quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A MÚSICA E O SUCESSO ESCOLAR

Um aluno com insucesso é alguém que não se adapta ao modelo pedagógico que a escola lhe propõe, não se integrando quer nos conteúdos, quer na forma como o ensino lhe é apresentado. A criança ou jovem problemáticos vêem a aprendizagem como algo fastidioso e estranho aos seus interesses e experiências.            
            Ora, a música poderá ser aquele factor motivacional que é susceptível de prender um aluno com insucesso escolar, levando-o a trilhar outros caminhos no mundo do conhecimento e do comportamento. Foi assim que, já há alguns anos, se iniciou na Venezuela um Projecto que tem tido os melhores resultados. E é isso que está a acontecer na Amadora. O Conservatório Nacional, junto de 17 escolas espalhadas pelo País, englobando cerca de mil alunos, está há quatro anos a desenvolver o Projecto Orquestra Geração, semelhante ao venezuelano. 
            Um Projecto deste tipo, indo ao encontro da tendência natural do aluno para a actividade, e oferecendo-lhe, quase de imediato, uma gratificação pelo acto que executa, proporciona-lhe vários benefícios em diferentes áreas da personalidade, entendida esta no seu sentido mais amplo. Assim:
            - crianças e jovens de etnias diferentes têm a possibilidade de conviver e descobrir, de maneira harmoniosa, as suas diferenças mas também aquilo que têm em comum;
            - uma orquestra é um grupo de pessoas que trabalha em harmonia, sob a direcção de um maestro. Esta circunstância, de trabalhar em grupo e das vantagens que daí decorrem, pode ser transferível para a turma como grupo. Igualmente, aceitar-se uma autoridade para se atingir um fim benéfico pode conduzir a que a disciplina na sala de aula assuma formas mais comprometidas com a aprendizagem;
            - uma criança ou adolescente que, a pouco e pouco, vai descobrindo que o sucesso do seu trabalho está dependente do sucesso do grupo e vice-versa, tenta esforçar-se mais; e desse esforço resulta a execução de uma obra que pode ser apreciada publicamente. Ora, isso traduz-se num reforço da auto-estima que irá repercutir-se numa maior auto-confiança e, consequentemente, ter efeitos positivos noutras áreas da aprendizagem. Foi isso que aconteceu na experiência venezuelana, em que alunos com graves problemas de aproveitamento e comportamento escolares passaram a ser alunos exemplares;
            - o Projecto proporcionou um ensino artístico a quem, muito provavelmente, a ele não teria acesso;
            - finalmente, as crianças e os jovens, levando os instrumentos para casa, sendo responsabilizados por eles, terão mais possibilidades de aproveitar os seus tempos livres noutras actividades que não sejam a de vadiarem na rua ou, em casa, de estarem ligados à televisão ou ao computador.
            Talvez as entidades escolares devessem reflectir um pouco mais sobre os custos e os benefícios de projectos deste tipo, não só sob o ponto de vista estritamente orçamental, o que talvez já significasse uma compensação significativa mas, fundamentalmente, de natureza humana. Imagine-se, com o dinheiro que se gastou em computadores para o 1º ciclo, com efeitos duvidosos na aprendizagem, nestas idades, quantos instrumentos musicais poderiam ser comprados!
                                                                                                   Mário Freire

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E A ECONOMIA DA UNIÃO EUROPEIA


A UE do século XXI oferece oportunidades que representam desafios quer para os seus cidadãos quer  para os seus parceiros.
            A crescente competição com os EUA, a China e outros países emergentes requer que a UE se converta na mais competitiva economia baseada no conhecimento, a nível mundial. A inovação permanente deverá ser uma preocupação fundamental da comunidade de negócios.
A UE reúne um vasto grupo de nações europeias. Em consequência, a diversidade linguística e cultural pode fazer perder competitividade em relação aos países acima referidos. Embora estas sociedades possam ser consideradas heterogéneas, elas têm, pelo menos em comum, uma linguagem escrita, compreendida e utilizada por todos os cidadãos. A falta de especialistas económicos, com capacidades de comunicação linguística e intercultural convenientes, põe entraves ao crescimento económico, à competitividade e à integração plena da UE.
            Como conclusão, pode referir-se que o estudo da UE “Effects on the European Economy of Shortages of Foreign Language Skills in Enterprise” concluiu que uma quantidade significativa de negócios é perdida pelas empresas europeias em consequência da insuficiência de language skills. Tomando como base a amostra utilizada, estima-se que 11% das PMEs Europeias (cerca de 945 000) estejam a perder negócios, como resultado de barreiras de comunicação. A investigação, identificou ainda uma ligação clara, entre o desempenho linguístico e o sucesso na exportação.

                                                                                                                 FNeves

domingo, 25 de setembro de 2011

1911 - 2011 - CENTENÁRIO DO HINO NACIONAL PORTUGUÊS - 1



                                                Letra interditada

Sabido é, em geral, que a letra e música do Hino Nacional Português provêm directamente de A Portuguesa, marcha composta em finais do século XIX. Menos conhecidos serão a proibição a que esta foi sujeita e os detalhes da sua evolução quanto à letra, estando nesta, mais precisamente, o fulcro da interdição. A Portuguesa é fundamentalmente um protesto contra a hegemonia inglesa e constitui oposição política à cedência da monarquia portuguesa relativamente ao Ultimato Inglês. Datado este de 11 de Janeiro de 1890, veio forçar Portugal a retirar-se da zona do designado Mapa-Cor-de-Rosa, território africano entre as colónias de Angola e Moçambique. Cedeu à imposição o rei Dom Carlos, mas reagiu ao ultraje o movimento de ideologia republicana.
Logo na noite da data da cedência, o compositor romântico Alfredo Cristiano Keil se dispôs a compor, como protesto patriótico a marcha musical designada A Portuguesa. Fora esta decisão alvitrada e tomada em reunião em que estavam presentes o artista Rafael Bordalo Pinheiro e o escritor Joaquim Teófilo Fernandes Braga, futuro Presidente da República. Por sua vez, o poeta lírico Henrique Lopes de Mendonça, oficial de Marinha, aceitou colaborar com letra adequada à música da marcha. Quase de imediato, se passou à difusão da marcha, em tom de campanha, mediante milhares de cartazes e folhetos, sendo a referida letra traduzida em várias línguas, incluído o dialecto mirandês. A 19 de Março do mesmo ano, se efectuara um grande concerto no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, com destaque para a referida marcha patriótica. A 31 de Janeiro do ano seguinte, 1891, dá-se, na cidade do Porto, a Revolução Republicana que adopta por seu hino A Portuguesa. A dita rebelião e golpe de Estado fracassou e o referido hino porque optara veio a ser superiormente proibido. Em causa mais directa  da interdição estava a letra, designadamente o teor do refrão, terminando este, nos termos originais, com o seguinte apelo; Contra os Bretões marchar, marchar. Em apontamento posterior se dará conta do fenómeno em que das cinzas de bélico ‘soneto’ surge, como emenda, um monstro ainda hoje por domar.

                                                                                João d’Alcor

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O ENSINO NA 1ª REPÚBLICA - 11

                                   
                                   (A propósito de uma exposição)

                                             O Ensino Superior

            O Ensino Superior mereceu uma especial atenção aos homens da 1ª República. Eles entendiam, como se diz em Educar, o livro-guia da Exposição cuja visita suscitou esta série de artigos, que se “tornava necessário acabar com o quase-monopólio que a Universidade de Coimbra exercia no Ensino Superior, pelo que, para cumprir o seu alargado programa educativo, os republicanos criaram mais duas universidades, no Porto e em Lisboa”.
            Sempre as universidades foram, pela natureza das pessoas que a constituíam, um meio propício para a eclosão de ideias inovadoras, de não acomodação com o statu quo político e social que, ganhando amplitude, se poderiam alastrar à sociedade em geral. Neste sentido é curioso assinalar o que disse Sidónio Pais na Oração de Sapiência de 16 de Outubro de 1909, na altura da abertura solene da Universidade de Coimbra onde era professor de Matemática: “ A Universidade de Coimbra precisa de tomar um partido – ou é pelo passado, pelo espírito de rotina, pela reacção, enfim, e tem de morrer; ou é pelo progresso, pelo espírito científico, e pela liberdade, e tem de buscar em si própria a potência criadora, que há-de, por uma transformação radical, torná-la o primeiro centro de educação da mocidade portuguesa” (do blog De rerum natura).
            Com a Implantação da República, a Universidade quis sair do marasmo em que se encontrava. Assim, em Lisboa, a partir da agregação de várias escolas superiores já existentes (a Real Escola de Cirurgia, a Escola Politécnica e o Curso Superior de Letras), constituiu-se em 1911 a Universidade. O Instituto Superior Técnico e o Instituto Superior do Comércio foram, como se viu no número anterior, criados igualmente neste mesmo ano.
            Relativamente à Universidade do Porto, embora as suas raízes provenham do séc. XVIIII, é no séc. XIX que se criam a Academia Real da Marinha e do Comércio, a Régia Escola de Cirurgia, a Escola de Farmácia, a Academia Portuense de Belas Artes e a Academia Politécnica. Com a reforma da 1ª República é, então, fundada a Universidade com as Faculdades de Ciências e de Medicina.
            Tentou-se, ainda, que a universidade portuguesa tivesse um pendor menos teórico e que pusesse em prática um método de trabalho mais experimental e menos retórico.
            Mas aquelas declarações de Sidónio Pais, mesmo após a Implantação da República, continuaram a ser o desejo não cumprido do papel da Universidade, com honrosas excepções. Retiro ainda de De Rerum Natura aquele (não) episódio, a propósito da passagem de Einstein por Lisboa, onde desembarcou, por duas vezes, a caminho do Rio de Janeiro e no seu regresso, em 1925, já Prémio Nobel da Física, desde 1921. Ora, este cientista foi completamente ignorado quer pela comunidade científica portuguesa da altura quer pela sociedade nacional. Em contrapartida, ele foi recebido com todas as honras no Brasil.
            Passados cem anos, a Universidade Portuguesa de hoje tenta em muitos cursos ombrear-se com as melhores universidades do mundo. Aprendeu com os erros e soube sintonizar-se com os novos tempos!
      
                                                                                              Mário Freire

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO - 2

                                                   Via iluminativa

Esta via -  igualmente designada “via intuitiva”, “via regenerativa” “via da conversão” – em que convergem, numa síntese, a inteligência e o amor - tem o carácter de uma alquimia espiritual na qual se opera uma purificação. Dante fala da “luz intelectual cheia de amor.” O termo grego agapé traduz esta síntese e nos autores místicos é designada o “Caminho da Luz”, relacionado com a iluminação, em que há um despertar interior, quer em série, quer por etapas, quer de carácter permanente. Roberto Assagioli explica que é mediante esta via que Gautama adquire o estado de Buda o iluminado. Em termos psicológicos, Abraham Maslow utiliza o termo de “experiência do auge.”
É de notar que a via iluminativa inclui os diferentes estádios de inspiração, não sendo limitada às grandes epifanias de teor místico. Em psicossíntese, esta via é relacionada com a união entre a personalidade e o Eu transpessoal ou espiritual. Neste processo, pode haver interferência da vontade amorosa, em atitude de acolhimento, mediante quer a aspiração relativa à descida das energias supraconscientes para o campo da consciência, quer procurando elevar o nível da consciência em que muito conta a eficácia da meditação. É porém a intuição que tem um papel preponderante, espontaneamente exercido.
Relativamente a esta via, há que ter em conta quanto a psicossíntese individual se relaciona com as dimensões social e universal, evitando um intimismo privatizado. O exclusivismo nos esvazia. Viktor Frankl aponta para a transcendência e complementaridade, fazendo ver que “nos realizaremos a nós próprios por acréscimo.” Na díade amor-iluminação, a motivação é o amor oblativo e a luz recebida leva à transparência que dissipa as trevas, mediante a luz interior.

                                                               João d’Alcor

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O SABER E O SEU SENTIDO


Há já algum tempo que David Sloan Wilson, investigador em Biologia Evolutiva, deu na revista Visão uma entrevista em que fala do tema da sua especialidade mas tenta extrapolar os seus conhecimentos para outros domínios. Diz ele que o nível cultural é uma forma de evolução e que não existe nenhum assunto humano que não possa ser abordado com êxito a partir de uma perspectiva evolucionista. Diz ainda que “a evolução já fez isso para a Biologia e agora estamos a fazê-lo para tudo o resto. O que inclui a religião”.  
            Para se alcançar o saber já há muito que a metodologia científica propõe que a recolha de dados, isto é, a selecção dos factos que sejam relevantes no estudo de um tema, constitua uma condição para existir informação. Mas esta não é condição suficiente para se afirmar que há já um saber.
            Normalmente, no mundo em que vivemos, ficamo-nos por esta etapa: recepcionamos dados, nem sempre fiáveis, a partir de uma ou várias fontes e, depois, construímos os nossos conceitos. Ora, nem sempre estar-se informado sobre algo significa conhecer-se o que se deseja. Relatar um acontecimento é já ter atingido um certo patamar na informação. Mas ele só será verdadeiramente conhecido quando for possível realizar uma análise, decompondo-o nos seus elementos, confrontá-lo com outros, aparentemente semelhantes, estabelecer analogias e diferenças, inferir consequências.
            Ora Sloan, como cientista, tenta inferir consequências, fazendo, depois, uma generalização das suas concepções. E, pelo que entendi na entrevista, ele, como darwinista, está a tentar essa generalização, incluindo a religião como uma forma de expressão cultural.
            Com um fio condutor diferente, Teilhard de Chardin, no século passado, fez uma outra abordagem à evolução. Este, padre jesuíta e paleontólogo, estabeleceu que todo o Universo evoluiria do caos primordial para o aparecimento da consciência humana. Esta, por sua vez, passaria a formas mais complexas, dando origem a uma super-humanidade. Produzir-se-ia, então, uma unidade biológica e crística, formada por pessoas movidas pelo
altruísmo mais generoso e pela graça sobrenatural própria do cristianismo. Nesta abordagem, haveria uma força criadora que tudo regulava: Deus.
            Ambos os autores, a partir dos dados que estudaram, construíram concepções diversas sobre o que gera e o que significa a evolução.
            Diz-se no Livro da Sabedoria, versículo 8, que “se alguém deseja uma vasta ciência, ela (a sabedoria) é que sabe o passado e entrevê o futuro (…), conhece os sinais e os prodígios e o que tem de acontecer no decurso das idades e dos tempos.”
            Ora, cada um destes investigadores, a partir dos seus saberes científicos, construiu uma visão do mundo e do homem muito diversa, tentando conhecer, com base nos sinais e prodígios, o que tem de acontecer no decurso das idades e dos tempos.           
Cá por mim, a minha modesta sabedoria vai no sentido de afirmar que a ciência e a religião não jogam uma contra a outra; elas situam-se em planos diferentes. Isto não significa que não deixe de admirar a vastidão, a complexidade e a harmonia existentes na Natureza e no Universo e entenda que não é o acaso, um dos marcos do darwinismo, que as justificam. Por outro lado, admito que outros procurem ver na religião algo que, muito prosaicamente, possa ser explicado pelo tipo de evolução de que Sloan é defensor.
Afinal, não é na diversidade da paisagem, seja ela de natureza biológica ou ideológica, que reside a riqueza? E a esta riqueza não existe crise que se lhe possa opor!
                                                                         
                                                                                           Mário Freire

sábado, 17 de setembro de 2011

DISPONIBILIDADE


Disponível como a água
que há nas fontes, a jorrar,
é quem, pronto a consolar,
acorre onde exista a mágoa.

Disponível como o ar
que inspiramos noite e dia
é quem vive na alegria
de serviços a prestar.

A dis-po-ni-bi-li-da-de
 só por si nos oferece
 o prazer de a soletrar.

Deixa sempre saudade
esse dom. Jamais esquece
quem assim nos sabe amar.

     João d’Alcor

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O ENSINO NA 1ª REPÚBLICA - 10

                                       (A propósito de uma exposição)

                                                  O Ensino Profissional

            Se, como se viu em textos anteriores, o ano de 1836 foi importante para a criação do ensino liceal, igualmente nesse ano teve lugar a fundação das Conservatórias de Artes e Ofícios de Lisboa e Porto. Estas escolas foram como que as precursoras do Ensino Industrial. Só em 1852, porém, é que este tipo de ensino adquire uma certa estrutura, passando a ter três níveis. Ele irá sofrer várias modificações e, gradualmente, espalhar-se-á por diferentes cidades do País, muito especialmente naquelas onde já existia uma vocação industrial.
            Com a implantação da República, e de modo idêntico ao que tinha ocorrido com o ensino primário, o Ensino Profissional foi objecto da maior atenção.
A História da Formação Profissional e da Educação em Portugal de Carlos Fontes é um estudo online que dá uma perspectiva das vicissitudes por que foi passando este tipo de ensino desde a Idade Média até aos nossos dias. Retiro dele algumas notas para assinalar as mudanças que foram ocorrendo no ensino da indústria e do comércio nesses primeiros tempos da República.
Brito Camacho, em 1911, estava à frente do Ministério do Fomento. Ele considerava que o atraso profundo em que o País mergulhava decorria da insuficiência do Ensino Profissional. São desta altura, entre outras alterações, a criação do Instituto Superior Técnico e do Instituto Superior de Comércio, resultantes do desdobramento do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. O Instituto Superior de Comércio originou, por sua vez, o actual ISEG.
Em 1916 coloca-se a necessidade de uma reforma profunda do ensino industrial e comercial. Nada se adianta, porém, a não ser uma nova nomenclatura para os vários tipos de escolas.
Com a passagem deste Ensino, em 1918, para o Ministério do Comércio e Comunicações, sendo ministro Azevedo Neves, procedeu-se a uma reforma mais profunda do mesmo, em que a Associação dos Engenheiros foi parte activa. Os princípios da descentralização, da separação (industrial, comercial e artístico) e da diferenciação (elementar, médio e superior) presidiram a esta modificação estrutural. Depois dessa data, alguns arranjos de natureza formal tiveram lugar mas, verdadeiramente, foram os anos de 1911 e 1918 que marcaram as alterações e avanços dos ensinos industrial e comercial na 1ª República. 

                                                                      Mário Freire

terça-feira, 13 de setembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO - 1

                                                                  
                                                       Via heróica

Designada também “via da vontade” e “via altruísta”, esta via está directamente ligada à mestria de si próprio, muito embora orientada para o bem comum, mormente sob a função psicológica da vontade. Em termos de psicossíntese, pode qualificar-se a via heróica como sendo a integração e consagração da personalidade a nível transpessoal, mediante um processo existencial de conscientização em que se realiza a síntese entre o ser e o agir. Corresponde isto, classicamente, ao mote latino do agere sequitur esse - o agir é precedido do ser - ambos conjugados e idealmente consagrados a uma causa humanitária.
Há que ter em conta tanto as virtualidades como as distorções eventuais no percurso ou, melhor dito, das expressões desta via, como aliás no que diz respeito às demais. O aspecto tenebroso da via heróica é o abuso do poder quer despótico quer exibicionista, em moldes de imposição e quiçá de tirania, em que a vitória sobre si próprio é substituída pelo domínio sobre os demais. Neste caso, o culto da virtude é substituído pelo culto do herói e o servir dá lugar ao servir-se.
O verdadeiro herói não é tanto o que suporta uma grande prova, mas sim o que a supera. Rejeitando o pessimismo envolto num finalismo egoísta, assaz veiculado no pensamento quer de Freud debruçado sobre a sombra do passado, quer de Adler projectado no futuro, Assagioli traz para o presente o exemplo em que “ o amor desinteressado, a compaixão, a abnegação e o espírito de sacrifício existem, em que valores superiores, transpessoais tantas vezes têm impulsionado os homens a concretizar obras notórias alheios a satisfações egoístas de prazer e poder.” Não será de esquecer que, na maioria dos casos, os verdadeiros heróis e heroínas permanecem no desconhecimento, tendo a coragem de ultrapassar amorosamente inúmeras provas do dia a dia.

                                                                 João d’Alcor

domingo, 11 de setembro de 2011

SEPARAR AS ÁGUAS

                       

            Esteve patente na Fundação Calouste Gulbenkian, entre Fevereiro e Maio de 2009, uma exposição sobre A Evolução de Darwin. Ela inseriu-se nas comemorações do bicentenário do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos da sua obra A Origem das Espécies.
            Estas comemorações retomaram, através de várias publicações então saídas, o tema da origem da vida e do homem e puseram em evidência as relações que os seres vivos, nas suas diferentes formas, têm manifestado ao longo dos tempos. Trata-se de um tema de discussão científica mas em que as concepções filosóficas e religiosas não ficam de fora.
            Não sei se é possível saberem-se todos os processos de vária ordem que teriam sido necessários conjugarem-se para a ocorrência da vida. No entanto, nesses processos costumam ser referidos, fundamentalmente, os astronómicos, os físicos e os químicos que teriam permitido a que elementos abióticos se organizassem e viessem a gerar seres vivos. Estes, depois, iriam, então, assumindo graus crescentes de complexidade quer nas suas estruturas, quer nas suas funções.
            Ora, existe um maior consenso sobre os processos que conduziram à existência da multiplicidade de formas vivas, a partir de um ser primordial de natureza biológica, do que nos diferentes processos que teriam levado ao aparecimento dessa primeira entidade biológica formada a partir da matéria inanimada. E aquele maior consenso deve-se, fundamentalmente, a Darwin.
            Ele propôs uma teoria que se manteve actual, mesmo à luz dos novos conhecimentos da Biologia Molecular. A teoria de Darwin (darwinismo) fundamenta-se em dois tipos de mecanismos: o do acaso, que tem lugar através da aleatoriedade das mutações, e o da selecção natural, pelo qual os indivíduos portadores de alguma vantagem genética têm maior possibilidade de sobreviver e procriar. Como pano de fundo, existiria o factor tempo. Significa isto que, pequenas alterações com êxito nos organismos, ao fim de milhões e milhões de anos, poderiam originar outros com características significativamente diferentes e mais complexas do que as dos seus antepassados.
            Os fósseis são testemunhos de seres vivos que nos ajudam a construir uma árvore genealógica da vida. Por isso, exceptuando alguns fundamentalistas cristãos que teimam em levar à letra o que se diz na Bíblia sobre a formação do Mundo, hoje ninguém minimamente informado põe em causa a existência da evolução. A Bíblia não é um tratado de ciência mas, apenas, um livro de carácter religioso.
            Ora, as ideias evolucionistas impregnaram de tal modo a sociedade contemporânea que muitos prescindem da existência de Deus, uma vez que encontram explicações, no âmbito da Ciência e, em especial, no darwinismo, que lhes permitem ter as respostas para as suas grandes interrogações.
            No entanto, estas continuam a colocar-se! 
            Assim, como explicar que, a partir da grande explosão do Big Bang, em que uma infinidade de mundos se abriram, tivesse aparecido um estreitíssimo carreiro que conduz àquilo que hoje existe, mas se tivessem ocorrido pequenas alterações nas constantes naturais, tais como na gravidade, na inclinação da eclíptica, na temperatura, outros mundos completamente diferentes teriam aparecido? 
            Como se deu o salto a partir de um conjunto molecular sem vida para um ser capaz de respirar, de se reproduzir, de assimilar, isto é, de transformar as substâncias estranhas na sua própria substância, como o faz qualquer ser vivo?
            Que caminhos encontrou o acaso para sintetizar as múltiplas enzimas capazes de presidirem, organizadamente, às infindáveis reacções químicas que têm lugar numa simples célula?
            Como é que a selecção natural e o acaso, a partir dessa entidade longínqua do Pré-câmbrico, que não chega ainda a ser uma bactéria, conseguem, de um modo organizado e extremamente complexo, originar alguém capaz de ter consciência de si e dos outros, de possuir sentimentos, de resolver problemas cognitivos complexos, de tomar decisões e de criar?
            Tomando como certo o Princípio da Parcimónia de que a explicação de qualquer fenómeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias para essa explicação, excluindo todas as outras que se multiplicam para além da necessidade, terá que se ser prudente nas respostas a estas e outras questões. Assim, se no plano científico elas puderem ter uma resposta, esta não deverá ser buscada na filosofia ou na religião.
            Penso que os teólogos têm sido prudentes em não tentar provar a existência de Deus através de métodos científicos. Deus não é um tapa-buracos para a nossa ignorância. Mas, por outro lado, não se estará a pedir a uma teoria da evolução – o darwinismo (e outras teorias da evolução existem!) que vá além daquilo que ela pode dar, tirando como ilação a prescindibilidade de Deus?
           
                                                                                                    Mário Freire







sexta-feira, 9 de setembro de 2011

MÚSICA MULTIDIMENSIONAL


A musicoterapia permite o acesso a um movimento interno curativo. Através de um estado de concentração e de relaxação surge a espontaneidade que nos dá acesso a uma ligação com o nosso eu interior. As sensações que recebemos da música, sejam elas agradáveis ou desagradáveis, permitem-nos libertar as emoções profundas inconscientes. O som é uma forma de energia que atravessa o campo energético para além de onde nos situamos, e permite-nos o vivenciar experiências que poderão mesmo chegar a atingir uma dimensão cósmica. Reconhecer deste modo o nosso inconsciente transforma a nossa vida, permitindo uma integração conciliadora.
É interessante reconhecer os benefícios da harmonia que a música transmite mas, igualmente, interessante reconhecer a consciência dos sons perceptíveis que nos chegam de modo desagradável. Estes despoletam sentimentos de mal-estar, de irritação e outros. Essa consciencialização de sensações desagradáveis permite-nos muitas vezes, se estivermos atentos, ter acesso ao conhecimento da causalidade que nos perturba.
Em contexto educativo, a realização de musicoterapia com posterior dinâmica de grupo anónima realizada com os alunos, será um modo de partilhar sensações comuns positivas ou negativas. A sensação do jovem poder ter em comum com os colegas uma mesma preocupação ou emoção, permite-lhe desbloquear um mundo que até então poderia estar a reprimi-lo.
Ouvir, sentir e partilhar. Pretendemos deste modo prevenir atitudes de violência e incentivar a melhoria nas relações interpessoais.

                                                                              Paula Faria

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

DISCIPLINA



Disciplina que é ‘spartilho
se transforma num cilício.
Se é comboio sobre um trilho,
não seduz um tal auspício.

Suspeito é quanto é formal,
onde o molde prevalece
e quanto há de original
se despreza ou mesmo se esquece.

Bom é ser disciplinado,
mas algemas são tormento
seja qual o seu teor.

Prova ser bem educado
quem mestria o seu talento
livremente e por amor.

                         João d’Alcor

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O ENSINO NA 1ª REPÚBLICA - 9

           Escadaria da entrada do antigo Liceu de Portalegre - foto de Maria João Falcão

                               (A propósito de uma exposição)
                             
                        O Ensino Secundário – Os Liceus

            Foi referido no texto nº2 sobre “O Ensino na 1ª República” que o ano de 1836 constituiu um marco na História da educação em Portugal. É num quadro de grandes reformas que teve lugar o decreto de 17 de Novembro desse ano pelo qual foram criados os Liceus, isto é, as escolas secundárias que se propunham ministrar um ensino de maior conteúdo, sem ter por objectivo único a preparação para a Universidade.
            Diga-se que, com a implantação da República, o ensino liceal não mereceu a urgência que o primário teve. Assim, até 1918, manteve-se a legislação sobre o ensino liceal que até então vigorava. Igualmente foi mantida a rede de estabelecimentos de ensino, continuando a existir os liceus centrais de Lisboa, Porto e Coimbra (onde era leccionado o curso complementar) e os nacionais (leccionando apenas o curso geral), cada um dos quais a funcionar em sua capital de distrito.
            Foi no ensino secundário liceal feminino, contudo, que se operou uma mudança significativa. Assim, se ainda na Monarquia tinha sido criado, em 1906, o Liceu feminino de Maria Pia, em Lisboa, foi com um decreto de 1914 que se instituíram, junto dos liceus do Porto e de Coimbra, e fazendo parte deles, secções femininas. Nos outros liceus as alunas podiam frequentar os estabelecimentos masculinos. Estas medidas iriam provocar um aumento da população feminina, sendo esta, cinco anos após a implantação da República, um quarto da totalidade dos alunos liceais.
            É no ano de 1918 que surge a primeira Reforma significativa do ensino secundário liceal. Nela se aponta numa direcção mais específica, tendo em vista a formação de uma cultura geral, adequada para o ingresso nos estudos superiores. Assiste-se, pois, a uma concepção do ensino em que à componente de educação geral clássica se associa uma preocupação “instrutiva e enciclopédica”.
O plano de estudos desta Reforma continha uma sobrecarga acentuada do número de disciplinas; muitas destas provinham quer da separação de disciplinas que eram leccionadas conjuntamente, quer da introdução de novas disciplinas. Continuava a preocupação, já referida para o ensino primário, da educação cívica para o desenvolvimento do sentimento patriótico.
Relativamente às secções femininas, anexas aos liceus centrais, foram transformadas em liceus femininos. As alunas, na disciplina de Trabalhos Manuais, tinham que frequentar actividades como costura, lavores e trabalhos de arte aplicada, tendo em vista, segundo o decreto que introduz a Reforma, “preparar a mulher para a vida do lar e de educadora dos filhos e para todas as situações que não impliquem competição com o homem."
Consoante as vicissitudes políticas por que foi passando a República até 1926, assim caíram e reapareceram novas reformas no ensino, mantendo-se, no essencial, aquilo que estava estabelecido pela Reforma de 1918.

                                                        Mário Freire

sábado, 3 de setembro de 2011

A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA...PARA TODOS




A Aprendizagem ao Longo da Vida para Todos resulta da necessidade que a União Europeia sente de implementar actividades que promovam a aprendizagem em regiões carenciadas e identificadas como tal, pelo European Council. A proposta é fazer um debate nacional e desenvolver uma intensa colaboração entre os principais promotores da educação, de modo a identificar e testar novas actividades de aprendizagem em contextos formais e não formais. Dá-se especial atenção às novas tecnologias de informação (ICT), tendo como objectivo a procura de modelos sustentáveis de introdução da oferta da aprendizagem e da inovação, na Aprendizagem ao Longo da Vida.
O primeiro passo será a identificação de boas práticas e de soluções/estratégias inovadoras desenvolvidas por Centros Europeus de Excelência. Estes colocarão ao dispor o seu conhecimento, para facilitar a discussão relacionada com as estratégias inovadoras a serem aplicadas. Os referidos Centros Europeus funcionarão, também, como peritos externos e serão convidados a assistir à reunião alargada de apresentação das actividades aos promotores envolvidos.
Essa reunião será destinada não só a instituições nacionais e regionais mas, também, a profissionais da educação e de sectores das novas tecnologias de informação, em contexto educativo. Dela sairão as principais ferramentas para lançar o debate e para discutir as boas práticas, as estratégias inovadoras e a aplicabilidade das soluções encontradas ao sistema educativo em causa. Incluirá vários workshops temáticos (aprendizagem informal e ICT, por exemplo), que oferecerão a oportunidade de iniciar uma estreita cooperação e o teste de novas metodologias de aplicação da inovação à Aprendizagem ao Longo da Vida. Os resultados dos workshops serão sujeitos à apreciação de peritos europeus, de modo a implementar as oportunidades de trocas e o conhecimento transnacional entre os promotores envolvidos. Serão, também, distribuídos aos principais promotores e publicados na plataforma web dedicada.
Esta plataforma web, será lançada para dar suporte às actividades previstas e incluirá áreas abertas à disseminação da informação e à cooperação dos diversos intervenientes. Os resultados do trabalho cooperativo contribuirão para a definição de recomendações estratégicas dirigidas aos responsáveis educativos nacionais e da União Europeia.
Dos resultados esperados são de referir:
- Aumento da confiança nas oportunidades inovadoras, oferecidas pela abertura dos sistemas de educação formal a situações informais.
- Suporte ao desenvolvimento da cooperação dos promotores envolvidos, em novos sistemas de aprendizagem.
- Definição de estratégias para aumentar a eficiência e a fiabilidade das oportunidades da Aprendizagem ao Longo da Vida, às necessidades da sociedade baseada no conhecimento.
- Recomendações aos responsáveis políticos aos níveis regional, nacional e europeu.

                                                                                                FNeves

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

VIAS DE REALIZAÇÃO

                                          
                                                         Introdução

O simbolismo da via é comum a variadas tradições, tendo sido particularmente veiculado mediante a mitologia, a filosofia, a literatura, a religião e a espiritualidade. Sirvam de exemplo, na cultura ocidental, a Odisseia de Ulisses, a Busca do Graal, na mítica legenda de Parsifal, e a Divina Comédia de Dante. No Cristianismo, a via é personificada na pessoa de Cristo que se apresenta como Caminho, levando os primeiros cristãos a identificarem-se como os Seguidores do Caminho. A Lei islâmica é designada o Shari’ah cuja raiz Sri significa o Caminho. O Sufismo precisa que se trata do Caminho para Deus. É nesta perspectiva que o Islão afirma serem tantas as vias para Deus como os descendentes de Abraão. Com efeito, a Via, no sentido mais radical, não é qualquer coisa, mas sim Alguém.
Na filosofia e misticismo orientais, Confúcio se considera como mensageiro divino de carácter sobre-humano cuja missão é transmitir a Via, pertencendo aliás a todo o ser humano participar nessa missão. O Taoismo é directamente ligado ao Tao, considerado o Princípio universal e mais precisamente a Via ou grande Caminho. Os ensinamentos de Buda preconizam a Via do Meio, a qual evita os extremos, apta a conduzir à Iluminação. Esta via de realização é designada na índia e no Tibete a Anticarana, comparada à caminhada bíblica de Jacob a qual culmina na visão da escada que liga a Terra ao Céu.
No domínio especificamente psicológico, é de notar o carácter existencial da ontopsicologia de Anthony Sutich e particularmente a abordagem psicológica de Roberto Assagioli em que o Eu transpessoal é simultaneamente a via e o agente fundamental da psicossíntese. As sete vias de realização constituem o tema central do seu projectado livro, a ser intitulado Hight Psychology and the Self, jamais escrito, e que viria a ter como tema central as sete vias de realização. Tendo em conta a diversidade tipológica, o conceptualizador da abordagem psicossintética nota que “são múltiplas as vias do espírito, havendo para cada pessoa uma delas, a mais em consonância com a sua constituição, com o seu temperamento e com a sua própria posição existencial.” Há que ter em conta o facto de que a via preferencial não é única e muito menos exclusiva. Trata-se, mais propriamente, não tanto de pistas alternativas, mas de faixas de um mesmo caminho. É nesta perspectiva que, em número septenário, diferentes vias aqui virão a ser especificadas nas suas particularidades e consideradas na sua complementaridade.

                                                                                             João d’Alcor