Um dia, em conversa
com uma amiga, falávamos das voltas que a vida dá, dos desejos não realizados e
das concretizações inesperadas. Falávamos de mudanças e de estabilidade e, às
tantas, ela disse-me: «Não quero mudar absolutamente nada na minha vida. Estou
bem assim. Estou confortável como estou, considero-me uma pessoa feliz». Esta
afirmação teve em mim um impacto tão duvidoso quanto assustador. Porquê? Simplesmente
porque se a vida é um processo em constante evolução, como é possível não
querer mudar absolutamente nada? A mudança faz parte do processo natural do
desenvolvimento humano, pelo que, seguindo esta perspetiva, há sempre algo a
mudar: contactar outras realidades, ter uma experiência diferente, conhecer
pessoas novas introduzem mudanças na nossa vida. Mas ela não sente essa
necessidade, quer a vida exatamente como está. Uma pessoa que não quer mudar
nada recusa-se a crescer, a evoluir, a expandir a sua consciência. Life begins at the end of your confort zone
(a vida começa quando saímos da nossa zona de conforto) e quem se acomoda fica
condenado a murchar, é só uma questão de tempo.
Pensei em qual seria um
dos maiores desafios para sair da zona de conforto: viajar sozinha! Aqui perdemos
a segurança do ambiente social conhecido, perdemos o conforto da companhia
familiar, abandonamos referências e certezas para sentirmos uma liberdade tão
grande que nos invade as entranhas. Cada momento é uma escolha única e exclusivamente
nossa, e cada pormenor é valorizado como nunca: alguém que nos sorri, que nos
vê, que nos dirige a palavra… Quanto sentimos na pele o que verdadeiramente é a
solidão, a não pertença, a desadequação, ficamos mais recetivos, olhamos para
os outros com a comoção de quem não vê ninguém há muito tempo, apreciamos
paisagens como se nunca tivéssemos visto nada de semelhante, aceitamos os
imprevistos como parte do percurso, abrimo-nos ao desconhecido como fonte de
aprendizagem, tornamo-nos mais amáveis, sensíveis, gratos, flexíveis,
exploradores, autónomos, prestáveis, comunicadores com essência. Descobrimo-nos
capazes de coisas impensáveis, olhamos para o mundo com a inocência e a
curiosidade de uma criança ávida por descobrir mais e crescer, aprender,
desenvolver-se e sentir-se parte daquela gente. E nesta viagem reconhecemos as
nossas potencialidades, assumimos a responsabilidade pelas escolhas que
fazemos, escolhas essas fruto de uma autonomia e desprendimento de deveres ou
obrigações. Ficamos mais abertos ao próximo porque não há nada que nos prende; aceitamos
a sua dança enquanto nos apetecer. E quando chegamos ao fim seremos pessoas certamente
mais ricas. Recordaremos o sorriso que iluminou o nosso caminho, o encontro que
abraçou a nossa alma. Fôssemos nós capazes de levar a vida como uma viagem
sozinhos, onde nada é garantido, nada é certo nem seguro, mas onde cada
encontro faz a diferença. Sozinhos, lá fora, não somos ninguém, mas somos mais
nós próprios.
Rossana Appolloni
www.rossana-appolloni.pt