segunda-feira, 31 de agosto de 2015

CÂNTICO AO MAR




Eu que contesto os ventos e as marés
Que no pântano afogo a mente rouca
Curvo-me para o mar que tenho aos pés
E sinto sangue e sal na minha boca.

Eu desdenho da lua, das estrelas.
Quero sempre tardia a madrugada.
Rastejo no convés das caravelas
Trémula, como a luz beijando as vagas.

No lamento, na prece das gaivotas
Consigo descobrir lendas e rotas
De navios que há muito naufragaram.

Embriaga-me o canto da sereia.
Num cálice de conchas e areia
Brindo às musas que sempre m’inspiraram.



Aldina Cortes Gaspar



“ IN PÂNTANO”

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

AUTOCONCEITO E SUCESSO ESCOLAR

                           

O autoconceito refere-se àquilo que cada um pensa de si, ao modo como uma pessoa se descreve a si própria. Ora, a apreciação que os outros nos fazem é um factor relevante na formação daquilo que pensamos sobre nós. Os pais e os professores são as pessoas mais significativas para o sujeito e são estas que, numa primeira fase do desenvolvimento, vão interferir na formação do autoconceito.
Os pais e os professores que desvalorizam com frequência os filhos ou os alunos, irão gerar neles um autoconceito negativo que, a não se inverter, poderá ter consequências nefastas na sua maneira de ser e nos seus desempenhos escolar e social. Mas também o ambiente que é vivido na escola, nos recreios, na família, com as valorizações ou desvalorizações que são feitas ao trabalho desenvolvido ou aos comportamentos manifestados, podem contribuir para uma avaliação positiva ou negativa que uma criança ou adolescente irá fazer das suas próprias capacidades.
Registe-se, ainda, o facto de as crianças e os adolescentes, muitas vezes, responderem não directamente ao meio mas à forma como percebem e interpretam esse meio. Assim, um jovem pode interpretar um gesto de um seu companheiro como desvalorizador do que está a fazer quando, afinal, esse gesto nada tinha a ver com o jovem em causa. Pais e professores deverão estar atentos a estas interpretações sem correspondência com a realidade.
Só para concretizar a importância do autoconceito na aprendizagem dos alunos, cito um estudo de 2003 de quatro investigadores da Universidade de S. Paulo, em que se compararam crianças com dificuldades de aprendizagem com crianças sem dificuldades de aprendizagem. Sem entrar no número de crianças observadas e nos modos de avaliação das mesmas, segundo escalas apropriadas, verificou-se que as crianças com dificuldades de aprendizagem apresentaram autoconceito significativamente mais negativo do que as crianças sem dificuldade de aprendizagem.

Valorizar e desvalorizar comportamentos de crianças e adolescentes por parte dos pais e professores é tarefa que exige bom senso, respeito e, acima de tudo, crença de que o visado tem possibilidades de crescer em conhecimento e sabedoria. 

                                                 Mário Freire

terça-feira, 25 de agosto de 2015

FONTE







Pode a vida ser deserto
onde há fonte sem se ver.
Porventura dela perto
passei já e sem saber.

Só meu corpo refrescar,
fica a alma sequiosa.
Sem ter água para dar,
é jornada infrutuosa.

Ir à fonte, porque não?
Mas melhor dar de beber
a quem chega e dou guarida.

Mais tal faço, mor, então,
fonte em mim ele passa a haver
onde brota o dom da vida.

João d'Alcor



sábado, 22 de agosto de 2015

“...ONDE A TERRA SE ACABA E O MAR COMEÇA...”





A propósito dos trabalhos visando o crescimento artificial da Praia de Dona Ana (Lagos) ocorre-me lembrar que a adulteração da paisagem física em nome do desenvolvimento é um facto que está a atingir proporções preocupantes.
Os reflexos no litoral da intervenção do homem são hoje bem visíveis e as soluções encontradas, para os minimizar ou eliminar, nem sempre são as melhores. A conclusão a tirar desta realidade é a de que não se pode continuar a planear o litoral de costas viradas para os conhecimentos que a ciência já está apta a fornecer. Há, pois, que saber conviver com o mar e respeitar os seus códigos que já conhecemos com razoável pormenor. No sentido de minimizar estes inconvenientes, tem-se recorrido a ensaios realizados em tanques especiais, onde, em modelos reduzidos, se procuram simular as condições naturais e as alterações a introduzir, a fim de estudar os seus efeitos. Modernamente, com o desenvolvimento dos meios informáticos, estão a utilizar-se, com idênticos propósitos, modelos matemáticos, mais rápidos e menos onerosos.
Seria desejável que decisores, jornalistas e comentadores falassem a mesma linguagem. Pareceu-me, pois, útil reunir nestas linhas o essencial do que dizem os estudiosos desta temática.
Dizem eles que a geometria e as características dinâmicas desta franja “onde a terra se acaba e o mar começa” resultam de um conjunto de factores e condicionantes naturais, a que se têm vindo a sobrepor-se outros, próprios da civilização.
Para além das oscilações globais do nível do mar, apenas sensíveis em intervalos de tempo que excedem largamente a nossa longevidade, sobressaem, por serem mais visíveis:  (1) a natureza e a estrutura das rochas e a sua maior ou menor vulnerabilidade à erosão; (2) o clima, em especial no que diz respeito à pluviosidade, à temperatura e aos ventos; (3) a intensidade e orientação das vagas; (4) a amplitude das marés e (5) as  correntes marinhas litorais; (6) todo e qualquer tipo de intervenção humana, como sejam portos, molhes e outros tipos de enrocamentos,  exploração de areias, barragens (que impedem o fornecimento de inertes), entre outros.
Esperemos que, no que diz respeito à Praia de Dona Ana, os necessários parâmetros naturais tenham sido avaliados.
No essencial, o comportamento desta interface do mar com a terra define-se pelas leis naturais, ou seja, pelas leis da física e da química, sempre subjacentes aos processos geológicos, biológicos ou os decorrentes de quaisquer acções do génio humano e que não podemos, nunca, modificar.
Entende-se por litoral não só a faixa emersa da linha de costa, geralmente limitada do lado de terra por uma arriba ou por uma rotura de declive, mas também a faixa imersa, limitada inferiormente por uma linha abaixo da qual o fundo marinho não é significativamente perturbado pela ondulação habitual na região (até 1 a 2 m de altura). Na nossa costa ocidental, este limite inferior ronda a profundidade de 10 m, sendo de 6 m, em média, na costa  algarvia.

No que se refere ao dinamismo dos processos litorais, destaca-se a ondulação, que não é mais do que a agitação da camada superficial das águas de uma determinada área do mar (área de geração) soprada pelo vento. A ondulação transporta quase toda essa energia, sob a forma de ondas ou vagas, a caminho do litoral. Ao aproximar-se de terra, e à medida que a profundidade se reduz, a crista da onda torna-se, progressivamente, assimétrica, tombando para a frente até rebentar.  Esta energia acaba, assim, por ser consumida quer na rebentação, quer nas correntes litorais a que dá origem.
Consequência directa das interacções gravíticas entre a Terra e os corpos celestes que lhe estão próximos (em particular o Sol e a Lua), as marés representam uma outra fonte de energia fornecida às águas do mar. No seu constante e ritmado movimento ascendente e descendente, avançando e recuando face ao litoral, penetrando nas reentrâncias da linha de costa, para delas sair e tornar a entrar, num vaivém interminável, as marés são geradoras de correntes susceptíveis de exercer erosão, transporte e redeposição de sedimentos, quer junto ao litoral, onde são mais visíveis, e conhecidas por correntes de maré, quer na plataforma continental, nomeadamente no seu bordo distal, na transição com a vertente continental.
Para além destas correntes, outras há com interferência na morfologia e na sedimentação litorais. Entre elas destacam-se as  geradas pela rotação da Terra e por diferenças de temperatura e de salinidade. 
O vento, a ondulação dele resultante e as correntes litorais a que dão origem, por um lado e, por outro, as marés e respectivas correntes são os principais agentes da dinâmica actuante no  litoral e, também, na plataforma continental (a chamada zona nerítica).
As características físicas da ondulação (altura, comprimento da onda, período, frequência, etc.) reflectem a energia disponível e dependem da intensidade do vento, da duração da sua incidência e da extensão e distância ao litoral de área soprada. Com poucas perdas de energia durante a propagação, as vagas atingem os litorais, exercendo aí erosão e transporte de sedimentos. Nos fundos arenosos não consolidados, situados a profundidades susceptíveis de sofrerem as acções das vagas, estas remobilizam uma parte mais superficial da cobertura móvel, em geral areias de quartzo e bioclásticas (conchas de moluscos trituradas), promovendo ressedimentação muito particular, reconhecida pelas marcas de ondulação  (ôndulas) que lhes são próprias.

As vagas, desencadeadas por acção do vento, transmitem até ao litoral a energia que dele recebem e têm a sua acção erosiva grandemente potenciada pelo efeito abrasivo dos materiais (areias, seixos , blocos) que põem em movimento. Em resultado desta acção formam-se os litorais de erosão, ou catamórficos, caracterizados por arribas, ou falésias alcantiladas, que recuam à medida que aumenta a plataforma litoral ou de abrasão marinha. Deste recuo restam como testemunhos pontuações rochosas como, por exemplo, as que emergem do mar frente à praia de Dona Ana.
 Quando é o mar que recua, o litoral diz-se anamórfico ou de acumulação. Têm aqui lugar a praia, em geral arenosa (mas às vezes cascalhenta), e as dunas. Na sequência desta regressão do mar, a arriba fica liberta da erosão das vagas, passando a evoluir em ambiente subaéreo, até adquirir um perfil de equilíbrio ditado pela natureza e estrutura das rochas e pelas condições climáticas ambientais.
A praia é, na maior parte dos casos, uma acumulação instável de areia e algumas vezes de cascalho, seixos ou calhaus (três modos de referir os clastos mais grosseiros), no geral arredondados pela abrasão. Representa um ambiente onde o binómio morfologia-sedimentação se caracteriza por grande instabilidade. Qualquer modificação natural ou artificial introduzida na morfologia da praia ou no seu conteúdo sedimentar (areias e, eventualmente, cascalho) tem reflexos no balanço erosão-sedimentação. Como  faixa do litoral arenoso (algumas vezes de calhaus) exposta às vagas, compreende um domínio submarino (praia imersa) e outro subaéreo (praia emersa).
A praia imersa descobre-se na baixa-mar durante as marés vivas e corresponde ao domínio infralitoral ou infratidal (do inglês tide, que significa maré). Neste domínio, o perfil do fundo mostra, do mar para a terra, um talude, bancos de rebentação e uma faixa de espalho da onda. Para o largo segue-se o domínio circalitoral ou circatidal, na transição para a plataforma continental (offshore) onde só a ondulação de tempestade tem efeito dinâmico sobre o fundo.
A praia emersa corresponde ao domínio supralitoral ou supratidal, só ocupado por altura das marés vivas e durante as tempestades. É o domínio das dunas, dos salgados ou das marismas, das crostas calcárias ou dolomíticas, das lagunas evaporíticas, da cimentação vadosa promovida por águas infiltradas superficiais (do latim vadosus, atravessável a vau).
A praia propriamente dita (em sentido restrito) corresponde ao domínio intertidal (entre marés). Dela faz parte a face da praia, ocupada pela rampa de espraio e de ressaca (situada acima da faixa de espalho da onda), onde se consome grande parte da sua energia após a rebentação. À rebentação sucede-se o espraio de uma certa massa de água, que avança sobre a face da praia à chegada da crista, a que se segue a ressaca ou recuo, que corresponde à chegada da cava.

As praias são, pois,  entidades instáveis. Quando a vaga incide obliquamente ao litoral, a areia retirada e reposta pelo vaivém das ondas vai migrando, em ziguezague, numa trajectória serreada, com uma resultante paralela à linha de costa, no sentido que as condições locais ditarem, referida entre os profissionais por deriva litoral ou longilitoral, conhecida entre as nossas gentes do mar por corredoira. Na costa portuguesa, no litoral arenoso entre Espinho e o Cabo Mondego, atingido por ondulação maioritariamente do quadrante NW, a deriva tem o sentido norte-sul, movimentando um a dois milhões de metros cúbicos de areia por ano (1 a 2106 m3/a). Na costa algarvia, esta cifra é bem menor, dez a cem vezes inferior, sendo aí  poente-nascente o sentido da deriva. O litoral arenoso comporta-se, pois, como um “rio de areia” que corre ao longo da costa, mais ou menos veloz, transportando maior ou menor carga sólida. Com uma parte emersa (praia emersa) e outra submersa (praia submersa), o litoral arenoso mantém-se enquanto os sedimentos, que recebe de “montante”, compensarem os que perde para “jusante” e para o largo. Esta mobilidade conduz a perfis transversais de Verão (perfil de acalmia ou de calmaria), com declive mínimo, diferentes dos de Inverno (perfil de temporal), de mais alta energia, mais abruptos e com roturas de declive.
Nas situações em que a ondulação se aproxima perpendicularmente ao litoral, formam-se correntes de retorno ou agueiros, que deslocam os sedimentos para o largo (impedindo a deriva litoral), espalhando-os na plataforma continental e/ou permitindo-lhes o escape para os grandes fundos, através dos canhões submarinos. No caso das praias assim expostas à vaga, a linha do litoral é uma sucessão de reentrâncias, em forma de crescente, com a parte côncava virada ao mar. As correntes nestas praias afastam-se do litoral, pelo que constituem grande perigo para os banhistas.

Em termos de espaço, uma praia pode manter-se estável, crescer, recuar ou ser totalmente varrida pelo mar, consoante o balanço que aí se estabelecer entre a erosão e a sedimentação. Nestes termos, uma praia minimamente estabilizada indica uma situação de equilíbrio entre a quantidade de sedimentos que recebe de terra (das arribas ou através dos rios) ou do mar (através das ondas e da deriva litoral) e a que lhe é retirada pelo mesmo mar. Com a progressiva construção de barragens hidroeléctricas nos principais rios, durante o século XX, o litoral ocidental de Portugal, à semelhança de muitos outros, foi sendo privado da sua principal fonte de sedimentos terrígenos.

                                           Galopim de Carvalho


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

ENTARDECER





Batem asas no charco, levemente.
Em mim, um desabafo, forte rumor.
O dia desfalece de tão quente
Roseiras em botão perdem a cor.

A lua enamorada do choupal;
As sombras, de cinzentas ficam pretas.
Os olhos em balada nupcial
São flores seduzindo as borboletas.

As mãos com perfume d’açucenas
Erguem-se suplicantes em novenas
Num gesto, no desejo de te amar!

Pudesse, eu, em cantigas da falua
Ir contigo valsar olhando a Lua
Pintar só para nós, o azul do mar!...



Aldina Cortes Gaspar


“ IN PÂNTANO”



domingo, 16 de agosto de 2015

DO SABER SIMPLIFICADO AO SABER COMPLEXIFICADO





Em que medida os manuais escolares de hoje, cujos conteúdos são estabelecidos oficialmente, contribuem para a desigualdade escolar? A questão formulada, assim como outras, foram objecto de investigação pela associação francesa ESCOL, num estudo publicado já em 2015. Esta associação estuda as desigualdades sociais quer como elas se reflectem no desempenho escolar, quer como elas são construídas. Um grupo de investigadores dessa associação analisaram manuais escolares, obras de literatura para a adolescência e juventude e outros suportes de aprendizagem utilizados durante os últimos cinquenta anos. Ora, estes investigadores, depois de concluído o estudo, acreditam que muitos destes suportes contribuíram para o aumento das desigualdades.  
Dizem os autores do estudo, quanto aos manuais escolares, que se observam dois tipos de evolução: a que se refere aos conteúdos, dependentes dos programas disciplinares, e o que é solicitado ao aluno. Fazendo a retrospectiva deste meio século, verifica-se que, nos manuais, os conteúdos de há cinquenta anos traduziam um saber mais explícito, mais narrativo, mais linear, enquanto que os de hoje são mais nocionais.
Se a vida da mosca, tal como está descrito num manual de Ciências Naturais para o 2º ano do ensino liceal (actualmente 6º ano de escolaridade) do início dos anos 70, era essencialmente descritivo (onde vive, morfologia externa, alimentação, crescimento, reprodução…), num manual de hoje esses conteúdos, essencialmente descritivos, são mais raros, dando-se ênfase, por exemplo, à relação entre reprodução e metamorfose. O ensino tornou-se mais complexo e isso faz-nos interrogar sobre as dificuldades dos alunos.
A escola de hoje tem que fazer face, pois, a dois grandes desafios: ao da sua massificação, onde convivem várias classes sociais, e ao da complexificação dos saberes. Hoje, os manuais não oferecem um encaminhamento intelectual. Eles propõem, interrogam, apresentam textos, gráficos… que tornam a vida escolar mais difícil a um aluno portador de deficits de aprendizagem. Como conciliar, então, a evolução dos métodos de ensino com a aprendizagem dos alunos? Trata-se de um desafio para os professores. A descodificação das mensagens dos manuais, por exemplo, pode ser uma via para atenuar a sua complexidade o que, talvez, pudesse contribuir para a aprendizagem de muitos dos alunos com dificuldades escolares.


                                                             Mário Freire

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

FLORAÇÃO



Só ao reino vegetal,
sem com outros competir,
fora dado, como tal,
privilégio de florir.

Variegadas são as flores,
todas dando, à porfia,
seus perfumes, suas cores.
Ultrapassam a magia.

Foi com elas que Deus, sim,
fez na Terra o seu Jardim,
Paraíso a partilhar.

Há em cada floração
seu sorriso e a noção

de que Ele veio p’ra ficar.

João d'Alcor

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

FALANDO DOS SOLOS





                              Os solos de Portugal


O conhecimento sistemático dos solos de Portugal teve início nos anos cinquenta do século XX com os trabalhos inerentes à elaboração da Carta dos Solos de Portugal na escala de 1:50 000 e da Carta de Capacidade e Uso do Solo, na mesma escala. Destes trabalhos resultou, ainda, uma sistemática dos solos nacionais, editada pelo antigo Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário (SROA), actual Centro Nacional de Reconhecimento e Ordenamento Agrário (CNROA). Nesta carta que, na sua concepção e bases de classificação, reflecte a “filosofia” da agricultura nacional  em meados do séc. XX., são propostas como categorias taxonómicas: ordens, subordens, grupos, subgrupos, família e séries.
À semelhança das cartas ou mapas geológicos, os pedólogos elaboram cartas ou mapas dos solos nas quais se desenham, a uma dada escala, e se explicam as unidades pedológicas (unidades-solo) consideradas, para o efeito, pertencentes a um escalão taxonómico compatível com essa escala. Assim, , quanto maior for a escala adoptada, maior será a pormenorização e, portanto, mais baixa será a categoria taxonómica da unidade cartografada. Na Carta dos Solos de Portugal, a unidade–solo adoptada é a família. Em complemento da parte gráfica, há uma parte descrita versando todos os elementos susceptíveis de possibilitar e, até, valorizar a leitura da carta, entre os quais, por exemplo, indicações no sentido da sua melhor utilização para fim agrícolas, planeamento, etc..

Todavia, nas notas que aqui deixamos à disposição do leitor, apenas serão referidas os primeiro e segundo escalões hierárquicos, num caso ou noutro o terceiro (grupos), dado que são estes que definem e caracterizam os grandes tipos de solo.

I – SOLOS INCIPIENTES (ordem) – Solos não evoluídos, praticamente reduzidos à capa de alteração da rocha-mãe, sem horizontes pedológicos bem diferenciados. Inclui quatro subordens.
1.- Litossolos – de muito pequena espessura ( 10cm), esqueléticos, derivados de rochas consolidadas.
2.- Regossolos – de muito maior espessura, derivados de rochas arenosas e areníticas não consolidadas. (Do grego regos, cobertura).
3.- Aluviossolos – instalados sobre aluviões, não embebidos de água (não hidromórficos). Podem separar-se em dois grupos: Modernos e Antigos.
4.- Coluviossolos ou de sopé – instalados na base das vertentes

II – SOLOS LITÓLICOS – Designação proposta por Botelho da Costa para os solos pouco evoluídos, derivados de rochas não carbonatadas, com duas subordens:
1. -Solos litólicos húmicos – com epipédon úmbrico (do latim, umbra, sombre).
2. -Solos litólicos não húmicos - sem epipédon úmbrico.

III – SOLOS CALCÁRIOS – Solos pouco evoluídos derivados de rochas carbonatadas, com duas subordens:
1.- Solos calcários pardos – de cores castanho-escuras.
2.- Solos calcários vermelhos – de cores vermelhas e avermelhadas.
IV – BARROS – Solos evoluídos, muito argilosos, com três subordens.
1.- Barros pretos – de cor negra, geralmente muito escuros, como acontece com os barros de Beja, bem conhecidos como campos de trigo.
2.- Barros pardos – escuros, acastanhados.
3.- Barros castanho-avermelhados – de tons variados.

V – SOLOS MÓLICOS – Solos evoluídos com epipédon mólico (do latim, mollis, fofo, macio).
1.- Castanozemes - próprios de climas secos de regime xérico (do grego xeros, seco). As rendzinas são castanozemes (do latim castanea, castanha, e do russo zemlja, solo.), ricos de carbonato de cálcio.

VI – SOLOS ARGILUVIADOS – Termo introduzido por J. Carvalho Cardoso na literatura pedológica internacional. Dele foi retirada a designação luvisol adoptada na Carta dos Solos do Mundo (FAO – UNESCO). Correspondem a solos evoluídos comuns nas regiões mediterrâneas, com duas subordens:
1.- Solos mediterrâneos pardos – de cores pardacentas.
2.- Solos mediterrâneos vermelhos ou amarelos – de cores avermelhadas ou amareladas. Alguns destes solos derivam de rochas-mãe calcárias, sendo conhecidos por terra rossa, de que temos bons exemplos em associação com os mármores de Vila Viçosa – Estremoz - Borba.

VII – SOLOS PODZOLIZADOS – Solos evoluídos, com diferenciação de um horizonte espódico. Inclui duas subordens:
1.- Solos podzolizados não hidromórficos – sem características de embebimento de água (encharcamento).
2.- Solos podzolizados hidromórficos – com características próprias de hidromorfismo.

VIII – SOLOS HALOMÓRFICOS – Com excesso de sais solúveis.
1.- Solos salinos – em geral, com cloreto de sódio.

IX – SOLOS HIDROMÓRFICOS – Com encharcamento temporário ou permanente de água, sujeitos a gleização (do russo gley, termo que refere uma massa de solo resultante da redução do ferro pela matéria orgânica.) , com duas subordens:
1.- Sem horizonte eluvial.
2.- Com horizonte eluvial (planossolos).

X – SOLOS ORGÂNICOS HIDROMÓRFICOS – Solos com epipédon hístico (do grego histós, tecido orgânico), em condições de saturação de água.
1.- Solos turfosos – com horizontes de matéria sáprica (apodrecida).

Convidado a participar na Carta de Solos do Mundo, na escala 1/5 000 000, Portugal contribuiu com a Carta de Solos de Portugal, na mesma escala. Para tal houve que estabelecer correspondência entre as unidades taxonómicas adoptadas pela FAO e as utilizadas no CNROA, na Carta do Solo de Portugal 1/50 000. Assim, às unidades pedológicas adoptadas pela organização da Unesco (à esquerda) correspondem as respectivas designações taxonómicas do CNROA (à direita).

Luvissolos - solos argiluviados pouco insaturados. Do latim luere, lavar.
Planossolo - planossolos.
Podzóis - solos podzolizados.
Lixissolos - solos mediterrâneos não calcários, com materiais lateríticos. Do latim lixiviare, lavar.
Alissolos - solos argiluviados muito insaturados. Do latim alumen, alumínio, elemento essencial na composição das argilas.
Histossolos - solos orgânicos hidromórficos.
Fluvissolos - aluviossolos e coluviossolos.
Gleyssolos - solos hidromórficos sem horizonte eluvial.
Leptossolos - litossolos, rankers e rendzinas. Do grego leptós, delgado.
Arenossolos - regossolos psamíticos.
Vertissolos – barros. Do latim vertere, entornar, verter.
Cambissolos - solos calcários.
Calcissolos - solos calcários.
Kastanozems – castanozemes.


                              Galopim de Carvalho

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

DEVOÇÃO






Quebrado e luzidio está o mar
Com reflexos de puros diamantes.
O sol, último raio a desmaiar
Na face da Virgem dos Navegantes.

Fez-se às ondas o barco do andor.
Os restantes alinham em cordão.
Palmas verdes, bandeiras, pescadores
Suplicando à Senhora, proteção.

Em terra, de olhos fixos a pedir
P’rá Mãe do mar a todos acudir
Faz fervorosa reza, a multidão.

Sorrateira e fugaz vem uma ondinha.
Desanda o pessoal. Já é noitinha!...
No mar largo, se avista a procissão.



Aldina Cortes Gaspar


“ IN PÂNTANO”



terça-feira, 4 de agosto de 2015

ENSINAR ESTRATÉGIAS PARA RESOLVER PROBLEMAS





Todos nós, diariamente, nos confrontamos com problemas, uns de fácil resolução, outros, por vezes, que nos impedem de dormir. Há problemas que nós próprios criámos, fruto da nossa insensatez, inexperiência ou falta de estudo das situações e a sua resolução pode depender de nós mesmos. Outras vezes, são os problemas que vêm ter connosco, sem que nós tenhamos contribuído para a sua existência e a sua resolução pode não depender exclusivamente de nós.
Em qualquer das circunstâncias, temos que saber como enfrentar esses problemas, sejam eles de saúde, conjugais, financeiros, educacionais… e, depois, tentar resolvê-los. Se os seus conteúdos são diferentes, algumas das maneiras como eles são abordados poderão ser idênticas.
Ora, a escola talvez pudesse preparar melhor para a vida se proporcionasse, nas diferentes disciplinas, situações problemáticas em que os alunos as tentassem resolver, individualmente ou em grupo. O trabalho de grupo permite uma maior confrontação de ideias, uma melhor explicitação dos argumentos, uma análise da situação segundo vários enfoques. É preciso envolver o aluno na construção do seu saber, na identificação de problemas e depois na sua resolução. Claro que esta metodologia não é compatível com os alunos estarem sentados de costas voltadas uns para os outros a ouvir o que o professor lhes diz mas, antes, uma outra que implique a organização do espaço-aula de maneira diferente e que suscite uma nova maneira de apresentar os conteúdos das matérias a estudar. Além de que muitos dos problemas disciplinares deixariam de existir!

Como resolver, então, um problema? Muito sumariamente diria que há que caracterizá-lo o mais objectivamente possível, analisá-lo nas partes em que é susceptível de ser dividido, propor questões que contribuam para o clarificar, encontrar propostas, ainda que provisórias, para a sua resolução e, depois, estabelecer um plano que possa ir ao encontro de uma solução. Uma vez executado o plano, há que interpretar os dados recolhidos, sintetizá-los para, depois, chegar a uma solução. Claro que nem sempre aquilo que foi planeado, devido a circunstâncias inesperadas, pode ser executado. Mas é no confronto com as dificuldades e na procura de soluções para um problema que o aluno se avalia, avalia o caminho percorrido e se fortalece nas suas capacidades. E estando sempre presente o professor para ajudar, clarificar, questionar... 

                                           Mário Freire