domingo, 16 de agosto de 2015

DO SABER SIMPLIFICADO AO SABER COMPLEXIFICADO





Em que medida os manuais escolares de hoje, cujos conteúdos são estabelecidos oficialmente, contribuem para a desigualdade escolar? A questão formulada, assim como outras, foram objecto de investigação pela associação francesa ESCOL, num estudo publicado já em 2015. Esta associação estuda as desigualdades sociais quer como elas se reflectem no desempenho escolar, quer como elas são construídas. Um grupo de investigadores dessa associação analisaram manuais escolares, obras de literatura para a adolescência e juventude e outros suportes de aprendizagem utilizados durante os últimos cinquenta anos. Ora, estes investigadores, depois de concluído o estudo, acreditam que muitos destes suportes contribuíram para o aumento das desigualdades.  
Dizem os autores do estudo, quanto aos manuais escolares, que se observam dois tipos de evolução: a que se refere aos conteúdos, dependentes dos programas disciplinares, e o que é solicitado ao aluno. Fazendo a retrospectiva deste meio século, verifica-se que, nos manuais, os conteúdos de há cinquenta anos traduziam um saber mais explícito, mais narrativo, mais linear, enquanto que os de hoje são mais nocionais.
Se a vida da mosca, tal como está descrito num manual de Ciências Naturais para o 2º ano do ensino liceal (actualmente 6º ano de escolaridade) do início dos anos 70, era essencialmente descritivo (onde vive, morfologia externa, alimentação, crescimento, reprodução…), num manual de hoje esses conteúdos, essencialmente descritivos, são mais raros, dando-se ênfase, por exemplo, à relação entre reprodução e metamorfose. O ensino tornou-se mais complexo e isso faz-nos interrogar sobre as dificuldades dos alunos.
A escola de hoje tem que fazer face, pois, a dois grandes desafios: ao da sua massificação, onde convivem várias classes sociais, e ao da complexificação dos saberes. Hoje, os manuais não oferecem um encaminhamento intelectual. Eles propõem, interrogam, apresentam textos, gráficos… que tornam a vida escolar mais difícil a um aluno portador de deficits de aprendizagem. Como conciliar, então, a evolução dos métodos de ensino com a aprendizagem dos alunos? Trata-se de um desafio para os professores. A descodificação das mensagens dos manuais, por exemplo, pode ser uma via para atenuar a sua complexidade o que, talvez, pudesse contribuir para a aprendizagem de muitos dos alunos com dificuldades escolares.


                                                             Mário Freire