Em que medida os
manuais escolares de hoje, cujos conteúdos são estabelecidos oficialmente,
contribuem para a desigualdade escolar? A questão formulada, assim como outras,
foram objecto de investigação pela associação francesa ESCOL, num estudo
publicado já em 2015. Esta associação estuda as desigualdades sociais quer como
elas se reflectem no desempenho escolar, quer como elas são construídas. Um
grupo de investigadores dessa associação analisaram manuais escolares, obras de
literatura para a adolescência e juventude e outros suportes de aprendizagem utilizados
durante os últimos cinquenta anos. Ora, estes investigadores, depois de
concluído o estudo, acreditam que muitos destes suportes contribuíram para o
aumento das desigualdades.
Dizem os autores do estudo,
quanto aos manuais escolares, que se observam dois tipos de evolução: a que se
refere aos conteúdos, dependentes dos programas disciplinares, e o que é
solicitado ao aluno. Fazendo a retrospectiva deste meio século, verifica-se que,
nos manuais, os conteúdos de há cinquenta anos traduziam um saber mais
explícito, mais narrativo, mais linear, enquanto que os de hoje são mais
nocionais.
Se a vida da mosca,
tal como está descrito num manual de Ciências Naturais para o 2º ano do ensino
liceal (actualmente 6º ano de escolaridade) do início dos anos 70, era
essencialmente descritivo (onde vive, morfologia externa, alimentação,
crescimento, reprodução…), num manual de hoje esses conteúdos, essencialmente
descritivos, são mais raros, dando-se ênfase, por exemplo, à relação entre
reprodução e metamorfose. O ensino tornou-se mais complexo e isso faz-nos
interrogar sobre as dificuldades dos alunos.
A escola de hoje tem
que fazer face, pois, a dois grandes desafios: ao da sua massificação, onde
convivem várias classes sociais, e ao da complexificação dos saberes. Hoje, os
manuais não oferecem um encaminhamento intelectual. Eles propõem, interrogam,
apresentam textos, gráficos… que tornam a vida escolar mais difícil a um aluno
portador de deficits de aprendizagem. Como conciliar, então, a evolução dos
métodos de ensino com a aprendizagem dos alunos? Trata-se de um desafio para os
professores. A descodificação das mensagens dos manuais, por exemplo, pode ser
uma via para atenuar a sua complexidade o que, talvez, pudesse contribuir para
a aprendizagem de muitos dos alunos com dificuldades escolares.