O testemunho de J. Silvestre Ribeiro
O
período convulsivo das lutas consequentes das invasões estrangeiras pôs em
evidência as dificuldades resultantes do analfabetismo existente. Ninguém
melhor que a organização militar poderia então responder a este desafio, apesar
de ser vulgar o conceito então divulgado de que os conhecimentos literários só
eram necessários ao 1º sargento que respondia pela companhia, podendo os
oficiais ser analfabetos.
O
testemunho de José Silvestre Ribeiro (1807-1891) confirma o funcionamento e a
eficiência das Escolas pelo Método do Ensino Mútuo, relatando um episódio da
sua vida escolar ao ver-se forçado a desistir da escola régia existente na
cidade de Castelo Branco, por troca com a Escola Regimental local.
Vejamos
os termos exactos em que o eminente político, ensaísta e historiador nos
exprime a sua leitura do facto:
“
Quando na cidade de Castelo Branco se abriu a escola regimental de cavalaria
num. 11, em virtude da providência governativa que registámos, alguns dos
filhos dos paizanos passaram immediatamente da aula regia civil para a militar,
como felizmente era permittido. D’esse numero foi o que ôra traça estas linhas;
e com toda a razão se effeituou essa passagem.
Era
summamente severo e aspero o professor regio de primeiras letras da mencionada
cidade, se bem que intelligente e habil . Por minha parte direi, que a tal
ponto me sentia repassado de susto, ao vel-o, e mormente quando a mim se
dirigia no tomar ou explicar a lição, que cheguei a crear uma repugnancia
invencivel ao estudo, e a fazer perder a meus paes a esperança de que eu
podesse jamais saber ler, escrever e contar.
Quiz,
porém, a minha boa sorte que se abrisse a aula do regimento de cavallaria num.
11, estacionado por aquelle tempo e ainda longos annos depois na indicada
cidade. Para a nova escola fui eu logo mandado pela minha familia, que
avisadamente aproveitou a previdente permissão de serem admittidos os filhos
dos paizanos.
Uma
revolução cabal se operou na minha pequenina individualidade. Desde logo tive a
satisfação de crear amor ao estudo, e de frequentar sem esforço, antes com
suave gosto a escola, que me parecia já um ceo aberto.
A
quem devia eu tamanha ventura ? Às maneiras affaveis, paternaes, e devo
dizel-o, verdadeiramente caritativas do professor militar, a quem confiada a
regencia da cadeira, o sargento de cavallaria num. 11, Antonio José Rodrigues.
Vede da natureza o
desconcerto
O
professor civil tinha a aspereza de um homem de guerra; o militar imitava a
mansidão preconizada nas memoráveis palavras: Sinite parvulos venire ad me
Antonio
José Rodrigues era dotado de uma bondade, de uma paciência, de uma dedicação
admiravel, que o tornavam muito proprio para encaminhar a infancia na
aprendizagem dos primeiros rudimentos das lettras. Principalmente o
caracterisava uma disposição muito decidida para ensinar os filhos de familias
humildes e pobres. Dir-se-ia que os seus desvelos cresciam na proporção do
desvalimento dos discipulos”(…)
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- Pode conjecturar-se que, não obstante a
inteligência, faltasse ao mestre a preparação técnica, e didáctico-pedagógica,
uma vez que foi do número dos recrutados por exame ad hoc e não existirem à
data escolas de formação....
- “Deixai vir até mim as crianças”
- RIBEIRO, José Silvestre - HISTORIA DOS
ESTABELECIMENTOS SCIENTIFICOS LITTERARIS E ARTISTICOS de PORTUGAL nos
sucessivos Reinados da Monarquia - obra monumentoal de 18 volumes - TYPOGRAPHIA
DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS, LISBOA -
1871-1891.
transcrição retirada
do Tomo III, 1873, pp.225-226.
Francisco Goulão