FALANDO
DOS SOLOS
Grande amigo pessoal
do Prof. Orlando Ribeiro, o seu colega parisiense Pierre Birot, professor no
Institut de Géographie de Paris, visitava frequentemente o nosso país a fim de
aqui proceder a trabalhos de campo em colaboração com o seu colega português. Ainda
como finalista de geologia, na Faculdade de Ciências de Lisboa, e a convite do
Prof. Orlando, tive o privilégio de os acompanhar numa excursão de vários dias
à chamada Bacia do Mondego, na região de Coimbra, uma experiência riquíssima
que, estou certo, abriu o caminho ao que foi a minha opção no âmbito das
Ciências da Terra - a dialéctica possível de estabelecer entre a geomorfologia
e a sedimentologia ou, mais especificamente, entre a erosão e a sedimentação.
Nesta excursão, as geografias física e humana e a geologia interligaram-se num
todo multidisciplinar, harmonioso e atraente, fruto do muito saber dos dois
notáveis geógrafos e ilustres humanistas.
Nesta saída de campo
aprendi a olhar o solo1 como um dos processos geológicos ocorrentes à superfície
do planeta, com ligações muito estreitas a múltiplas disciplinas
(geomorfologia, geoquímica, prospecção mineira, agronomia, economia, etnografia
e sociologia, entre outras).
Pouco tempo depois, na
minha passagem por Paris, nos anos de 1962 a 1964, frequentei, com redobrado
interesse, as aulas do Prof. Birot, no referido Institut de Géographie. Com
início pelas 8 horas da manhã, bem de noite no frio Inverno parisiense, o nº
191 da Rue Saint-Jacques, a dois passos do Panthéon, era um formigueiro de
gente, oriunda de todos os cantos do mundo, a caminho do grande auditório para
ouvir o mestre. Foi nessas aulas que conheci a obra de outro grande geógrafo
francês, Henri Herhart (1898-1982), “La genèse des sols en tant que phénomène
géologique: Esquisse d'une théorie géologique et géochimique, biostasie et
rhexistasie”, publicada, em 1956. Este magnífico trabalho que fez escola entre
geógrafos e geólogos, despertou em mim o interesse que, à margem da minha
actividade profissional, sempre nutri pelo “chão que nos dá o pão” a que
Joaquim Vieira Botelho da Costa (1910-1965), professor catedrático do Instituto
Superior de Agronomia (ISA), vulto maior na Ciência do Solo, se referiu, em
1960, como “Fazendo a transição entre esse manto vivo (a vegetação) e o
esqueleto mineral do substrato geológico.”
A par da modelação das
formas de relevo por erosão (gliptogénese), da formação das rochas sedimentares
(sedimentogénese) e da origem e evolução dos seres vivos (biogénese), a
pedogénese1, ou seja, a origem e evolução do solo, não pode, pois, deixar de
ser considerada um fenómeno geológico.
Sendo a alteração das
rochas (meteorização) e a formação do solo as respostas da litosfera ao
ambiente externo, e sendo a erosão a resposta dos produtos dessa alteração à
atracção gravítica, a existência de um solo testemunha sempre uma situação de
equilíbrio entre as taxas de meteorização e de erosão. E, assim, como escreveu,
em 1980, outro nome grande da Ciência do Solo, o Prof. João Manuel Bastos de
Macedo, do ISA, o solo é “uma solução de compromisso entre a meteorização e a
erosão” e, como tal, fruto de um evidente processo geológico à escala do
planeta.
Recurso fundamental à
sobrevivência da humanidade, o solo, surgido no Silúrico superior, há cerca de
425 milhões de anos, por força de um processo dinâmico, a um tempo geológico e
biológico, alimentado pela energia solar, está cada vez mais sujeito ao impacto
da actividade humana exponencialmente crescente.
Na sua imensa
capacidade tecnológica, o homem pode destruir em horas um bem colectivo cuja
formação necessita de milhares de anos a ser desenvolvido. Urge pois trazer
este conhecimento ao cidadão, a começar na escola, onde os curricula estão
longe de dar ao solo a importância científica, económica e social que, na
realidade, tem.
Pelo valor que lhe é
atribuído, como um dos principais recursos naturais de que dispomos, ao lado da
água e do ar e bem acima da maioria das matérias-primas minerais, o seu estudo,
isto é, a pedologia1, para além da sua importância em ciências fundamentais,
como a Geologia (em especial a geodinâmica externa) e a Biologia, constitui
complemento indispensável em domínios do saber ligados à economia, como são,
entre outros, a agricultura, a silvicultura, o ordenamento do território e a
prospecção geológica e mineira. A pedologia recorre a meios que vão desde os
mais simples, como seja a observação no terreno em amostra de mão, aos mais
sofisticados, postos à disposição dos pedólogos, com destaque para a
difractometria de raios X, as microscopias óptica e electrónica, os diversos
equipamentos de análise química mineral, a fotografia aérea, a teledetecção via
satélite, etc., sem esquecer os da biologia e da bioquímica, indispensáveis ao
conhecimento da componente orgânica viva e morta do solo.
Na abordagem (sempre a
nível básico) que me proponho fazer nos textos que se seguirão, focam-se os
aspectos essenciais da ciência do solo indispensáveis à formação de biólogos e
geólogos, em particular, dos professores de Biologia e/ou de Geologia, que os
devem assimilar e transmitir aos seus alunos na forma e conteúdo adequados aos
diferentes patamares de escolaridade.
Galopim de Carvalho