sexta-feira, 3 de junho de 2011

O ENSINO NA 1ª REPÚBLICA - 3


                                  O ENSINO NA 1ª REPÚBLICA - 3
                                  (A propósito de uma exposição)

                 António Sérgio - um sábio para os tempos de hoje

            Julgava-se no início da República que a escola e, especialmente a escola primária, poderia ser o grande agente de transformação da sociedade. E o movimento pedagógico que irmanava a maioria dos pedagogos que impulsionaram a mudança da Monarquia para a República era a Escola Nova. Esta procurou introduzir novos elementos na aprendizagem, novos espaços para as actividades educativas, além da sala de aula. Assim, visitas de estudo, aproveitamento de tempos livres para actividades de escolha dos alunos geridos por si próprios, novos espaços de participação social, de que clubes, jornais escolares e correspondência interescolar seriam exemplos, foram intervenções no domínio escolar que tentaram dar corpo ao movimento da Escola Nova.
Vários pedagogos se salientaram nestas novas maneiras de aprender e de ensinar, assim como fazer da escola o elemento formador de cidadãos autónomos, com espírito crítico, em que o saber se aliasse à experiência e, acima de tudo, com uma grande consciência cívica. Desta plêiade de pedagogos destacarei, em primeiro lugar, António Sérgio,
Para António Sérgio, socorrendo-me de Rui Grácio (in Educação e Educadores), “…a acção política é apenas um instrumento pedagógico...". E o problema económico um problema moral, e este só resolúvel em relação àquele: «o económico nunca é para mim o verdadeiro fim»; para si «a produção existe para o homem e não o homem para a produção»”. E, linhas abaixo, continua António Sérgio, citado por Grácio: «…radicar nos jovens, pela acção diária, o costume de servir o próximo», até por eles, pois há «fontes de contentamento interior no trabalho entusiasta pelo bem comum».
Ele, como que escrevendo para os dias de hoje, dizia “que a reforma da mentalidade dos governantes lhe parece condição prévia de todas as demais; que o preocupa o nível de cultura da nossa elite: «elite de saber e de urbanidade, composta de gente de superior cultura, que saiba resolver-nos os problemas técnicos, que saiba enquadrar e governar a grei.» Para isso, seria necessária «a urgência de uma pedagogia concreta de salvação nacional, deduzidas da História portuguesa, das necessidades portuguesas». Ele acreditava «nas admiráveis possibilidades da nação portuguesa, enoitecidas nos meandros da sua História, completamente desaproveitadas por incapacidade da sua elite; creio que é possível levá-la ainda para caminhos iluminados e triunfais».
A escola, segundo António Sérgio, era o lugar onde tinha lugar a inserção do aluno, futuro cidadão, na comunidade. No seu livro Educação Cívica (1915), diz-se que «A boa vida municipal, o bom cidadão, o bom munícipe (…), não valerá a consegui-lo nenhum processo de instrução, menos ainda o dos discursos, mas o de habituar as crianças à acção municipal, à própria vida da cidade, ao exercício dos futuros direitos de soberania e de self government; criar-se-ia este regime concedendo forais às nossas escolas, de modo que a turbamulta estudantil, em vez de um rebanho estúrdio mal pastoreado pelo mestre, reitor, director ou vigilante, formasse um verdadeiro município, sob a assistência, o conselho e a cooperação discreta dos professores.»
António Sérgio nasceu em Damão, Índia, em 1883. O cooperativismo foi a organização social que estava mais de acordo com a sua concepção de homem. E esta concepção tentou traduzi-la não só no movimento Renascença Portuguesa como nas suas obras Educação Cívica e nos oito volumes de Ensaios (1920-1958). Morreu em Janeiro de 1969.

                                                    Mário Silva Freire