quinta-feira, 29 de outubro de 2015

GEOLOGIA E CIDADANIA




Quando iniciei a minha caminhada nos trilhos da Geologia, ainda na situação de estudante na Licenciatura, trazia como bagagem os conhecimentos bem organizados e bem explanados nos livros do professor João Carrington da Costa, da Universidade do Porto. Sem o espalhafato colorido e o estereotipado de conceitos, reduzidos a meras e rígidas definições de alguns dos livros actuais, o estilo literário, discursivo, dos textos deste que foi mestre de dois grandes nomes da geologia portuguesa – Carlos Teixeira, na Universidade de Lisboa, e Cotelo Neiva, na de Coimbra – ainda hoje convida à leitura, não obstante a natural desactualização de mais de seis décadas de espectaculares avanços.
       Melhor do que amestrar o aluno a responder, tantas vezes acriticamente, aos testes e exames, a prosa cuidada do professor Carrington despertava-lhe a curiosidade pelos problemas abordados e encaminhava-o a reflectir sobre eles. Tal era a sua capacidade de sintetizar, com inteligência, rigor e elegância escrita, longos trabalhos de outros autores que, dizia o professor Orlando Ribeiro, «se tivesse disponibilidade financeira, tê-lo-ia contratado para lhe fazer recensões inteligentes de teses de doutoramento e de outros calhamaços».
       A vivência que experimentei, como cidadão e como docente, sempre me confrontou com uma sociedade pouco interessada no conhecimento científico, em geral, e ainda menos no respeitante às ciências da Terra. Este panorama tocou-me bem de perto quando, terminado o liceu, em 1950, mostrei vontade de cursar Geologia e o meu pai me desviou desse propósito, argumentando que esse era um caminho sem futuro e que, aliás, em sua opinião, ninguém sabia o que era e para que servia esse curso. Biologia, sim, era um curso que, no dizer dele, tinha sempre colocação garantida como professor de liceu. O desconhecimento e o consequente pouco interesse, entre nós, pelas disciplinas da área da Geologia é um facto que pude constatar mesmo entre a generalidade dos meus concidadãos mais letrados, quadros superiores e outros. Quantos são, pergunte-se, os nossos juristas, economistas, gestores de empresas, autarcas e homens e mulheres saídos aos milhares das nossas escolas superiores de artes e letras, capazes de responder às mais elementares questões que os geólogos trouxeram e continuam a trazer à luz do conhecimento? Quantos são, por exemplo, os portugueses capazes de explicar o baixíssimo custo dos hoje vulgaríssimos relógios de quartzo? Ou porque é que o alumínio, que foi coisa rara e cara no tempo dos avós, invadiu os trens de cozinha e é hoje um dos metais mais usados na construção civil (em caixilharia)? Ou, ainda, porque é que há sal-gema em Loulé, antracite (carvão de pedra) nos arredores do Porto, ardósias em Valongo, mármores em Estremoz e minério de cobre no Baixo Alentejo? etc., etc..
       Todos conhecemos que o saber científico e, em particular, o do domínio da Geologia, não faz parte das preocupações da grande maioria dos nossos agentes de cultura, quase sempre vindos de todas as áreas, menos das científicas e tecnológicas. O nosso sistema de ensino sempre subalternizou as geociências. Neste contexto, a maioria dos portugueses viu e ainda vê no estudo dos minerais, das rochas e dos fósseis algo de desinteressante e enfadonho, a cumprir para efeitos de avaliação escolar e, de seguida, lançar no caixote do esquecimento.
       Uma tal realidade, vinda de muito longe e que, só mais recentemente, mostra alguma tendência a inverter-se, não tem conduzido ao despertar de vocações em número suficiente, nem tem criado condições que fizessem sentir a necessidade de criação de aberturas profissionais e correspondentes postos de trabalho. Em consequência, o número de geólogos portugueses é francamente baixo face à importância da sua especialização profissional numa sociedade em franca transformação, carente de desenvolvimento, necessariamente sustentado, compatível com os valores da natureza, onde a prospecção, estudo, exploração e gestão dos recursos geológicos (águas subterrâneas, combustíveis fósseis e nucleares, minérios e rochas ornamentais e industriais), a implantação de grandes obras de engenharia (barragens, pontes, portos), a prevenção de catástrofes naturais, (sismos, erupções vulcânicas, cheias, deslizamentos de terras), a defesa do ambiente, o ordenamento do território, etc., assumem cada vez maior relevo.
       Contam-se pelos dedos de uma mão as Câmaras Municipais que incluem um geólogo nos seus quadros. Juristas, economistas, arquitectos paisagistas têm que lhes chegue, mas geólogos, praticamente, nenhuns. Algumas dão emprego a arqueólogos, e bem hajam por isso, mas paleontólogos, zero.
       O leitor que, eventualmente, tenha acedido à prosa que fui publicando ao longo da última vintena de aos, notará alguma repetição no tocar insistente desta mesma tecla, a da relativamente pouca atenção dada às ciências geológicas nas nossas escolas, em contraste com a importância deste domínio científico e tecnológico na sociedade. Esta minha insistência faz parte de uma estratégia assumida como atitude cívica radicada numa convicção bem fundamentada e muito arreigada. Ela não é mais do que a continuação do caminho iniciado por outros, com destaque para o Prof. Carlos Teixeira, em prol da Geologia e da dignificação da profissão de geólogo. Há quase meio século, na oração de sapiência proferida na sessão solene de abertura do ano lectivo 1967-1968, na Universidade de Lisboa, dizia este meu professor: “O estado de avanço de um País pode medir-se pela qualidade e extensão da cartografia geológica de que dispõe. O mesmo se pode afirmar quanto ao número de geólogos que possui, em relação à superfície ou a população”. Mais adiante, discorrendo sobre a situação da Geologia em Portugal, afirmava que o “o nosso País não figura entre aqueles em que os estudos geológicos estão mais avançados” e continuava dizendo que “não está ainda difundido no País o conhecimento da função do geólogo” e que “muitos dos responsáveis pela orientação técnica de trabalhos públicos e particulares estão desactualizados e não possuem a noção exacta dos serviços prestados pela Geologia”. Infelizmente, pouco ou nada mudou, no que concerne esta afirmação.
Ao referir-se aos livros de ensino neste domínio do saber, o Prof. Carlos Teixeira denunciava que “são, em geral, deficientes, desactualizados, mal apresentados”, atribuindo essa responsabilidade não só aos autores mas, também, em grande parte, às comissões que os aprovavam, parcialmente desconhecedoras das matérias. A experiência do livro único era, em sua opinião, “longa e claramente demonstrativa da ineficiência do sistema, que submete o aluno e o professor à imposição nefasta do compêndio, às vezes pejado de erros”.
       Como se vê avançou-se muito pouco, entre nós, nesta luta por um “lugar ao sol” de uma ciência que, nos países verdadeiramente avançados, é parte desse mesmo sol.
       No fim de uma longa carreira no âmbito da docência, da investigação científica e da divulgação, com experiência como geólogo de campo na cartografia, na prospecção e no estudo de jazidas minerais de interesse económico, sinto-me motivado para reflectir em torno da cultura geológica dos portugueses.
       Fala-se hoje muito de dinossáurios e já se vai sabendo o que são os fósseis, mas isso é, sobretudo, uma feliz consequência da mediatização que dos grandes bichos se tem feito, pois o tema vende-se bem e a comunicação social tira disso o melhor proveito, o que é bom para todos. Nos restantes domínios das Ciências da Terra e com as excepções que é justo acautelar, a cultura geral dos portugueses, praticamente, não existe, mesmo entre a maioria dos nossos cidadãos mais letrados, incluindo alguns jornalistas que insistem em tratar-nos por arqueólogos.
       Neste domínio do conhecimento não se erra ao dizer que, em Portugal, o cidadão médio, ou não teve qualquer aprendizagem nesta área do saber, ou esqueceu o muito pouco que aprendeu, num desinteressante e tantas vezes ineficaz ensino destas matérias, como tem sido, nas últimas décadas, infelizmente, característica notada do nosso sistema escolar. Esta realidade, repito, está na base de uma manifesta inexistência de cultura geológica nacional, a começar pela maioria dos responsáveis políticos e da administração a todos os níveis. Uma tal carência está, por exemplo, patente na pobreza de terminologia geológica usada nos escassos diplomas legais onde, a custo, se pode encaixar a protecção do património geológico.
       A recente mudança do nome do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e depois ainda para Instituto d Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) foram decisões infelizes dos responsáveis e das respectivas tutelas que, talvez distraídas, a consentiram. Foi, ainda, uma decisão teimosa, desnecessária, redundante e ridícula, que denuncia a pouca atenção que estes senhores dedicam à geodiversidade, sem a qual (talvez eles andem esquecidos) não há biodiversidade. Nem esta que nos acompanha à superfície do planeta, nem a que só nos chega através das imagens colhidas nos campos hidrotermais das profundidades oceânicas.
       Através da Geologia poderemos explanar, de forma abrangente, ideias e interrogações que a todos interessam como, por exemplo, a origem, a constituição e a evolução do Sistema Solar, da Terra e da própria Vida. A estas questões universais, de pendor mais filosófico, juntam-se muitas mais, do domínio prático. Porque é que o Algarve é uma terra de lama vermelha no Inverno e de pó igualmente vermelho no verão, duas particularidades que marcam negativamente esta região tão assediada pelo turismo? Porque é que temos aqui, nesta ponta da Europa, a serra de Sintra, esta “pérola de petrografia mundial”? Porque é o norte do país mais montanhoso do que o sul? A que se deve a vasta lezíria do Tejo? Ou, ainda, porque emerge a vila de Ourique, altaneira, da extrema planura do Baixo Alentejo? São outras das muitas perguntas para as quais a geologia tem respostas, e que bom seria que um número cada vez maior de portugueses as fosse conhecendo.
       As Ciências da Terra não podem, pois, deixar de ter uma dimensão cultural ao dispor de toda a gente. Os professores devem ter consciência desta realidade quando se dirigem aos alunos. Não estão só a fornecer bases para eventuais licenciados em Geologia (sempre raros ou inexistentes numa qualquer turma escolar), estão, sobretudo e na maioria dos casos, a formar cidadãos para quem essas bases são fundamentais em termos de preparação global. Assim, o ensino do malfadado programa oficial deverá ser tornado atraente com elementos culturais ligados ao quotidiano dos alunos. As amarras do programa oficial e o obediente e acrítico manual escolar contrariam qualquer acção dos bons professores, no que toca o ensino vivo da disciplina. Porque não um programa mais flexível? Um programa que deixe, por exemplo, às escolas dos Açores ensinar vulcanismo a sério (qualquer das ilhas é um laboratório rico de extrema utilidade pedagógica, completamente desaproveitado) e permita aos do continente fomentar o gosto por este tipo de saber, iniciando os alunos na geologia da sua própria região: os granitos e os xistos no norte do país, as pirites e as sequências de rochas vulcânicas e sedimentares (Faixa Piritosa) no Baixo Alentejo, etc.. E porque não ligar estes conhecimentos às nossas origens como território e à sucessiva ocupação deste por outros povos e civilizações, em busca do ouro, do cobre, do estanho?
Se há domínios onde a regionalização faz sentido, o conhecimento geológico é certamente um deles. E, do mesmo modo que confiamos a nossa saúde ao médico, deveríamos dar ao professor alguma liberdade e tempo curricular para, em cada local e em cada oportunidade, escolher a melhor via formativa, o que não exclui a obrigatoriedade de cumprir um programa mínimo, criteriosamente escolhido, por quem tenha competência, não só pedagógica mas também científica, para o fazer.
       É urgente ultrapassar esta situação. E, enquanto o sistema educativo não fornecer aos nossos jovens a cultura geológica necessária e suficiente, é preciso que apareça mais gente a falar para fora das academias, para os professores e estudantes e para o cidadão comum que é, afinal, quem paga a investigação científica que andamos a fazer e a quem é devida justa retribuição.

                               Galopim de Carvalho


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O DESAFIO DA VIAGEM





Um dia, em conversa com uma amiga, falávamos das voltas que a vida dá, dos desejos não realizados e das concretizações inesperadas. Falávamos de mudanças e de estabilidade e, às tantas, ela disse-me: «Não quero mudar absolutamente nada na minha vida. Estou bem assim. Estou confortável como estou, considero-me uma pessoa feliz». Esta afirmação teve em mim um impacto tão duvidoso quanto assustador. Porquê? Simplesmente porque se a vida é um processo em constante evolução, como é possível não querer mudar absolutamente nada? A mudança faz parte do processo natural do desenvolvimento humano, pelo que, seguindo esta perspetiva, há sempre algo a mudar: contactar outras realidades, ter uma experiência diferente, conhecer pessoas novas introduzem mudanças na nossa vida. Mas ela não sente essa necessidade, quer a vida exatamente como está. Uma pessoa que não quer mudar nada recusa-se a crescer, a evoluir, a expandir a sua consciência. Life begins at the end of your confort zone (a vida começa quando saímos da nossa zona de conforto) e quem se acomoda fica condenado a murchar, é só uma questão de tempo.
Pensei em qual seria um dos maiores desafios para sair da zona de conforto: viajar sozinha! Aqui perdemos a segurança do ambiente social conhecido, perdemos o conforto da companhia familiar, abandonamos referências e certezas para sentirmos uma liberdade tão grande que nos invade as entranhas. Cada momento é uma escolha única e exclusivamente nossa, e cada pormenor é valorizado como nunca: alguém que nos sorri, que nos vê, que nos dirige a palavra… Quanto sentimos na pele o que verdadeiramente é a solidão, a não pertença, a desadequação, ficamos mais recetivos, olhamos para os outros com a comoção de quem não vê ninguém há muito tempo, apreciamos paisagens como se nunca tivéssemos visto nada de semelhante, aceitamos os imprevistos como parte do percurso, abrimo-nos ao desconhecido como fonte de aprendizagem, tornamo-nos mais amáveis, sensíveis, gratos, flexíveis, exploradores, autónomos, prestáveis, comunicadores com essência. Descobrimo-nos capazes de coisas impensáveis, olhamos para o mundo com a inocência e a curiosidade de uma criança ávida por descobrir mais e crescer, aprender, desenvolver-se e sentir-se parte daquela gente. E nesta viagem reconhecemos as nossas potencialidades, assumimos a responsabilidade pelas escolhas que fazemos, escolhas essas fruto de uma autonomia e desprendimento de deveres ou obrigações. Ficamos mais abertos ao próximo porque não há nada que nos prende; aceitamos a sua dança enquanto nos apetecer. E quando chegamos ao fim seremos pessoas certamente mais ricas. Recordaremos o sorriso que iluminou o nosso caminho, o encontro que abraçou a nossa alma. Fôssemos nós capazes de levar a vida como uma viagem sozinhos, onde nada é garantido, nada é certo nem seguro, mas onde cada encontro faz a diferença. Sozinhos, lá fora, não somos ninguém, mas somos mais nós próprios.

Rossana Appolloni

www.rossana-appolloni.pt

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

TEMPO DE AMAR





Num ápice rompe o sol
Num rasgo matinal.
Num sopro de águas, mil
Escorrendo do beiral.
Singelas flores de Abril
Fontes d´águas frágeis
Cascatas de voz pueril
De gestos frescos, ágeis…

Novamente, em Abril
O caminhar dos rebanhos.
O novelo do redil
Em cordões de vários tamanhos.
…E o despertar das flores
P´las veredas, em corredores?!...

A casta Natureza
Na flauta de um pastor
Decreta estar aberto
O Tempo do Amor!...




Aldina Cortes Gaspar

terça-feira, 20 de outubro de 2015

UM DIÁLOGO...AMBIENTAL





Um diálogo imaginado, entre dois amigos do ambiente:

-Bom Dia, como estás?
-Estou bem, obrigado e tu?

-Também estou bem. Mas porque estás tão preocupado?
-Estou preocupado  por causa da crescente poluição ambiental.

-Sim, o nosso ambiente está em perigo, tem sido gravemente poluído.
-Tens toda a razão. O problema da poluição ambiental é sério e constitui um desafio quer para os seres humanos quer para os restantes animais.

-Que dizes acerca das suas consequências?
-As consequências são sérias, conduzem a um desequilíbrio ambiental e provocam desastres naturais.

-O aquecimento global resulta da poluição ambiental. Estás de acordo?
-Concordo e penso mesmo que contribuirá para a extinção de algumas espécies.

-Exactamente. Além disso o degelo e a subida do nível da água do mar serão consequência da poluição ambiental?
-Sim, com certeza; é também devido à poluição ambiental que estamos a sofrer de vários tipos doenças, nomeadamente doenças respiratórias graves.

-Mas que poderemos fazer para prevenir a poluição ambiental?
-Deveremos começar por alertar para os efeitos nocivos da poluição, incentivando o seu controlo através de práticas centradas na consciencialização, mudança de comportamento, desenvolvimento de competências e participação dos cidadãos.


É cada vez mais difícil manter uma qualidade de vida aceitável em muitas regiões. Por isso haverá que garantir padrões ambientais adequados através da estimulação da consciência ambiental centrada no exercício da cidadania.


                                           FNeves

sábado, 17 de outubro de 2015

OS PODERES NA FAMÍLIA E NA ESCOLA

                           



Na maior parte das instituições sejam elas a família, a escola, a empresa, existe uma relação de poder entre os elementos que as constituem. Na família essa relação pode assumir várias formas. Se há um poder de um dos elementos do casal que tudo decide, sem fazer participar o outro nas decisões, é natural que essa relação estiole e acabe por morrer. Se o poder do casal se diversifica e se compartilha, então esta união tem melhores condições para se manter e contribuir para a felicidade desse casal.
Há, também, relações de poder entre pais e filhos. Por que razão se diz hoje que muitos pais se demitem da sua função de educadores? Porque sobre eles se exerce um poder – o dos filhos – a que são incapazes de resistir. Para isso, é preciso saber dizer-lhes não. E tal significa que o não, para que possa ter eficácia e não ser mais um elemento perturbador da relação pais-filhos, seja proferido com convicção, com inteligência e com afectividade. Com convicção, de modo que não fiquem quaisquer dúvidas aos filhos de que o que é dito é para ser cumprido, dando-se, porém, alguma abertura a pequenos ajustamentos, perante as razões invocadas, no caso de filhos adolescentes. Com inteligência, de modo que se esclareçam as razões da negativa, que se dêem a conhecer os argumentos que levem à decisão tomada pelos pais. Com afectividade, de modo que as maneiras de apresentar a negação sejam serenas e cordatas.
Ora, de certo modo, as relações de poder dentro da família, são equivalentes aquelas que se passam dentro da escola e, muito especialmente, dentro da sala de aula.
Se uma criança ou adolescente está habituado a fazer aquilo que deseja dentro de casa, que lhe satisfaçam todos os seus caprichos, como é que se submeterá às regras da escola? O professor e a professora têm que ser, pois, em certa medida, pais dos seus alunos. Eles não podem dizer sim a certas solicitações inapropriadas, não devem permitir que a sala de aula se transforme em campo de futebol. Por outro lado, o seu poder tem que ser firme mas humanizado, adaptar-se às circunstâncias específicas e, sempre que possível, proporcionar a participação dos elementos que constituem a sua comunidade, na tomada das decisões. Administrar os poderes com sabedoria, quer na família, quer na escola, é contribuir para a harmonia de cada uma destas comunidades e auxiliar no desenvolvimento social e psicológico dos filhos e dos alunos.


                                                                     Mário Freire

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

FORMALIDADE






Ao pedirmos nós perdão
pelo tempo a alguém tomado,
prova é dada de atenção:
Não gostar de ser pesado.

Há contraste em quem abusa,
sem amostras de receio
e jamais então se escusa
de roubar o tempo alheio.

Traz opção a disjuntiva:
Vir a ser ou não formal,
mas difere no resultado.

Preceito há que nos cativa,
fica bem e é tão normal:
Respeitar; ser educado.

João d’Alcor


domingo, 11 de outubro de 2015

GOSTAR DE SABER, DEVER CÍVICO DE ESTUDAR E AUTO-ESTIMA




Toda a nossa vida é uma aprendizagem. Aprendemos cedo a levar a colher à boca, aprendemos a andar, a ler, a escrever e a recitar a tabuada, aprendemos a crescer, a viver em sociedade e, até, a envelhecer. Desde que nasce, a criança é uma “máquina de aprender”. Como nos animais superiores, brincar é, para esta etapa inicial do ser humano, a via natural de aprendizagem, quer por si próprio, observando o mundo à sua volta, quer através do que lhe seja ensinado.
Entra aqui o papel dos pais, mas todos sabemos como é comprovadamente baixo o nível cultural de uma grande parcela da população portuguesa e como é grande a sua iliteracia em muitos domínios dos conhecimentos ditos das ciências e das humanidades. Nesta realidade, cabe aos educadores do ensino pré-escolar e aos professores do básico (em especial) conduzir os infantis e juvenis entregues à sua responsabilidade a aprenderem a gostar de saber.
Terminada a licenciatura, em 1961, e sem qualquer preparação pedagógica para o ensino, comecei imediatamente a leccionar na antiga Secção de Mineralogia e Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, como segundo assistente, em aulas práticas. Nos últimos tempos de uma cristalografia essencialmente morfológica e geométrica, baseada nas medidas de ângulos entre as faces dos cristais, e no começo de uma outra cristalografia, dita estrutural, a penetrar no âmago da matéria cristalina e da física do estado sólido, fundamentada nos arranjos tridimensionais dos respectivos átomos, tive à minha responsabilidade as aulas práticas de Cristalografia e de Mineralogia, sob a orientação do titular da cadeira, então o Doutor Rodrigo Boto, um compêndio vivo nestas matérias. Com ele ganhei um gosto especial pelo estudo dos minerais, uma semente que guardei ao longo dos anos e que, mais tarde, deu os seus frutos nos vinte anos (1983-2003) em que tive a meu cargo o sector de Mineralogia e Geologia do Museu Nacional de História Natural da mesma Universidade. Só mais tarde, após o doutoramento, em 1968, me iniciei na regência de aulas teóricas. Os tempos eram outros e os jovens docentes eram preparados para prestar serviço na maioria das disciplinas da licenciatura. Da Cristalografia, Mineralogia e Petrologia, passando pela Geologia, Paleontologia e Geomorfologia, Estratigrafia e Geo-história, à Sedimentologia e Jazigos Minerais, quer em trabalhos práticos no laboratório e no campo, quer em aulas teóricas, em auditórios repletos de alunos, os docentes dos anos 60 e 70 eram conduzidos a uma visão ecléctica da sua área científica.
Um tal ecletismo estava bem patente nas modalidades de doutoramento e de agregação de então que, para além das respectivas dissertações, incluíam provas teóricas e práticas incidindo sobre a totalidade das disciplinas da respectiva área. Como hoje, a par da investigação científica, o docente da minha geração criava a sua própria pedagogia. Definia os conteúdos das suas cadeiras, regia-as a seu modo e, no final do ano, examinava os seus próprios alunos.
Ao iniciar funções docentes e, como disse, sem qualquer formação pedagógica, era minha convicção, que confirmei ao longo dos anos, que aprender a gostar de saber, qualquer que seja o nível no sistema educacional, é uma das chaves que abre o caminho ao sucesso escolar. Os profissionais de ensino têm de ter artes (por vocação própria ou porque para tal foram ensinados) de levar os educandos, a gostarem das matérias que têm, por dever, transmitir-lhes, a terem prazer no convívio com ele e, assim, sentirem a escola como algo importante nas suas vidas. Mas há outras chaves para o referido sucesso a considerar, sobretudo, face aos alunos mais crescidos, nomeadamente, nos ensino secundário e universitário, que também a experiência me ensinou. Uma é conseguir inculcar nele a consciência do dever cívico de estudar, levando-os a tomarem consciência do privilégio que tinham de usufruir da condição de estudante numa sociedade onde milhares de jovens permaneciam privados dela. A outra chave não menos importante é estimular-lhe a autoestima. Fundamental no binómio ensino/aprendizagem, compete, em grande parte, ao docente conduzir o aluno nesses três sentidos. Quaisquer que sejam as matérias em causa ou os níveis de escolaridade e etário do discente, estas chaves fazem dele alguém que que tem gosto em aprender, que frequenta a escola com prazer, que encara o estudo como um dever de cidadania e tem brio na sua condição de estudante. Para tal, o professor tem de conseguir estabelecer com o aluno uma aproximação de confiança e afectividade mútuas que lhe permita actuar, com êxito, nestas vertentes. Foi assim, durante quarenta anos, a minha relação com os muitos milhares de alunos com quem troquei saberes e afectos.
Essa tripla condição, que está ausente num número infelizmente muito grande dos rapazes e raparigas das nossas escolas, pudemos imaginá-la, por exemplo, nos alunos ucranianos que, na viragem do século, aqui chegaram com os pais, aquando das primeiras vagas de imigrantes vindos de um país onde esses valores, devo concluir, são uma realidade.
Numa época em que os estudantes universitários faltavam muito às aulas teóricas, aulas que, em alguns casos, eram perfeitamente substituíveis pela correspondente sebenta (hoje, felizmente, em vias de desaparição), a grande maioria dos meus alunos assistia às minhas aulas do primeiro ao último dia. Isto porque o relacionamento que estabeleci com eles foi sempre de cordialidade, simpatia e afecto, pautado por respeito mutuo e pelo trabalho que fazíamos em conjunto. O facto de, frequentemente, sairmos para o campo, em trabalho inerente à nossa licenciatura, comendo o farnel em conjunto, sentados no chão, foi sempre um elemento potenciador dessa aproximação.
Por razões diversas, umas conhecidas, outras não, é frequente numa qualquer turma haver um, dois ou mais alunos menos motivados e visivelmente desinteressados das matérias em apresentação. Face a esses, logo identificados nas primeiras aulas, adoptei uma estratégia que quase sempre se mostrou eficaz. Dava-lhes mais atenção, procurando estabelecer com eles um relacionamento de simpatia, que não era difícil transformar em amizade, e lhes tornava agradável o convívio comigo na sala de aula. Colocava-lhes problemas simples, ajudando-os, se necessário, a resolvê-los sem que se dessem conta dessa ajuda. Posto isto, elogiava-os na presença dos colegas, dava-lhes consideração e tratamento que acabava por os estimular a estudar e, assim, continuarem a merecer essa consideração. O resultado deste procedimento foi, quase sempre, ganharem autoestima e gosto pelas matérias em estudo que, como é por demais sabido, são sempre interessantes e, até, bonitas para quem as conhece.


                                                       Galopim de Carvalho

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

SE QUERES IR RÁPIDO VAI SOZINHO, SE QUERES IR LONGE VAI ACOMPANHADO!




As relações interpessoais são um dos pilares mais importantes para uma vida feliz. Uma vida feita em conjunto com os outros ganha mais sentido, pois enriquece consideravelmente a experiência vivida. Se queres ir rápido vai sozinho, se queres ir longe vai acompanhado, diz um provérbio africano. De facto, as vivências têm sabores diferentes consoante caminhamos sozinhos ou acompanhados. Se queremos uma vida rica e intensa do ponto de vista humano em termos de afetos, de aprendizagens, de partilhas, o importante não é ir rápido, mas sim longe, o mais longe possível. Ir rápido implica focar-se numa meta e querer chegar lá depressa, independentemente do ritmo dos outros; ir longe significa que a meta não é o mais importante, mas sim o caminho. E pelo caminho encontramos tudo o que precisamos para um percurso de crescimento humano, de desenvolvimento pessoal, de exploração de todo o nosso potencial para fazer frente às tempestades e às bonanças que naturalmente existem. Se queremos atravessá-las rápido talvez não consigamos captar o seu propósito no nosso percurso; se queremos chegar longe, tentamos integrá-las e com elas crescermos. Chegar longe requer o cuidado de olhar para os que estão à nossa volta e de deixarmos que olhem para nós. No olhar recíproco está o reconhecimento e a valorização de uma relação.
Se conseguíssemos olhar para as pessoas com um olhar de quem não está à espera de nada e de quem não se sente obrigado a dar nada, cada gesto seria sentido com infinita gratidão e maravilha. Deixaríamos que o encanto das relações, a genuinidade do dar e receber, a autenticidade de se ser quem se é, aflorasse a cada momento de interação. Dar simplesmente porque sim, porque nos faz bem, porque é inevitável quando se é feliz. Permitir-se receber porque se merece, porque nos faz sentir importantes, porque valoriza a nossa existência. E neste dar e receber faz-se uma caminhada juntos, onde ninguém vai mais à frente nem mais atrás, mas sim lado a lado, porque é juntos que chegaremos longe, o mais longe possível. Porém, só é possível ir lado a lado quando ninguém se puxa, se empurra, se pendura, quando ninguém exige, pressiona, chantageia; só é possível ir lado a lado quando cada um caminha por si próprio, na alegria de não estar sozinho.
Rossana Appolloni


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

À HORA DA SESTA





Demoro-me na janela.
Todos os traços
Que me embriagam os olhos
Emprestam às cores
Um tom impressionista.
As sombras são vidradas.
Como que aprisionados
 Pela sensualidade
Dois pássaros emergem
Enlaçados convergem
No tapete da tarde.
Há painéis de canções
Colares de margaridas.
E, no momento da sedução
Até as flores ficam coradas
Quando avistam as borboletas!...
  


Aldina Cortes Gaspar

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

ECOLOGIA HUMANA



Os seres humanos são considerados como sistemas vivos operando em ambientes complexos; contudo, ainda não os conhecemos suficientemente bem de modo a podermos controlar, por exemplo, os seus comportamentos nocivos para a sociedade. Considera-se que eles são sujeitos a processos ecológicos e evolutivos, semelhantes aos das restantes espécies. Não será, porém, de esquecer o carácter único do comportamento dos seres humanos.
A Ecologia Humana pretende explicar o comportamento humano. Nessa perspectiva, estuda as interacções entre os seres humanos e o ambiente que os rodeia sob os pontos de vista evolutivo, histórico e socio-político, entre outros; pretende-se compreender melhor a diversidade e complexidade de tais interacções de modo a tentar explicar as crises sociais e, desse modo, promover um futuro sustentável.
Os conceitos e métodos partilhados com as ciências biológicas, são importantes na compreensão do comportamento humano. Esta ideia resulta das teorias pioneiras de Malthus e de Darwin, dedicadas ao estudo do comportamento das populações. Por exemplo, os humanos não podem viver isolados da natureza que os envolve, desenvolvendo competências de acordo com o meio em que vivem. Essas competências, variam no tempo e de lugar para lugar e poderão influenciar a densidade populacional e mesmo a organização social.
A Ecologia Humana, partilha também os conceitos da biologia das populações. A selecção natural, depende do ambiente em que vivem os indivíduos: o sucesso num ambiente pode não se repetir noutro ambiente diferente. Também os indivíduos interagem uns com os outros e com o ambiente que os rodeia, dando origem à correspondente adaptação. Esta é a ideia de selecção natural em que, uns sobrevivem e se reproduzem melhor que outros.
A recente Encíclica do Papa Francisco traduz bem a importância da Ecologia Humana; o ser humano é considerado como peça chave do ambiente que, por sua vez, é encarado não só como um conjunto de factores físicos, químicos e bióticos mas também como um agregado de condições culturais e sociais que condicionam a vida dum individuo ou duma comunidade.

                                                   FNeves