(Novo livro do Prof. Galopim de Carvalho)
As pedras e as
palavras foram dois universos fulcrais na minha passagem por este mundo.
As pedras, modo mais
popular de dizer as rochas, com as quais convivi profissionalmente durante mais
de meio século, contam-nos a história do nosso planeta. Através dos seus
minerais, da textura e de outros atributos falam das causas que lhes deram
origem, das condições ambientais (pressão, temperatura, quimismo) em que foram
geradas ou transformadas e muitas delas, ainda, da data do seu nascimento. São
elas que conservam no seu seio os fósseis, testemunhos preciosos que nos
permitem contar a história da Vida. Sem que muitos deem por isso, as pedras
ocuparam, desde sempre, um espaço importante no nosso quotidiano. Nas suas
cavernas, os nossos antepassados da Idade da Pedra encontraram abrigo e
segurança e foram pedras as suas primeiras e as mais importantes
matérias-primas. As pedras fortificaram os castros da Idade do Ferro e ergueram
castelos e palácios ao longo da História. Estão nas choças dos primeiros
povoados e fizeram a monumentalidade de assírios, egípcios, gregos e romanos,
bem como a do Renascimento e do Barroco. Estão nas calçadas e pavimentos que
pisamos e na estatuária de todos os tempos. Estão no ferro, no cimento, na
brita e na areia do betão e, ainda, na cal que alveja o casario alentejano e
algarvio. Estão nas amplas vidraças e nos caixilhos de alumínio da moderna
arquitectura urbana. Fornecem todos os metais com que se constroem navios,
comboios, aviões, automóveis e naves espaciais e estão na base de todos os
electrodomésticos. Estão na televisão, no computador e no telemóvel. Estão nas
baixelas e nas loiças de cozinha, nas jóias, nas fibras sintéticas, que tomaram
o lugar do linho, do algodão, da seda ou da lã, e no silicone dos implantes em
medicina reconstrutiva. Do sílex e do bronze dos primeiros machados à
pechblenda , passando pela pederneira de mosquetes e bacamartes e pelos
pelouros de catapultas e bombardas, as pedras foram e são uma constante na
tenebrosa e altamente proveitosa (para os chamados “senhores da guerra”)
indústria bélica, um flagelo que, numa caminhada de centenas de milhares de
anos, sempre acompanhou a humanidade. No seu inesgotável engenho, o homem
retirou das pedras todas as matérias-primas com que fez o progresso em paz, mas
também, desgraçadamente, a guerra.
As palavras, usei-as à
saciedade, faladas e escritas, como professor na Universidade de Lisboa,
durante quarto décadas, iniciadas como assistente no Departamento de
Mineralogia e Geologia, num tempo em que se lhe exigia habilitações em todas as
matérias curriculares da licenciatura, da Cristalografia à Paleontologia,
passando pelas Petrologias, Estratigrafia e Geo-história, Geodinâmica Interna,
Geomorfologia e outras. Usei-as, ainda e muito, por todo o país e no
estrangeiro, em Escolas, Bibliotecas, Museus, Centros Culturais, Associações
Científicas, Sociedades Recreativas, como cidadão empenhado na divulgação
científica, na defesa e valorização da Geologia e da profissão de geólogo, bem
como na salvaguarda do nosso património geológico e paleontológico. Herméticas
quando lhes desconhecemos o significado, as palavras abrem-se-nos, de imediato,
à compreensão se lhes descodificarmos os elementos constituintes, sendo este um
dos papéis do professor e do divulgador.
A palavra é uma
característica exclusivamente humana, que nos distingue dos restantes animais a
que, de um modo demasiado simplista, adjectivamos de irracionais. Sabemos hoje
que este nosso dom reside nos escassos pontos percentuais que nos distanciam do
código genético do chimpanzé. Porque não aproveitar, então, essa capacidade e
fruir os bens que o saber nos oferece? Façamos, pois, o jogo das palavras e
vejamos como ele nos abre a uma melhor compreensão do Mundo.
Enquanto falada, a
palavra é um conjunto de sons que, salvo excepções, define um e, por vezes,
mais objectos ou ideias. Os estudiosos destas matérias admitem que a postura
erecta dos hominídeos, a libertação das mãos (especialmente adaptadas à vida
arborícola pelos seus avoengos primatas) e a utilização destas no talhe e no uso
de instrumentos conduziram ao aumento de volume do cérebro e ao seu
desenvolvimento em termos de complexidade. Assim, a possibilidade física de
emitir mensagens sonoras, aceites como rudimentos de palavras, pressupõe a
aquisição de uma capacidade intelectual e de uma outra, física, ao nível do
aparelho fonador, susceptíveis de conceber símbolos expressivos transformáveis
em emissões vocais. Uma tal possibilidade pode, ainda, ter surgido quando os
nosso primitivos antepassados começaram cooperar entre si, adaptando formas de
comunicação baseadas, não só em expressões gestuais, mas também nas citadas
emissões vocais. Impossíveis de confirmar, as opiniões sobre o início desta
etapa da hominização, variam entre as que a aceitam associada ao aparecimento
do género humano, há cerca de 2.500.000 anos, às que a apontam como uma
conquista do homem moderno, há menos de 100.000 anos.
Usada com marco
divisório entre a a Pré-história e a História, a palavra escrita é um conjunto
de símbolos gráficos ou grafemas susceptíveis de exprimir uma e, por vezes
mais, ideias, registados num suporte material (barro, pedra, tela, papel,
electrónico, etc.). Na nossa cultura, em que a grafia é alfabética, a palavra
escrita é convertível na articulação de sons ou grupos de sons que reproduzem a
palavra falada. Surgida há cerca de 5000 anos, na Mesopotâmia, acredita-se que
por engenho dos sumérios, a palavra escrita desenvolveu-se como uma outra via
de comunicação que, embora de uso muitíssimo mais restrito, possibilitou ao
homem divulgar os seus conhecimentos muito para além do seu espaço geográfico e
do tempo. São múltiplos os factores envolvidos na criação deste passo
importante na civilização, e um deles foi o surgimento das cidades, como
exigência do progresso da economia e da sociedade.
Através da palavra, o
leitor encontrará nesta obra ampla divulgação na área das ciências da Terra,
mas também, memórias, ficção e opinião. Uns mais longos, outros mais curtos,
são, na maioria, textos inéditos e outros já editados em jornais, revistas ou
blogues, algo modificados ou actualizados.
Galopim de Carvalho