sábado, 28 de fevereiro de 2015

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS









                             FALANDO DOS SOLOS

Fala-se muito (e ainda bem) de aquecimento global, de poluição do ar e das águas, mas pouco se ouve acerca da degradação ou da destruição dos solos, cada vez mais exauridos e retraídos em consequência do crescimento da população e da expansão dos espaços urbanos e das múltiplas estruturas da sociedade do presente (aeroportos, auto-estradas e outras)
Em termos muito gerais, esta entidade natural que nos assegura o sustento pode ser descrita como uma capa superficial das terras emersas (de escassos centímetros a vários metros de espessura) de material não consolidado (incoerente), a um tempo, mineral e orgânico, formado no contacto do substrato geológico com o ar e a água (da chuva ou da neve), constituindo um suporte propício ao crescimento das plantas. Como material não consolidado deve aqui entender-se um qualquer tipo de rocha desagregada por efeito da meteorização e, ainda, os sedimentos, a todo o momento remobilizáveis, depositados nas planícies aluviais e deltas deste nosso mundo.
Sempre que a vegetação, seja ela herbácea, arbustiva ou arbórea (e com ela todo um cortejo de seres vivos e de matéria orgânica associada) invade a dita capa superficial, gera-se um solo, através de um processo a que os especialistas (pedólogos) chamam pedogénese. Trata-se de um processo geodinâmico, dito supergénico porque, à semelhança da biogénese, da gliptogénese (erosão) e da sedimentogénese, tem lugar à superfície da Terra e é, como eles, eles assegurado pela energia radiante recebida do Sol.
Na “Declaração de Princípios sobre o Solo Português”, apresentada pela Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo, em 1975, o solo é um corpo natural, complexo e dinâmico, constituído por elementos minerais e orgânicos, caracterizado por uma vida vegetal e animal própria, sujeito à circulação do ar e da água e que funciona como receptor e redistribuidor de energia solar.
Para o agricultor, o solo é a terra arável e fértil ou fertilizável. É a terra que se cava e estruma. No seu modo local de referir o solo, os açorianos falam de leiva, um termo radicado no latim glaeba (terra arável), o mesmo étimo de onde deriva a nossa palavra gleba.
Dos solos mais incipientes e pobres aos mais evoluídos e ricos de matéria orgânica, todos existem porque sempre existiu e existe meteorização das rochas. É comum distinguir solos  eluviais ou autóctones, isto é,  não deslocados, permanecendo sobre a rocha-mãe, e solos aluviais ou autóctones, formados sobre materiais igualmente resultantes de meteorização mas que sofreram transporte.
Do ponto de vista termodinâmico, o solo é um sistema aberto, que permite trocas de matéria e de energia com os sistemas adjacentes, nomeadamente, a litosfera, a biosfera, a atmosfera e a hidrosfera (aqui representada pelas águas pluviais e de infiltração). Absorve e armazena energia solar, é sede de fenómenos físicos, químicos e biológicos e tende, naturalmente, para um estado de equilíbrio estacionário enquanto se mantiverem as condições sob as quais evoluiu. Localizado na interface destes quatro sistemas, o solo faz a ponte entre a vida subaérea1 e o esqueleto mineral, abiótico, do substrato geológico,  sendo considerado um dos mais importantes ecossistemas do planeta.
Funcionando como fronteira e zona de interacção entre o orgânico e o inorgânico, o autotrófico1 e o heterotrófico2, o solo representa, simultaneamente, uma consequência da alteração meteórica das rochas e um agente activo dessa mesma alteração. Com efeito, a evolução do solo sobrepõe-se à meteorização, utiliza-a e, por seu turno, fornece-lhe condições para que prossiga e, até, se intensifique. Tal dinâmica ficou bem clara na afirmação, segundo a qual “à meteorização geoquímica, envolvendo apenas a alteração das rochas, segue-se a meteorização pedoquímica”, avançada, em 1953, pelos pedólogos norte-americanos Marion Jackson (1914-2002) & George Sherman (1904-1973).

Notas
1-       Na zona fótica dos mares, isto é, nos níveis superiores, penetrados pela luz solar, esta ponte segue um outro modelo, iniciado com o fitoplâncton na sua capacidade fotosintética. Nas profundezas abissais ocorre ainda um outro modelo, absolutamente diferente, baseado na quimiossíntese da matéria orgânica, em estreita associação com fontes hidrotermais.
2-       - Ser vivo que  produz o  seu próprio alimento a partir da fixação de dióxido de carbono, por meio de, no caso vertente, fotossíntese.
3-         - Ser vivo que não possui a capacidade de produzir o seu próprio alimento, pelo que se alimenta de outros seres vivos autotróficos ou heterotróficos.


                     Galopim de Carvalho

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

EXPEDIENTE




Profissão de burocrata,
agoniza tanta gente,
pois não ata nem desata.
Há quem fique até doente.

Para o vírus do empata,
de carácter permanente,
remédio há. Se nos ataca,
tomar chá de expediente.

Qual mezinha milagrosa,
cura é de todo mal,
salvo o da burocracia:

Por ser esta tão idosa,
reage mal e, afinal,
canta o fado da agonia.


João d’Alcor

domingo, 22 de fevereiro de 2015

UM RECURSO PEDAGÓGICO VALIOSO E GRATUITO

                       

Salman Khan, americano, engenheiro electrotécnico do MIT e MBA de Harvard, tentava, em 2004, tirar as dúvidas em matemática de uma sua prima que vivia a mais de 2000 quilómetros de distância, através do telefone. Tal forma de ajudar, porém, não se mostrava eficaz. Resolveu, então, começar a gravar vídeos com as respectivas explicações e a colocá-los no YouTube. Eis que, de um momento para o outro, os vídeos são procurados por milhares de pessoas. Nos comentários feitos, faziam-se pedidos para que outros temas passassem a ser tratados por Salman. Assim nasceu, em 2008, a Khan Academy a qual, quatro anos depois, tinha mais de quatro mil vídeos disponíveis e no seu site ultrapassavam-se 240 milhões de visualizações.
A missão da Academia, com um repositório de conteúdos educacionais gratuitos, é tornar acessíveis várias disciplinas, principalmente a matemática, mas também as ciências, a física, a química, a computação, a economia, as humanidades e temas de actualidade científica.
Em Portugal, a Khan Academy entrou em 2013 através da Fundação PT, a qual está a fazer a adaptação dos vídeos originais em inglês para português. Os vídeos relativos à matemática estão de acordo com o currículo escolar nacional e têm a certificação da Sociedade Portuguesa de Matemática. A adaptação nas outras áreas está a ter por referência, nesta fase, os conteúdos abordados nas provas nacionais do 2º, 4º, 6º, 9º e 12º ano, estando disponíveis, no final de Dezembro passado, cerca de 800 vídeos de matemática, física, química e biologia.
Escusado será de referir a importância pedagógica de que se reveste este instrumento de aprendizagem para os alunos. Ele constitui-se numa ferramenta que poderá ajudar os pais a acompanhar melhor os estudos dos seus filhos e, inclusive, ser um inspirador para a intervenção do professor na sala de aula. Será que este acervo documental está suficientemente divulgado entre os que directamente se implicam nos processos de ensino e de aprendizagem?

                                                   Mário Freire

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

PDM, REN, RAN - PARA QUÊ?




            O Plano Director Municipal (PDM) tem por objectivo estabelecer as regras a que deve obedecer a ocupação, uso e transformação do território municipal, e definir as normas gerais de gestão urbanística a utilizar na execução do mesmo.
A RAN (Reserva Agrícola Nacional) e a REN (Reserva Ecológica Nacional) pretendem definir princípios de salvaguarda e de valorização dos recursos naturais, dos ecossistemas e da paisagem e conjugá-los com as dinâmicas do povoamento e localização das actividades económicas fora dos perímetros urbanos.
O Decreto-Lei n.º 321/83, no seu preâmbulo, afirma que “o primeiro passo na concretização de uma política de ordenamento do território à escala nacional, foi dado com a institucionalização da Reserva Agrícola Nacional (...) O segundo será dado com a criação da Reserva Ecológica Nacional”. Propõe-se “salvaguardar, em determinadas áreas, a estrutura biofísica necessária para que se possa realizar a exploração dos recursos e a utilização do território de forma a preservar as capacidades de que dependem a estabilidade e fertilidade das regiões, bem como os seus valores económicos, sociais e culturais”.
Mas será assim?
Uma autarquia dos arredores de Lisboa aprovou a suspensão do Plano Director Municipal (PDM) nos terrenos onde será instalada a plataforma logística dum grupo espanhol. A necessidade de suspender o PDM tem a ver com o facto de os terrenos em causa estarem classificados como áreas afectas às reservas Agrícola Nacional (RAN) e Ecológica Nacional (REN).
Um habitante dos arredores do Porto contestou na justiça a construção de um prédio de três andares e 64 metros de comprimento, erguido nas traseiras de sua casa o que lhe retirou privacidade e a vista que tinha para a igreja matriz. Nessa zona, dado tratar-se de um leito de cheia, nada poderia ser erguido e a justiça confirma ainda o desrespeito pelas normas do PDM também nos índices de construção, número de fogos por hectare e altura.
Numa cidade do litoral alentejano, muito apetecível para os especuladores imobiliários, os índices máximos de construção e de ocupação dos terrenos estão a ser largamente excedidos na instalação dum aldeamento turístico. Os documentos legais (PDM e outros) prevêem um índice de construção de 60 por cento, mas no projecto aprovado por unanimidade pela respectiva câmara municipal, ultrapassa largamente esse valor. No índice de ocupação, a lei estabelece um máximo de 30 por cento, mas neste caso chega aos 50 por cento. A infracção é nítida, e até a autarquia reconheceu que os índices em causa "estão ligeiramente acima" dos valores médios aprovados para a zona.
E termino com alguns “projectos estruturantes”, como eufemisticamente lhe chamou o despacho do governo de então, para o Algarve: uma urbanização para 4200 habitantes para o Parque Natural da Costa Vicentina; uma urbanização para 2000 habitantes na Ria de Alvor em zona de Reserva Agrícola e Ecológica e como o litoral já não chega, há ainda projectos turísticos, Guadiana acima, envolvendo milhares de camas.
Mais exemplos para quê?


                                           FNeves

domingo, 15 de fevereiro de 2015

LANÇAMENTO DO LIVRO "PSICOSSÍNTESE: UMA PSICOLOGIA INTEGRAL"

Convite (clicar) e Informação








                                                     João d'Alcor



                                         Contracapa
 
O conteúdo deste livro tem o alcance de uma mensagem que deve percorrer o Mundo! É uma verdadeira Obra-Prima. Trata-se de uma sistematização inestimável que supera tudo o que Roberto Assagioli poderia ter imaginado.
 Andrée Samuel, Presidente do Centro de Psicossíntese de São Paulo (Brasil).


Esta obra constitui um padrão clássico, relativamente às diversas componentes da Psicossíntese, prestando um grande apoio à área da psicologia e não só. Apetece-me dizer que o seu autor é o Sintetizador do Sintetizador. Contribui este livro para o desenvolvimento da Psicossíntese, não apenas em Portugal e nos países da língua portuguesa, mas mundo além, uma vez traduzido.
Rebeca Bandeira, Presidente do Centro Português de Psicossíntese.


O que mais fascina neste livro é o estilo de escrita do autor. Cria um equilíbrio entre a descrição e a explicação teórica. Reúne uma impressionante variedade de informação e interpretação. Abre novas portas, expondo conexões cruciais. Tudo é enquadrado numa sólida perspectiva crítica. Vem a ser útil tanto para o simples curioso, como para o especialista da psicossíntese.
Victor Pereira da Rosa, Professor titular de antropologia e sociologia, Universidade de Ottawa (Canadá).


A qualidade está em pé de igualdade com a quantidade. Com este livro, qualquer estudante de psicossíntese – principiante ou avançado – assim como outros leitores, encontrarão algo de útil e nutritivo. Estou tentando imaginar quanto o próprio Assagioli teria apreciado este trabalho. Creio que ele teria sentido um imenso prazer: Ele teria tido a satisfação de ver o seu próprio pensamento descrito de forma tão bem organizada e, ao mesmo tempo, de modo tão profundo.
Píero Ferrucci (Excerto do prefácio).


                                            Autor

O nome de pluma João d’Alcor diz respeito a João António Alpalhão d’Alcaravela, enquanto cidadão canadiano, identificação esta reconhecida em Portugal, pátria onde nasceu, após que readquiriu, conjuntamente, a cidadania portuguesa. Graduou na Universidade de Montreal, Canadá, onde colaborou no ensino. Áreas de especialização: Ciências de Educação (Mestrado em Andragogia) e Teologia (PhD – Tese sobre a aplicação da psicossíntese). Pós graduação na Episcopal Divinity School e Universidade de Harvard, USA (Em Teologia da Libertação, com Harvey Cox). Co-autor do livro Da Emigração à Aculturação, editado pela Casa da Moeda em Portugal, previamente publicado pela Universidade de Ottawa, Canadá (versões  em Francês e em Inglês), em parceria com o Professor catedrático Victor P. da Rosa. Educólogo de profissão, o autor foi o introdutor da psicossíntese em Portugal e primeiro presidente da Associação Centro Português de Psicossíntese. Na qualidade de presbítero franciscano e membro da Comunhão Anglicana, exerce o seu ministério, em regime ecuménico, no Canadá, Estados Unidos da América e Portugal.




quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS





                           FALANDO DOS SOLOS

Grande amigo pessoal do Prof. Orlando Ribeiro, o seu colega parisiense Pierre Birot, professor no Institut de Géographie de Paris, visitava frequentemente o nosso país a fim de aqui proceder a trabalhos de campo em colaboração com o seu colega português. Ainda como finalista de geologia, na Faculdade de Ciências de Lisboa, e a convite do Prof. Orlando, tive o privilégio de os acompanhar numa excursão de vários dias à chamada Bacia do Mondego, na região de Coimbra, uma experiência riquíssima que, estou certo, abriu o caminho ao que foi a minha opção no âmbito das Ciências da Terra - a dialéctica possível de estabelecer entre a geomorfologia e a sedimentologia ou, mais especificamente, entre a erosão e a sedimentação. Nesta excursão, as geografias física e humana e a geologia interligaram-se num todo multidisciplinar, harmonioso e atraente, fruto do muito saber dos dois notáveis geógrafos e ilustres humanistas.
Nesta saída de campo aprendi a olhar o solo1 como um dos processos geológicos ocorrentes à superfície do planeta, com ligações muito estreitas a múltiplas disciplinas (geomorfologia, geoquímica, prospecção mineira, agronomia, economia, etnografia e sociologia, entre outras).
Pouco tempo depois, na minha passagem por Paris, nos anos de 1962 a 1964, frequentei, com redobrado interesse, as aulas do Prof. Birot, no referido Institut de Géographie. Com início pelas 8 horas da manhã, bem de noite no frio Inverno parisiense, o nº 191 da Rue Saint-Jacques, a dois passos do Panthéon, era um formigueiro de gente, oriunda de todos os cantos do mundo, a caminho do grande auditório para ouvir o mestre. Foi nessas aulas que conheci a obra de outro grande geógrafo francês, Henri Herhart (1898-1982), “La genèse des sols en tant que phénomène géologique: Esquisse d'une théorie géologique et géochimique, biostasie et rhexistasie”, publicada, em 1956. Este magnífico trabalho que fez escola entre geógrafos e geólogos, despertou em mim o interesse que, à margem da minha actividade profissional, sempre nutri pelo “chão que nos dá o pão” a que Joaquim Vieira Botelho da Costa (1910-1965), professor catedrático do Instituto Superior de Agronomia (ISA), vulto maior na Ciência do Solo, se referiu, em 1960, como “Fazendo a transição entre esse manto vivo (a vegetação) e o esqueleto mineral do substrato geológico.”
A par da modelação das formas de relevo por erosão (gliptogénese), da formação das rochas sedimentares (sedimentogénese) e da origem e evolução dos seres vivos (biogénese), a pedogénese1, ou seja, a origem e evolução do solo, não pode, pois, deixar de ser considerada um fenómeno geológico.
Sendo a alteração das rochas (meteorização) e a formação do solo as respostas da litosfera ao ambiente externo, e sendo a erosão a resposta dos produtos dessa alteração à atracção gravítica, a existência de um solo testemunha sempre uma situação de equilíbrio entre as taxas de meteorização e de erosão. E, assim, como escreveu, em 1980, outro nome grande da Ciência do Solo, o Prof. João Manuel Bastos de Macedo, do ISA, o solo é “uma solução de compromisso entre a meteorização e a erosão” e, como tal, fruto de um evidente processo geológico à escala do planeta.
 Recurso fundamental à sobrevivência da humanidade, o solo, surgido no Silúrico superior, há cerca de 425 milhões de anos, por força de um processo dinâmico, a um tempo geológico e biológico, alimentado pela energia solar, está cada vez mais sujeito ao impacto da actividade humana exponencialmente crescente.
Na sua imensa capacidade tecnológica, o homem pode destruir em horas um bem colectivo cuja formação necessita de milhares de anos a ser desenvolvido. Urge pois trazer este conhecimento ao cidadão, a começar na escola, onde os curricula estão longe de dar ao solo a importância científica, económica e social que, na realidade, tem.
 Pelo valor que lhe é atribuído, como um dos principais recursos naturais de que dispomos, ao lado da água e do ar e bem acima da maioria das matérias-primas minerais, o seu estudo, isto é, a pedologia1, para além da sua importância em ciências fundamentais, como a Geologia (em especial a geodinâmica externa) e a Biologia, constitui complemento indispensável em domínios do saber ligados à economia, como são, entre outros, a agricultura, a silvicultura, o ordenamento do território e a prospecção geológica e mineira. A pedologia recorre a meios que vão desde os mais simples, como seja a observação no terreno em amostra de mão, aos mais sofisticados, postos à disposição dos pedólogos, com destaque para a difractometria de raios X, as microscopias óptica e electrónica, os diversos equipamentos de análise química mineral, a fotografia aérea, a teledetecção via satélite, etc., sem esquecer os da biologia e da bioquímica, indispensáveis ao conhecimento da componente orgânica viva e morta do solo.
Na abordagem (sempre a nível básico) que me proponho fazer nos textos que se seguirão, focam-se os aspectos essenciais da ciência do solo indispensáveis à formação de biólogos e geólogos, em particular, dos professores de Biologia e/ou de Geologia, que os devem assimilar e transmitir aos seus alunos na forma e conteúdo adequados aos diferentes patamares de escolaridade.


                                  Galopim de Carvalho

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

EXPECTATIVA




Se mal há que vem por bem,
lugar tem a expectativa
de que a prova que contém
pode ser luz que o amor aviva:

Quando a dor é encarada
como algo a bem tratar,
longe de intrusa e mal amada,
surge o gosto de a acatar.

Leva isto a entender
quanto a pena, por fim, vem
terminar numa adopção.

Vem, de facto, isto a ser
proceder, qual pai e mãe,
da premissa à conclusão.



João d’Alcor

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO E O SUCESSO NA VIDA





Já nestas crónicas tive ocasião de referir a importância que o ensino básico e, muito especialmente, o 1º ciclo, têm no sucesso escolar que se lhe segue. Vários estudos têm apontado nesse sentido. Refiro-me, agora, a um mais recente, “Atlas da Educação – Contextos sociais e locais do sucesso e insucesso”, publicado já este ano, da responsabilidade do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova em parceria com os Empresários Pela Inclusão Social.
No documento diz-se que “o atraso acumulado ao longo dos trajectos escolares tende a acentuar os determinismos sociais do insucesso”. Exemplificando: uma família com funcionamento problemático, com um ou vários casos de desemprego no seu seio, tem condições para gerar insucesso escolar; ora, o insucesso que daí advier poderá acumular-se ao longo da escolaridade e tenderá a acentuar a disfuncionalidade da referida família.
O documento propõe intervenções remediativas e preventivas para combater os atrasos escolares. As primeiras, visando o insucesso e o abandono, incidem, fundamentalmente, no 3º ciclo ou no secundário e traduzem-se, muito frequentemente, num êxito reduzido. Há, então, que privilegiar a intervenção precoce, de natureza preventiva, essencialmente, no 1º ciclo mas, também, na transição para o 2º e deste para o 3º.
Ora, é fundamentalmente nos primeiros quatro anos de escolaridade que se joga o êxito escolar mas, também, o êxito na vida. Aprender a leitura significa entender aquilo que se lê. Quantos alunos não utilizam os livros de texto das diferentes disciplinas dos 5º, 6º, 7º anos por não perceberem o que neles se contém?! Quantos alunos dos 2º e 3º ciclos não conseguem expressar por escrito uma ideia por não terem aprendido a redigir um texto, segundo as regras básicas da gramática?! Quantos insucessos na matemática por não se terem aprendido (e memorizado!) aquelas noções básicas de cálculo?! Isto não significa que os professores do 1º ciclo não se esforcem para ensinar o melhor que podem. O que acontece é que uma escola democrática e inclusiva, a par de óbvias vantagens, traz consigo problemas de natureza extra-escolar que só com estratégias e meios a nível central ou regional, mas que atendam às realidades locais, podem fazer face aos 35% dos alunos que têm, pelo menos, uma reprovação e ao desperdício de 250 milhões de euros por ano que essas reprovações acarretam ao Estado. Não contando com os danos pessoais e sociais que estes atrasos acarretam!


                                                                 Mário Freire








terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

CONSUMIR É SER FELIZ?




Na sua mais recente campanha internacional, a Coca-Cola recorda que há 125 anos que
 inspira momentos de felicidade. Em 2009 lança a campanha mundial Open Happiness em que explicitamente identifica a abertura da felicidade com a abertura de uma garrafa de Coca-Cola. Em quase toda a parte onde tem negócios, do terceiro mundo aos países asiáticos, a Coca-Cola introduz anúncios televisivos em que apelida as máquinas de venda do seu refrigerante de máquinas da felicidade. Apesar de ligeiras variantes, em que cada filme publicitário procura tirar partido de elementos de cultura local, o discurso da marca centra-se invariavelmente no sofisma que beber Coca-Cola é sinónimo de felicidade.
Esta confusão deliberada entre um prazer momentâneo e um sentimento profundo que toca a complexidade do ser humano só é possível devido a uma estratégia comercial que distorce a perceção que as pessoas têm de felicidade. É claro que não há nada de errado em nos sentirmos satisfeitos com o seu consumo ou utilização seja de que produto for, desde que o façamos com moderação. Porém, é importante termos consciência que a felicidade deriva de um ideal de vida que se constrói com paixão e cujo processo não se realiza nem se esgota num prazer momentâneo. A felicidade elabora-se na relação afetiva com as pessoas e não na relação fútil com os objetos.
Se acreditarmos que é o consumo indiscriminado que nos torna felizes, então teremos de estar permanentemente a comprar coisas de que não precisamos ou que não podem ter consequências nefastas para a saúde ou para a bolsa. É precisamente na produção metódica desta ilusão – que associa a felicidade ao consumo – que aposta uma parte relevante da publicidade atual, utilizando para tanto afirmações incorretas e metáforas subtis produzidas em grande apuro técnico e imaginação. Podemos concluir que, por norma, qualquer anúncio que prometa a felicidade instantânea através de um produto pode ser considerado publicidade enganosa. A felicidade não é um brinde, não se compra, nem se vende, é fundada por cada um de nós no mais íntimo da nossa existência.

Rossana Appolloni

www.rossana-appolloni.pt