terça-feira, 15 de novembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO - 6



                                                   Via devocional

Caracteriza-se esta via pela devoção e consagração a determinadas causas, ideais, ou a entidades a que é prestado culto, pelo que é também designada “via religiosa” e “via mística”. A via da devoção corresponde, no Oriente, ao Bhakti-yoga  em que se privilegiam o amor a algo ou a alguém, conjuntamente com o dinamismo da vontade em servir e honrar. Tem a via devocional particular afinidade com a via iluminativa, com a diferença de que nesta o acento é posto mais na suavidade do amor, enquanto que a via devocional é mais focalizada na intensidade do agir. Na iluminação, predomina a chama que nos penetra; na devoção ela faz de farol que nos orienta. A intensidade desta via pode ser expressa positivamente nos êxtases e revelações do misticismo. Uma vez deturpada, chega a ser avassaladora, estando na origem do fanatismo manifesto nas guerras religiosas, no capitalismo usurpador e no terrorismo.
Para progredir nesta via é fundamental cultivar a vontade transpessoal desprovida de egoísmo e de demagogia, dado que alicerçada na generosidade do coração. A devoção é fundamentalmente a oferta de nós mesmos, em moldes de uma consagração pessoal. Roberto Assagioli vê na devoção uma atitude baseada num ideal em que “cada momento e cada movimento do nosso ser é levado a se transformar em contínua e devota oferta de nós próprio ao Eterno.” Segundo ele, “os verdadeiros místicos e os grandes contemplativos têm uma função real e efectiva.” O fundamental do fazer está na plenitude do ser que se traduz na afirmação de Lao Tzu: “Um ser integral vê sem olhar e executa sem fazer.”
O ideal devocional, seja ele humanitário, religioso, politico, psicológico, profissional, ou outro está ligado a uma aspiração, a uma disciplina e a um relacionamento ordinariamente caracterizados pela diade aprendiz e mestre, não em regime de dependência, mas de colaboração. O misticismo não dispensa das obrigações ordinárias. Serve de exemplo o episódio em que Maomé terá entrado na mesquita e perguntado a um devoto que ali passara o dia sobre quem estava tomando conta da própria família, tendo como resposta o facto de que havia deixado esta ao cuidado do irmão, ao que o profeta acrescenta: “Então o teu irmão é mais devoto do que tu.” A via mística é, ao mesmo tempo, recolhimento na acção e acção no recolhimento.

                                                                    João d’Alcor