Foi pedida
recentemente, em França, a supressão da repetição de ano ao nível do ensino
primário. Esta reivindicação, embora não tivesse sido aceite, é apoiada por
trabalhos de diversos especialistas que estão convencidos da inutilidade da
repetição de ano.
Ora, esta repetição, ao nível do
ensino primário, enforma de, pelo menos, três equívocos: com o tempo o problema
acabará por solucionar-se; o aluno reinicia o estudo das mesmas matérias, com
idênticos métodos e nos mesmos tempos; a criança é culpabilizada pelo seu
insucesso.
Fazer repetir um ano a uma criança
significa dizer-lhe que ela tem menores capacidades que as outras; é
estigmatizá-la e segregá-la; é retirar-lhe confiança em si própria e imprimir-lhe
marcas psicológicas que, porventura, irão ficar-lhe pela vida fora.
Muitos professores, porém, manifestam-se contra a supressão da repetição
de ano porque isso induziria, segundo eles, uma dificuldade em fazer trabalhar
o aluno. Tal reacção tem subjacente a perda de poder que aparece ao professor
como desestabilizadora; o clima de ameaça que impenderia sobre o aluno seria,
assim, uma protecção do próprio sistema.
Mas se a repetição de ano acarreta
graves inconvenientes para a criança, a solução será a transição automática?
Tal não parece resolver o problema pois isso seria contribuir para a
perpetuação do analfabetismo e para o insucesso na vida.
Há,
pois, a nível de escola (e do sistema educativo!) que encontrar as soluções que
melhor respondam às dificuldades do aluno. E isso passa por se fazer um
diagnóstico dessas mesmas dificuldades, tentando, depois, encontrar os meios
para recuperar os deficits, dar mais tempo para certas aprendizagens, chamar os
pais a colaborar (ou, em casos extremos, procurar os próprios pais), solicitar
apoios fora da escola, dentro ou fora do Ministério da Educação...
Enfim,
a escola tem um papel crucial, que não é fácil, na recuperação dos alunos em
dificuldades. A solução, porém, não pode passar pela repetência pois esta é um
instrumento da manutenção das desigualdades sociais mas, acima de tudo, uma
violência psicológica em relação à criança.
Mário Freire