domingo, 26 de abril de 2015

AS PEDRAS E AS PALAVRAS




              (Novo livro do Prof. Galopim de Carvalho)

As pedras e as palavras foram dois universos fulcrais na minha passagem por este mundo.
As pedras, modo mais popular de dizer as rochas, com as quais convivi profissionalmente durante mais de meio século, contam-nos a história do nosso planeta. Através dos seus minerais, da textura e de outros atributos falam das causas que lhes deram origem, das condições ambientais (pressão, temperatura, quimismo) em que foram geradas ou transformadas e muitas delas, ainda, da data do seu nascimento. São elas que conservam no seu seio os fósseis, testemunhos preciosos que nos permitem contar a história da Vida. Sem que muitos deem por isso, as pedras ocuparam, desde sempre, um espaço importante no nosso quotidiano. Nas suas cavernas, os nossos antepassados da Idade da Pedra encontraram abrigo e segurança e foram pedras as suas primeiras e as mais importantes matérias-primas. As pedras fortificaram os castros da Idade do Ferro e ergueram castelos e palácios ao longo da História. Estão nas choças dos primeiros povoados e fizeram a monumentalidade de assírios, egípcios, gregos e romanos, bem como a do Renascimento e do Barroco. Estão nas calçadas e pavimentos que pisamos e na estatuária de todos os tempos. Estão no ferro, no cimento, na brita e na areia do betão e, ainda, na cal que alveja o casario alentejano e algarvio. Estão nas amplas vidraças e nos caixilhos de alumínio da moderna arquitectura urbana. Fornecem todos os metais com que se constroem navios, comboios, aviões, automóveis e naves espaciais e estão na base de todos os electrodomésticos. Estão na televisão, no computador e no telemóvel. Estão nas baixelas e nas loiças de cozinha, nas jóias, nas fibras sintéticas, que tomaram o lugar do linho, do algodão, da seda ou da lã, e no silicone dos implantes em medicina reconstrutiva. Do sílex e do bronze dos primeiros machados à pechblenda , passando pela pederneira de mosquetes e bacamartes e pelos pelouros de catapultas e bombardas, as pedras foram e são uma constante na tenebrosa e altamente proveitosa (para os chamados “senhores da guerra”) indústria bélica, um flagelo que, numa caminhada de centenas de milhares de anos, sempre acompanhou a humanidade. No seu inesgotável engenho, o homem retirou das pedras todas as matérias-primas com que fez o progresso em paz, mas também, desgraçadamente, a guerra.
As palavras, usei-as à saciedade, faladas e escritas, como professor na Universidade de Lisboa, durante quarto décadas, iniciadas como assistente no Departamento de Mineralogia e Geologia, num tempo em que se lhe exigia habilitações em todas as matérias curriculares da licenciatura, da Cristalografia à Paleontologia, passando pelas Petrologias, Estratigrafia e Geo-história, Geodinâmica Interna, Geomorfologia e outras. Usei-as, ainda e muito, por todo o país e no estrangeiro, em Escolas, Bibliotecas, Museus, Centros Culturais, Associações Científicas, Sociedades Recreativas, como cidadão empenhado na divulgação científica, na defesa e valorização da Geologia e da profissão de geólogo, bem como na salvaguarda do nosso património geológico e paleontológico. Herméticas quando lhes desconhecemos o significado, as palavras abrem-se-nos, de imediato, à compreensão se lhes descodificarmos os elementos constituintes, sendo este um dos papéis do professor e do divulgador.
A palavra é uma característica exclusivamente humana, que nos distingue dos restantes animais a que, de um modo demasiado simplista, adjectivamos de irracionais. Sabemos hoje que este nosso dom reside nos escassos pontos percentuais que nos distanciam do código genético do chimpanzé. Porque não aproveitar, então, essa capacidade e fruir os bens que o saber nos oferece? Façamos, pois, o jogo das palavras e vejamos como ele nos abre a uma melhor compreensão do Mundo.
Enquanto falada, a palavra é um conjunto de sons que, salvo excepções, define um e, por vezes, mais objectos ou ideias. Os estudiosos destas matérias admitem que a postura erecta dos hominídeos, a libertação das mãos (especialmente adaptadas à vida arborícola pelos seus avoengos primatas) e a utilização destas no talhe e no uso de instrumentos conduziram ao aumento de volume do cérebro e ao seu desenvolvimento em termos de complexidade. Assim, a possibilidade física de emitir mensagens sonoras, aceites como rudimentos de palavras, pressupõe a aquisição de uma capacidade intelectual e de uma outra, física, ao nível do aparelho fonador, susceptíveis de conceber símbolos expressivos transformáveis em emissões vocais. Uma tal possibilidade pode, ainda, ter surgido quando os nosso primitivos antepassados começaram cooperar entre si, adaptando formas de comunicação baseadas, não só em expressões gestuais, mas também nas citadas emissões vocais. Impossíveis de confirmar, as opiniões sobre o início desta etapa da hominização, variam entre as que a aceitam associada ao aparecimento do género humano, há cerca de 2.500.000 anos, às que a apontam como uma conquista do homem moderno, há menos de 100.000 anos.
Usada com marco divisório entre a a Pré-história e a História, a palavra escrita é um conjunto de símbolos gráficos ou grafemas susceptíveis de exprimir uma e, por vezes mais, ideias, registados num suporte material (barro, pedra, tela, papel, electrónico, etc.). Na nossa cultura, em que a grafia é alfabética, a palavra escrita é convertível na articulação de sons ou grupos de sons que reproduzem a palavra falada. Surgida há cerca de 5000 anos, na Mesopotâmia, acredita-se que por engenho dos sumérios, a palavra escrita desenvolveu-se como uma outra via de comunicação que, embora de uso muitíssimo mais restrito, possibilitou ao homem divulgar os seus conhecimentos muito para além do seu espaço geográfico e do tempo. São múltiplos os factores envolvidos na criação deste passo importante na civilização, e um deles foi o surgimento das cidades, como exigência do progresso da economia e da sociedade.
Através da palavra, o leitor encontrará nesta obra ampla divulgação na área das ciências da Terra, mas também, memórias, ficção e opinião. Uns mais longos, outros mais curtos, são, na maioria, textos inéditos e outros já editados em jornais, revistas ou blogues, algo modificados ou actualizados.

                             Galopim de Carvalho