígnio que é a protecção da natureza.

                                                     FNEVES


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

EQUAÇÃO


Quando um mal nos atormenta,
 faz tão bem desabafar:
Se era cento, nem cinquenta,
dele o peso vai ficar.

Já no campo da alegria,
se a soubermos partilhar,
tem no acto a garantia:
Passa logo a duplicar.

Fica a mente em confusão:
Face ao dito, põe seus quês;
Erros vê de palmatória...

Por seu lado, o coração
Equaciona o ser cortês.
Tabuada é outra história!

João d’Alcor





sábado, 4 de outubro de 2014

BOLO DE CHOCOLATE COM LIMÕES ?!


Quando nos preparamos para fazer um bolo parece-nos óbvio controlar primeiro os ingredientes que temos. Querer um bolo de chocolate quando o único ingrediente à disposição capaz de proporcionar sabor são limões é uma situação compreensivelmente absurda. Mas além do ingrediente principal (neste caso, o chocolate), precisamos de saber igualmente que outros ingredientes temos que nos ajudam a preparar o bolo: o tipo de farinha, o tipo de açúcar, os ovos dentro do prazo, depois ainda algum equipamento necessário (batedeiras, etc.), o forno adequado, enfim… pode não ser tarefa fácil, sobretudo se não temos nada do que é necessário para cozinhar o bolo de chocolate tal como o queríamos.
Ora, com o ser humano passa-se a mesma coisa. Nós somos um conjunto de ingredientes dotados de certas ferramentas capazes de construir relações e realizar sonhos. No entanto, antes ainda de definir o tipo de bolo/objetivo que queremos, temos de conhecer os ingredientes: quais são necessários e se os temos ou não. Grande parte das nossas frustrações nasce precisamente desta incongruência entre os objetivos estabelecidos e as ferramentas ao nosso dispor.
O primeiro passo é, portanto, o autoconhecimento: conhecer os nossos ingredientes e como funcionamos, caso contrário passamos a vida a querer bolos de chocolate quando só temos limões. O autoconhecimento é uma fase extremamente difícil, razão pela qual muitas pessoas fogem dela, preferindo continuar a viver na ilusão de terem o chocolate.
O segundo passo é a aceitação: não podendo fazer bolos de chocolate só com limões, em vez de vivermos na revolta de não termos chocolate, é mais sábio aceitarmos que também se podem fazer bolos com limões. Não será igual, mas será o que nos é possível. E provavelmente o resultado será surpreendente! Porém, aceitar não implica resignar-se. Uma atitude de resignação seria não fazer bolo nenhum. Aceitar significa tomar parte ativa da solução perante a situação tal como ela se apresenta. Só depois de conhecermos e aceitarmos o que temos é que podemos então elaborar o bolo. E garanto-lhe que, para si, será o melhor do mundo!

                                            Rossana Apolloni


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

ANTÓNIO AURÉLIO DA COSTA FERREIRA - UM PEDAGOGO A RECORDAR





            Numa altura em que está prestes a comemorar-se mais um aniversário da Implantação da República, é justo recordar este ilustre pedagogo.  Fez no passado dia 14 de Julho 92 anos que ele se suicidou com, apenas, 43 anos. Escrevia ele no jornal O Tempo, em 25 de Março de 1911: “Não é só útil aquele ensino que visa fornecer conhecimentos de imediata aplicação”. Ele devia visar também “criar um espírito científico, cultivar faculdades e aptidões, ensinar a observar, a experimentar, a raciocinar, a fomentar o espírito crítico, criar olhos para verem, mãos para trabalharem, cérebros para pensarem, para que os cérebros, olhos e mãos caminhem juntos e livremente”.
            António Aurélio da Costa Ferreira nasceu em 1879, no concelho do Funchal. Foi para Coimbra, tendo-se licenciado em Filosofia. Inscreveu-se, a seguir, em Medicina, tendo concluído este curso em 1905.
            Foi como educador e antropólogo que se notabilizou. Desempenhou, como educador, a partir de 1911, o cargo de Director da Casa Pia de Lisboa e aí teve um papel importante, tendo norteado a sua actuação dentro dos princípios da “Escola Nova”. Assim, concedeu às crianças e adolescentes a liberdade para que eles pudessem escolher, de acordo com as suas capacidades, as artes e os ofícios. Incentivou, igualmente, as aulas de trabalhos manuais, música e desporto.
Ele considerava a psicopedagogia como fundamental na formação de professores de crianças com e sem necessidades educativas especiais. Entendia, ainda, que o professor deveria visar o desenvolvimento de todas as capacidades do educando, sendo a escola o espaço que melhor contribuiria para apetrechar o aluno para o trabalho, para a vida, para a cidadania. Para isso, ao professor não bastava ensinar a ler, escrever e contar.
Costa Ferreira foi o pedagogo que, no início do século XX, preconizou que nenhuma criança, por maiores dificuldades que apresentasse, poderia deixar de ter acesso à educação. Uma das suas obras mais importantes no domínio da educação é Algumas lições de Psicologia e Pedologia, editada em 1921.
Na actividade política, foi deputado e ministro. Saiu, no entanto, desiludido da política activa. Atribui-se-lhe a seguinte frase: “Fui ministro. Foi esta a maior honra que alcancei, o maior sacrifício que fiz e o maior desgosto que até hoje experimentei. Hoje, em face do que para aí vai, não me contento já com não voltar a ser ministro; não quero ser político”.


                                                        Mário Freire