domingo, 29 de dezembro de 2013

A NOSSA PERSONALIDADE É PLÁSTICA


A personalidade é algo que define cada um de nós no que diz respeito à nossa forma de pensar, de sentir e de agir num determinado meio social. Todos nós temos uma personalidade individual, única, cuja formação e desenvolvimento é um processo gradual e complexo. Exprime-se de formas diferentes – nomeadamente, através do comportamento, do pensamento e das emoções – e a sua organização manifesta-se através de características recorrentes.
Apesar de haver elementos relativamente estáveis ao longo do tempo – os chamados traços de personalidade – a personalidade é dinâmica e vai sofrendo alterações consoante os ciclos de vida. Todos nós aos 40 anos somos diferentes de como éramos aos 20, mas ao mesmo tempo, sentimos que somos a mesma pessoa.
Ao contrário do que se pensava, estudos recentes revelam que a personalidade está em contínua transformação e que não pára na entrada para a idade adulta. Mesmo em idades mais avançadas, a personalidade vai-se alterando. O que é que nos leva à mudança?
O ambiente que nos circunda tem uma influência enorme sobre nós e a nossa forma de responder às situações externas em termos de sentimentos, pensamentos e ações, tem muito a ver com a nossa capacidade de adaptação e de sedimentação do que vamos vivendo. Cada experiência tem sobre nós um impacto, a qual nos pode mudar: um trabalho, os colegas, os amigos, uma relação amorosa, o país onde vivemos, a cultura onde estamos inseridos, a educação, etc. Assim, o nosso desenvolvimento não depende apenas do património genético que herdámos nem do ambiente que nos circunda.
Optamos por viver determinadas experiências, as quais já são fruto de preferências individuais, e essas decisões já vão, por sua vez, ter um efeito sobre nós, o qual pode ser completamente diferente de pessoa para pessoa. Somos seres únicos, com a extraordinária capacidade de mudar, o que nos permite aproximarmo-nos, de dia para dia, do que pensamos e sentimos ser a personalidade que melhor nos exprime.

                                Rossana Appolloni

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

DOMÍNIO



Desde impérios do saber
ao controlo de si mesmo,
há sentidos - São a esmo -
que o domínio vem a ter.

Sobremodo é no poder
em que o termo se esvazia;
perde toda a mais-valia,
quase inferno chega a ser.

Poderio sobre alguém
gera dor, escravidão;
é, um tudo, rumo ao nada.

Bom sentido está no Bem,
progressivo, em adição.
Esta a vera tabuada.

João d’Alcor


quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

ENSINAR A PENSAR É POSSÍVEL?



Algumas décadas atrás considerava-se o quociente intelectual (QI) como uma entidade fundamental para a predição do êxito escolar. É claro que a sua determinação estaria ligada a um certo conceito de inteligência.
 Sabe-se hoje que a inteligência pode manifestar-se sob múltiplas formas e revestir aspectos com incidências em vários campos. Ela parece ser um conjunto complexo de competências em que a pessoa, numa delas, pode revelar um desempenho que não é, necessariamente, o mesmo nas outras.
Por isso, o QI, embora continue ainda a ser usado, já não tem, presentemente, a absolutização que lhe era atribuído. Além disso, aquilo que parecia ser uma entidade imutável veio, depois, através de múltiplas experiências, a dar lugar à concepção de que as capacidades cognitivas podem mudar, de que é possível desenvolver-se a capacidade de aprender.
Vários programas foram levados a cabo, tendo em vista promover algumas competências cognitivas. A Universidade do Minho e a F. C. da Universidade de Lisboa chegaram mesmo a impulsionar actividades de desenvolvimento cognitivo fora das actividades curriculares. Outros programas, no entanto, apareceram que estão enquadrados nas actividades do currículo, em que os alunos, ao mesmo tempo que aprendem conteúdos disciplinares, põem em actividade novas estratégias de pensar e de aprender.
Pelo menos uma intervenção deste tipo já foi operacionalizada, a título experimental, na região de Lisboa, abrangendo 46 alunos do 6º ano de escolaridade, com baixo rendimento na disciplina de Língua Portuguesa, tomando esta disciplina como instrumento do desenvolvimento cognitivo.
Talvez valesse a pena ler o livro da Mª Helena Salema (Ensinar e aprender a pensar, Texto Editores), pois ele poderia inspirar acções neste campo com repercussões nos domínios pedagógico e social.


                                                              Mário Freire

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O LADO POSITIVO DA CULPA



Já vimos em textos anteriores que o sentimento de culpa é desgastante e, na maioria das vezes, não contribui em nada para o nosso bem-estar. No entanto, este sentimento é essencial para a nossa vida em sociedade na medida em que implica uma autoavaliação, isto é, um julgamento dos nossos próprios comportamentos de forma a termos em consideração o bem-estar do outro aquando das nossas escolhas. Assim, o sentimento de culpa traduz-se por um sinal de saúde psicológica ou moral, importante nas relações sociais. De outra forma, tornar-nos-íamos todos delinquentes e serial killers e viveríamos bem com isso.
O sentimento de culpa provoca o reforço de relações sociais por várias razões: antes de agirmos, tendemos a prever o efeito que a nossa ação causa no outro e no nosso estado emotivo, pelo que ao nos sentirmos culpados podemos optar por não cometer essa ação. Por outro lado, quando nos sentimos culpados, tentamos reparar o dano provocado, quanto mais não seja pedindo desculpa. Ao fazermos isso, estreitamos a relação com o outro. Por fim, tentarmos remediar o dano causado, faz-nos muitas vezes ver e agir além do próprio lesado, tentando fazer bem até a pessoas desconhecidas. Em casos onde é impossível corrigir o que se fez, o sentimento de culpa pode tornar-se insuportável, encontrando forma de expiação em comportamentos de assistência aos outros (o que não significa que por trás de gestos altruísticos esteja sempre um sentimento de culpa latente).
Podemos então concluir que quanto maior a propensão para nos sentirmos em culpa, maior a nossa sensibilidade para com os outros. Temos a preocupação de não provocar sofrimento no outro, agindo de forma prejudicial. O único risco, para o qual é necessário ter muita atenção, é quando nos tornamos vítimas de um sentimento de culpa injustificado. É aí que este se torna desgastante e inútil. De outra forma, façamos um uso positivo deste sentimento tão benéfico a uma vida social mais rica e plena.

                               Rossana Appolloni

sábado, 21 de dezembro de 2013

HOMENAGEM



Não obstante o apetite,
recusar o alimento,
se excessivo, no momento,
é de norma que este se evite.

E, quanto ao ressentimento,
- Por ofensa recebida
de atentado à própria vida -
pôr-lhe cobro traz alento.

Se tal prova nos advém,
grande é sempre a tentação:
O recurso é a vergasta.

Ao pagarmos mal com bem,
qual Madiba na prisão,
livre sermos tal nos basta.

João d’Alcor


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

PALINGÉNESE


       Ciclo petrogenético. (Imagem retirada de sofiablogecn.blogspot.com).



Termo erudito do glossário geológico, palingénese radica nos étimos gregos palim, que quer dizer de novo, e génesis, que significa acto de gerar. Em linguagem vulgar é o mesmo que renascer. O termo foi usado por alguns autores para referir a fase do ciclo petrogenético que conduz à formação do granito por fusão dos sedimentos de que são feitas as montanhas, no seu interior profundo, durante a respectiva formação. Para outros autores, o mesmo processo toma o nome de anatexia (do grego aná, novo, e teptikós, fundir).
Na formação de uma montanha, em consequência do fecho de um oceano e da colisão das massas continentais que o ladeavam (um processo que pode demorar quatro a cinco dezenas de milhões de anos), parte dos sedimentos acumulados nos fundos e nas margens desse oceano e cujas espessuras podem atingir milhares de metros, são forçados a mergulhar algumas dezenas de quilómetros, em profundidade[1]. No referido mergulho, os sedimentos vão ficando sujeitos a temperaturas e pressões cada vez mais elevadas, sofrendo modificações nas respectivas texturas e composições mineralógicas. A tais modificações, quando ainda processadas no estado sólido, convencionou-se chamar metamorfismo e as rochas dele resultantes são adjectivadas de metamórficas. Por exemplo, os sedimentos terrígenos habitualmente referidos por pelitos (argila mais partículas muito finas de quartzo e de outros minerais), quando submetidos a condições moderadas de temperatura e pressão, transformam-se nos conhecidos xistos argilosos e nas ardósias ou lousas. Os que desceram um pouco mais deram origem aos filádios, também chamados xistos luzentes, uma vez que a componente argilosa se transformou em minerais algo brilhantes (ou luzentes), como a sericite, a clorite ou o talco. Mais profundamente, formaram-se os micaxistos e, ainda mais abaixo, os gnaisses.
A profundidades na ordem dos 30 quilómetros, a temperatura pode atingir os 700 a 800 oC, e a pressão ultrapassar as 4000 atmosferas. Neste ambiente e na presença de água (contida na composição das argilas) tem lugar a fusão parcial das rochas, ou seja, a fusão dos minerais menos refractários (quartzo e feldspatos). Entra-se aqui no domínio do ultrametamorfismo e o processo, como se disse atrás, toma o nome de anatexia ou palingénese, dando origem, primeiro, a migmatitos[2] e, finalmente, no caso de fusão total, ao renascimento do granito[3]. Os granitos do soco hercínico[4] (ou varisco[5])
________________________________
[1] - Sabemos que o planeta conserva, no seu interior, grande parte do calor original e o que resulta da desintegração de certos isótopos radioactivos, presentes na constituição de algunsminerais (feldspatos, micas e outros) de rochas como, por exemplo, os granitos.

[2] - Migmatito – rocha ultrametamórfica, gerada por palingénese ou anatexia, de que resulta uma composição granitóide, na qual uma parte foi fundida e outra, mais refractária, permaneceu no estado sólido. Ao nível do terreno, situa-se na passagem das rochas metamórficas da catazona, como é o gnaisse,  ao granito franco.

[3] - Em sentido lato, o que inclui a generalidade das rochas granitóides (granitos, granodioritos, tonalitos, etc.)

_________________________________________

português, de norte a sul, são granitos renascidos por esta via, numa orogenia ocorrida há 360-300 milhões de anos.
Quem frequentou a escola nas últimas décadas, talvez se recorde da tectónica de placas, a teoria que fala de continentes à deriva, quais imensas jangadas de pedra, de oceanos que se abrem e que, milhões de anos depois, se fecham. Talvez se lembre do ciclo geotectónico global, proposto pelo geofísico canadiano John Tuzo Wilson (1908-1993), segundo o qual as massas continentais resultantes da fragmentação de um supercontinente se tornam a reunir num novo supercontinente, com uma periodicidade média avaliada na ordem de 400 a 500 milhões de anos, fazendo renascer montanhas. Renascer, porque as rochas que as edificam correspondem à transformação de sedimentos acumulados durante milhões de anos nesses oceanos, sedimentos que resultaram da erosão de montanhas anteriores.
Renascer é um processo que remonta aos primórdios do Universo. Na sequência das explosões das primeiras estrelas, surgidas, segundo se crê, há 12 500 milhões de anos (mil milhões de anos depois do Big Bang), nasceram outras por aglutinação dos respectivos despojos (gases e poeiras) lançados no espaço. O nosso Sol renasceu, assim, de uma estrela anterior, num processo cuja história julgamos poder contar, olhando o céu com os equipamentos adequados.
Os petrólogos falam de magma primário sempre que se referem à lava incandescente a brotar de um determinado vulcão. Adjectivam-no assim porque admitem que ele surge directamente do manto superior, por fusão parcial ou

___________________________________________

  
[4] - hercínico – ciclo orogénico situado entre o Devónico superior e o Pérmico, representado por diversas cadeias, com destaque para os Urais, Europa do Sul e Norte de África. Na Europa, o orógeno é formado pela soldadura dos escudos Africano e Báltico. Do nome latino da Floresta Negra (Hersynia silva), na Alemanha. O mesmo que varisco.

[5] - varisco o mesmo que hercínico. Do nome dos habitantes da Curia Variscorum, versão latina de Hof, na Baviera.


total deste, sem que tenha havido qualquer contaminação por parte de rochas da crosta. Consideram-no, pois, um magma juvenil, primitivo ou primordial e, por isso, um ortomagma, ou seja, um verdadeiro magma. Porém, não devemos esquecer que a rocha (peridotito) do manto superior de onde ele surgiu por fusão parcial, foi magma nos primórdios da formação do planeta, quando este, segundo se crê, esteve envolvido por um oceano de rocha em fusão. Quando há cerca de 70 milhões de anos a região de Lisboa-Mafra, era palco de intensa actividade vulcânica ou quando, em 1957, surgiu o vulcão dos Capelinhos no extremo oeste da Ilha do Faial, nos Açores, foi, como em todos os vulcões da Terra e em todos os tempos, magma a renascer.
Renascer é uma constante nas histórias do Universo, da Terra e também dos homens. Vem de longe a ideia de renascer. Bennu, a ave da mitologia egípcia, ateava o fogo ao seu ninho e deixava-se consumir pelas chamas, renascendo depois, dos seus restos calcinados. Na Grécia antiga era Fénix que renascia das próprias cinzas. Há um paralelo entre esta ave mitológica e o Sol, que todos os dias morre no longínquo Poente, para renascer na manhã seguinte, do outro lado do mundo, numa alusão da morte e do renascimento da natureza. Na expressão figurativa do cristianismo, o renascer da Fénix tornou-se um símbolo popular da ressurreição de Cristo. Nos nossos dias, “Fénix 2” foi o nome escolhido para designar a cápsula que, numa operação prodígio da engenharia mineira com o selo da NASA, fez renascer, um a um, os 33 mineiros da mina de São José, no Chile, soterrados a cerca de 700 metros de profundidade, em Agosto de 2010.


Momento do resgate de um dos mineiros, em 13.10. 2010 (imagem retirada de cienciahoje.pt)

No final da Idade Média, fazendo a transição para a Idade Moderna, teve lugar em Itália, nomeadamente nas cidades de Florença e Siena, um período marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, em particular nas artes, na filosofia e nas ciências, com evidentes reflexos na sociedade, na economia, na política e na religião, na Europa. Foi a ruptura com as estruturas antigas e em transição gradual do feudalismo para o ideal humanista e naturalista. O historiador, pintor e arquitecto italiano Giorgio Vasari (1511-1547) designou este florescente período da chamada civilização ocidental, por Renascimento, em virtude de ter feito renascer e revalorizar as referências culturais da Antiguidade Clássica..
Renasceram cidades depois de destruídas por catástrofes naturais ou pelas guerras. Renascem para a vida as mulheres e os homens que se libertam dos agentes opressores, sejam eles outros homens ou mulheres ou as tristemente célebres substâncias psicoactivas. Renascem os cravos vermelhos, todos os ano, sem Abril e, logo a seguir, nos campos, as espigas do trigo e as papoilas, ao mesmo tempo que, nas cidades, avenidas, praças e jardins se cobrem de um tapete de pétalas lilases de jacarandás.

                              Galopim de Carvalho








domingo, 15 de dezembro de 2013

DESENVOLVER INTELECTUALMENTE OS ALUNOS



        Ao abordar-se a temática do insucesso e do abandono escolares vêm-nos à mente os défices familiares (relacionais, económicos e culturais) dos alunos assim como os aspectos pedagógicos. Se, muitas vezes, a ênfase é colocada nos primeiros, é certo que as acções que têm lugar na sala de aula e na escola não deixam de ter relevância. Estes temas, aliás, já neste espaço foram abordados.
            Centrar-me-ia, agora, nas relações desajustadas entre alunos e metodologias de ensino e nos aspectos cognitivos que com elas se relacionam. Num livro de Maria Helena Salema (Ensinar e aprender a pensar) estas relações são bem evidenciadas. A autora destaca, ainda, o “abaixamento de ferramentas cognitivas essenciais”. Ora, de entre estas, são salientadas a compreensão, a análise, a síntese, a avaliação, a composição textual pois elas, estando em foco em todas as disciplinas, interferem directamente na aprendizagem escolar.
            Quem tiver feito a sua formação pedagógica nos anos 70 para a docência no ensino liceal, decerto se lembrará de uma tal taxonomia de objectivos cognitivos de Bloom. Ela era constituída por um conjunto de objectivos que visava, precisamente, que o aluno pudesse lidar com níveis mais elevados de cognição que não fossem, apenas, a memorização ou, quanto muito, a aplicação.
A partir dos finais dessa década, contudo, colou-se à referida taxonomia um estereótipo de revanchismo pedagógico, de fazer do estudante um ser programado, identificável apenas pelos comportamentos observáveis, tendo sido, então, abandonada. Depois disso, ela sofreu uma revisão substancial, mantendo-se contudo, a estrutura inicial. Com a publicação revista em 2001, a taxonomia de Bloom como que renasce, não parando o ritmo de publicações que a estudam e a aplicam. 
Serve isto para dizer que na sala de aula podem e devem ser ensaiadas estratégias pedagógicas que façam uso de capacidades cognitivas de nível elevado do aluno e que agora, mais do que nunca, dêem resposta às solicitações que a sociedade de hoje exige e de que a escola não pode alhear-se.


                        Mário Freire