quinta-feira, 23 de junho de 2011

CONDIMENTO: BOM HUMOR



O temor inibe, absolutiza, dramatiza e descontrola, enquanto que o bom humor descontrai, relativiza, desdramatiza e suaviza, dissipando jocosamente o peso e o embaraço de situações complicadas, e porventura penosas. Pode outrossim servir de alívio ao peso da seriedade e de estímulo no divertimento. O educólogo Roberto Assagioli presta uma atenção particular ao bom humor em termos de desidentificação, relativamente ao que fazemos e quanto ao papel que desempenhamos. Tendo em conta a preocupação de “se tomar excessivamente a sério a vida, as situações e as pessoas, com a tendência de tudo transformar em tragédia,” ele faz apelo à “compreensão, à simpatia e à compaixão descontraída.”
Por vezes o humorismo descamba em caricatura grotesca e de mau gosto, colocando em evidência as fraquezas alheias, sejam elas reais ou supostas. O papel do bobo com suas farsas e trejeitos recorre a uma máscara que nem sempre traduz alegria e amor. Assagioli o conceptualizador da psicossíntese faz ver que “o verdadeiro humorista se ri antes de tudo de si mesmo.” Nota ele que “as características principais do humorismo são precisamente um grande equilíbrio moral, um sentido profundo de desprendimento e da relativização universal de todas as coisas, negação total do exclusivismo e do absolutismo moral, e um sentimento profundo do humano.” Conjugado com a sabedoria e bom senso, o bom humor conhece intuitivamente as dosagens de seriedade e de divertimento a ter em conta em cada caso e intervenção.
O bom humor sabe tirar partido dos factos e circunstâncias envolventes, conjugando os acontecimentos e as ideias com os termos e a musicalidade que a própria linguagem proporciona. Cada idioma tem a sua tonalidade e cadência próprias como características da alma do povo que o fala, sendo o humor então uma forma de animação. A partir do seu contacto com o Brasil, o célebre místico e escritor americano Thomas Merton testemunha: “O Português é uma língua maravilhosa para a poesia, uma língua de estupefacção, de inocência e de alegria, cheia de calor humano e consequentemente de humor, humor este que é inseparável do amor.” Obviamente que todos os idiomas têm a sua particularidade no sabor e encanto do bom humor. Apreciar a especificidade do alheio, como no caso apresentado, é prova de requinte.
Tal como no alimento, o saber-fazer requer tempero e faz apelo ao bom gosto. E que mais gostoso pode haver do que o amor? Dir-se-á que o humor é a cereja posta no topo desse bolo sem igual. O humor é efectivamente uma arte em que a doçura está no ser e em que o enfeite realça o saber-fazer. Tal humor revela mestria e nobreza, habilidade e benevolência. Uma vez elevado ao nível transpessoal ou espiritual, opera uma síntese entre o ser e o fazer proveniente da co-identificação em que a empatia é ao mesmo tempo abrangente, unificadora e libertadora. Viktor Frankl célebre psiquiatra e escritor, prisioneiro do campo de concentração de Auschwitz, testemunha sobre o potencial do humor como lenitivo possível e efectivo no contexto de semelhante provação e sofrimento. Um outro psiquiatra, acima mencionado, Assagioli o fundador da psicossíntese, também ele mantido episodicamente em prisão, menciona a dimensão transpessoal deste recurso e fala do “dom divino do humorismo.” Reconfortante é, por certo, sabermos e verificarmos quanto o bom humor, esse condimento de cariz divino - jamais sujeito a racionamento ou taxas - é eficaz, quer como sedativo em contextos de crise, quer como estimulante, dando lugar ao incremento vital

                            ( Excerto de manuscrito em elaboração)
                                                                        João d’Alcor