FALANDO DOS SOLOS
Fala-se muito (e ainda
bem) de aquecimento global, de poluição do ar e das águas, mas pouco se ouve
acerca da degradação ou da destruição dos solos, cada vez mais exauridos e
retraídos em consequência do crescimento da população e da expansão dos espaços
urbanos e das múltiplas estruturas da sociedade do presente (aeroportos,
auto-estradas e outras)
Em termos muito
gerais, esta entidade natural que nos assegura o sustento pode ser descrita como
uma capa superficial das terras emersas (de escassos centímetros a vários
metros de espessura) de material não consolidado (incoerente), a um tempo,
mineral e orgânico, formado no contacto do substrato geológico com o ar e a
água (da chuva ou da neve), constituindo um suporte propício ao crescimento das
plantas. Como material não consolidado deve aqui entender-se um qualquer tipo
de rocha desagregada por efeito da meteorização e, ainda, os sedimentos, a todo
o momento remobilizáveis, depositados nas planícies aluviais e deltas deste
nosso mundo.
Sempre que a
vegetação, seja ela herbácea, arbustiva ou arbórea (e com ela todo um cortejo
de seres vivos e de matéria orgânica associada) invade a dita capa superficial,
gera-se um solo, através de um processo a que os especialistas (pedólogos)
chamam pedogénese. Trata-se de um processo geodinâmico, dito supergénico
porque, à semelhança da biogénese, da gliptogénese (erosão) e da
sedimentogénese, tem lugar à superfície da Terra e é, como eles, eles
assegurado pela energia radiante recebida do Sol.
Na “Declaração de
Princípios sobre o Solo Português”, apresentada pela Sociedade Portuguesa da
Ciência do Solo, em 1975, o solo é um corpo natural, complexo e dinâmico,
constituído por elementos minerais e orgânicos, caracterizado por uma vida
vegetal e animal própria, sujeito à circulação do ar e da água e que funciona
como receptor e redistribuidor de energia solar.
Para o agricultor, o
solo é a terra arável e fértil ou fertilizável. É a terra que se cava e
estruma. No seu modo local de referir o solo, os açorianos falam de leiva, um
termo radicado no latim glaeba (terra arável), o mesmo étimo de onde deriva a
nossa palavra gleba.
Dos solos mais
incipientes e pobres aos mais evoluídos e ricos de matéria orgânica, todos existem
porque sempre existiu e existe meteorização das rochas. É comum distinguir
solos eluviais ou autóctones, isto
é, não deslocados, permanecendo sobre a
rocha-mãe, e solos aluviais ou autóctones, formados sobre materiais igualmente
resultantes de meteorização mas que sofreram transporte.
Do ponto de vista
termodinâmico, o solo é um sistema aberto, que permite trocas de matéria e de
energia com os sistemas adjacentes, nomeadamente, a litosfera, a biosfera, a
atmosfera e a hidrosfera (aqui representada pelas águas pluviais e de
infiltração). Absorve e armazena energia solar, é sede de fenómenos físicos,
químicos e biológicos e tende, naturalmente, para um estado de equilíbrio
estacionário enquanto se mantiverem as condições sob as quais evoluiu. Localizado
na interface destes quatro sistemas, o solo faz a ponte entre a vida subaérea1
e o esqueleto mineral, abiótico, do substrato geológico, sendo considerado um dos mais importantes
ecossistemas do planeta.
Funcionando como
fronteira e zona de interacção entre o orgânico e o inorgânico, o autotrófico1
e o heterotrófico2, o solo representa, simultaneamente, uma consequência da
alteração meteórica das rochas e um agente activo dessa mesma alteração. Com
efeito, a evolução do solo sobrepõe-se à meteorização, utiliza-a e, por seu
turno, fornece-lhe condições para que prossiga e, até, se intensifique. Tal
dinâmica ficou bem clara na afirmação, segundo a qual “à meteorização
geoquímica, envolvendo apenas a alteração das rochas, segue-se a meteorização
pedoquímica”, avançada, em 1953, pelos pedólogos norte-americanos Marion
Jackson (1914-2002) & George Sherman (1904-1973).
Notas
1- Na zona fótica dos mares, isto é, nos
níveis superiores, penetrados pela luz solar, esta ponte segue um outro modelo,
iniciado com o fitoplâncton na sua capacidade fotosintética. Nas profundezas
abissais ocorre ainda um outro modelo, absolutamente diferente, baseado na
quimiossíntese da matéria orgânica, em estreita associação com fontes
hidrotermais.
2-
-
Ser vivo que produz o seu próprio alimento a partir da fixação de
dióxido de carbono, por meio de, no caso vertente, fotossíntese.
3- - Ser vivo que não possui a capacidade de
produzir o seu próprio alimento, pelo que se alimenta de outros seres vivos
autotróficos ou heterotróficos.
Galopim de
Carvalho