Esteve patente na Galeria de Exposições da Câmara Municipal de Portalegre, há já algum tempo, uma exposição de pintura de homenagem ao Professor Reis Pereira, comemorando os 80 anos da sua vinda para a cidade de Portalegre. Igualmente, durante vários meses, e integrada na mesma efeméride, apresentou-se ao público, no Castelo de Portalegre, uma outra exposição sobre alguns aspectos do quotidiano do Professor Reis Pereira, documentos da sua actividade profissional, tais como cadernetas de classificação dos alunos com os símbolos que ele utilizava, assim como aspectos da sua obra como José Régio, de poeta, dramaturgo, romancista e ensaísta.
As minhas visitas a estas exposições fizeram-me evocar alguns dos momentos, como aluno desse Professor.
Ele esteve em Portalegre entre 1929 e 1962, como professor de Português e de Francês do Liceu, e foi nesta cidade que escreveu a maior parte da sua obra poética e em prosa com o pseudónimo de José Régio.
Recordo, ainda, a sua figura pequena e de faces angulosas, ao entrar na sala de aula. Os alunos levantavam-se, como mandava a boa educação daqueles tempos. Depois, começava a aula. E a aula iniciava-se pelo folhear lento da caderneta, aquele livrinho, estigmatizado por todos nós, onde se assentavam as nossas classificações ao longo do ano, quer das chamadas orais, quer dos exercícios escritos. Abria a caderneta no princípio. Nós, alunos, sabíamos, então, em que posição da turma o Professor ia e, como tal, estávamos a par, em tempo real, como agora se diz, da nossa possibilidade de nos deslocarmos até à secretária. Confesso que aqueles momentos, da passagem lenta das folhas, num silêncio sepulcral, eram de grande ansiedade! Tomada por ele a decisão sobre quais os contemplados a serem chamados, seguia-se o alívio para a maior parte da turma, aqueles a quem a sorte ainda os tinha bafejado nesse dia. Mas a vez deles havia de chegar!
O que é que este ritual muito frequente, com as emoções que suscitava nas aulas de Reis Pereira, pretende significar? Significava que ele, como professor, era muito respeitado, por vezes, até temido. Não procurava a simpatia.
A sua exigência não enganava ninguém e isso obrigava-nos a sermos cuidadosos naquilo que dizíamos e naquilo que escrevíamos. Mas essa exigência e algum distanciamento eram temperados pelo empenhamento que punha em actividades fora da sala de aula, como a de organizador de récitas em que colaborava, sem qualquer formalidade, com os alunos.
Mas foi essa exigência dentro da sala de aula que melhor conheci no Professor Reis Pereira e que muito me ajudou quer a organizar os meus processos mentais através da análise sintáctica das orações, quer a abrir novas dimensões à imaginação e à criatividade através da interpretação dada a um texto.
Nunca me esquecerei, a propósito das figuras de Cristina e Madalena, em A Morgadinha dos Canaviais, da distinção que ele nos propôs que fizéssemos entre os qualificativos bonita e bela, quando aplicados por Júlio Dinis, respectivamente, àquelas duas figuras.
Por outro lado, não sei se ele andava a par das modernas teorias pedagógicas; no entanto, aplicava muito frequentemente aos alunos o Efeito de Pigmalião que diz que o formular expectativas elevadas em relação ao aluno, faz com que este tente concretizar essas mesmas expectativas junto do professor.
Estas minhas visitas àquelas exposições foram uma incursão na minha adolescência que me trouxe uma certa nostalgia mas, também, uma saudosa e grata recordação de um Professor que nunca esquecerei.
Mário Freire