sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SOBRE O EXAME NACIONAL DE BIOLOGIA E GEOLOGIA


             (Imagem retirada de www.publico.pt)

A propósito da situação pouco edificante decorrente dos erros, incongruências e imprecisões detectado no questionário de geologia do Exame Nacional de Bilogia e Geologia do passado dia 18 de Junho e denunciados publicamente, parece-me oportuno deixar aqui algumas reflexões, síntese repetitiva das muitas vindas a público, expendidas ao longo de décadas, por diversos elementos da comunidade dos geólogos, na qual me incluo, e que sou levado a concluir, continuam a não despertar as desejáveis atenção e preocupação dos responsáveis.
O caso do referido exame, aberrante e lamentável, questiona, não só a competência do ou dos que, ao serviço do Ministério da Educação, elaboraram o dito questionário, mas também e sobretudo, o bom nome da respectiva hierarquia.
Numa longa caminhada, tão velha quanto a humanidade, a geologia, no seu todo, foi sendo descoberta pelo Homem, que tirou dos seus ensinamentos os proveitos que lhe permitiram progredir da simples busca do sílex à prospecção e exploração de fontes de energia e de minerais estratégicos essenciais às modernas tecnologias da sociedade do presente.
Nesta caminhada, estabeleceu relações de causa-efeito entre os objectos e os mecanismos que lhe foram dados observar no mundo físico que foi o seu. Experimentou o que pôde experimentar, deduziu o que conseguiu deduzir, inferiu o que soube inferir e transmitiu, aos descendentes, o saber que foi acumulando, servindo-se para tal da linguagem de que dispunha, nos primeiros milhões de anos, o gesto e, só mais tarde e progressivamente, a fala. Num muito rudimentar esboço de ciência, tudo isto o Homem fez antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever.
A história desta disciplina científica radica nas mesmas origens da de outros domínios da ciência. Temos de ir buscá-la às civilizações chinesa, babilónica, egípcia e outras. Mas é, sobretudo, nos filósofos, geógrafos, astrónomos e poetas gregos e latinos que encontramos os fundamentos que deram suporte à ciência e à tecnologia de que hoje, absolutamente, dependemos.
         A geologia tem crescido nestes contextos, sendo hoje um dos pilares da sociedade moderna, constituindo alavancas poderosas para o bem e também, não o esqueçamos, para o mal, ao serviço da humanidade.
A geologia foi um dos domínios do conhecimento científico cuja competição e cujos conflitos com a religião (em particular, com a Igreja católica) foram mais graves e violentos. Cultivar esta disciplina em moldes científicos, nos tempos anteriores ao iluminismo nascido da elite intelectual europeia de finais do século XVIII, teve os seus riscos. E não foram pequenos. Falar ou escrever sobre a origem da Terra e as suas transformações ou sobre o nascimento da vida e a evolução das espécies, incluindo o surgimento do homem, tinha limites impostos pelos zeladores da Fé. Fazê-lo à luz da razão e, inevitavelmente, em confronto com as “verdades” bíblicas e com os dogmas decretados pela Santa Sé, não foi uma caminhada fácil. Foi, sim, causa de perseguições, sofrimento e, não raras vezes, sacrifício da própria vida. Basta lembrar Averrois, no século XII, Giordano Bruno, no XVI, e Galileu, no XVII, para nos darmos conta dos escolhos postos ao progresso desta e de outras ciências.
Cautelosa e timidamente, os pioneiros do conhecimento geológico propunham as suas explicações, sujeitando-se ao risco de uma tal ousadia. Como é vulgo dizer-se, a ciência e a religião são como a água e o azeite. Não se misturam. Coexistem, mas cada uma no seu campo. É evidente que as atitudes de uma e de outra perante as entidades e os fenómenos naturais, são geradoras de confronto, hoje razoavelmente civilizado e pacífico nas sociedades democráticas, mas conflituoso e, tantas vezes, cruel e desumano no passado.
Na sociedade do presente a geologia já ganhou, em muitos países, estatuto de ciência de grandeza compatível com a sua real importância, o que não é o caso em Portugal, onde este ramo do saber permanece subalternizado nos currículos escolares e continua arredado da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.
A vida profissional permitiu-me, ao longo de décadas, conviver, algumas vezes de muito perto, com as mais altas figuras nacionais, dos chefes de estado aos dos governos central e local, com ministros da educação e outros, com parlamentares e figuras gradas dos partidos políticos, com os mais prestigiados jornalistas e comentadores dos jornais, da rádio e da televisão (quase todos gente do domínio das humanidades), e pude, salvo uma ou outra excepção, constatar esta triste realidade.
É, pois, este o panorama da geologia no nosso país, pelo que o lamentável caso do referido exame, deve ser considerado como uma consequência desta mesma realidade.

                            Galopim de Carvalho