domingo, 31 de maio de 2015

A LIBERDADE E A FRATERNIDADE PODEM SER ENSINADAS NA ESCOLA?

          


Caim e Abel eram irmãos, filhos dos mesmos pais. Eles, no entanto, diferiam muito um do outro. Esta fraternidade identificada na Bíblia não se distingue daquelas que a humanidade, ao longo dos tempos, vai produzindo. A uma mesma natureza humana, com igual dignidade, vão correspondendo, igualmente, pessoas diferentes, com capacidades diversas, com especificidades próprias. Esta nossa humanidade, partilhando da mesma natureza, por isso mesmo fraterna na sua origem, é portadora, pois, de uma grande riqueza. É esta multiplicidade de dons que a faz avançar. Mas também é esta variedade de personalidades, como as de Caim, “que interrompem tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deformam continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio” (Mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, 2015).
Mas a fraternidade implica que cada um, independentemente das suas capacidades, do seu saber e do seu poder, não coarcte o outro na liberdade de ser. Todo aquele que se vê limitado de crescer, de se acrescentar mais naquilo que é, está a ser maltratado na sua liberdade. Esta imposição da limitação da liberdade a outrem provém quer de pessoas individuais, quer de instituições, quer do próprio Estado e pode expressar-se em formas degradantes de trabalho, em condições de vida não compatíveis com a dignidade humana ou, ainda, na descartabilidade da pessoa, sendo esta tratada como um objecto. Todas estas situações em que se nega a fraternidade humana são fomentadoras de guerra e de revolta e, daí, está a atentar-se contra a liberdade humana.

Como é possível a escola fomentar estes valores? Claro que o substrato que cada um trouxer de casa sobre a prática da fraternidade e da liberdade muito ajudará a escola a complementar a sua tarefa. Há, no entanto, sempre oportunidades, em todas as disciplinas, de se sugerir que um aluno ajude um colega com mais dificuldades; de abordar temas de âmbito curricular onde se discuta até onde pode ir o uso da liberdade. Tudo depende da cultura da escola, da organização dos espaços mas, fundamentalmente, da iniciativa dos professores. 

                                                  Mário Freire

sexta-feira, 29 de maio de 2015

NO MEU QUINTAL (ALENTEJANO), NÃO!






         A actividade extractiva tem sido, desde sempre, fundamental para a sobrevivência do ser humano. As pedreiras neolíticas forneciam, de certa forma, as pedras necessárias para fabricar os instrumentos e as armas de então. As pedreiras de Estremoz, Borba e Vila Viçosa continuam a fornecer, desde a época em que a Península Ibérica fazia parte do Império Romano, o mármore, rocha ornamental com grande importância regional. Essa importância tem vindo a aumentar com a diversidade de aplicações das rochas ornamentais; não justifica porém um comportamento irresponsável e não sustentado dos industriais do sector e das populações, tendo em vista os pesados custos ambientais que daí podem resultar.
         Um olhar mais atento à actividade da extracção mineira, revela um paradoxo importante. Os materiais só excepcionalmente aparecem em locais “apropriados” ou seja, em locais em que os impactes negativos sejam praticamente inexistentes. No entanto, precisam mesmo assim ser explorados, já que são vitais na civilização actual. Esta realidade opõe-se à atitude típica de "no meu quintal não …" invariavelmente tomada pelos grupos de pressão dos residentes no local que não desejam viver com pó, ruído, trânsito de viaturas pesadas, escombreiras, crateras de grandes dimensões e outros impactes resultantes da actividade.
         Seria tão ingénuo afirmar que a abertura de uma pedreira contribui para a preservação do ambiente, como seria dizer o contrário. Obviamente há ecossistemas que são insubstituíveis e que não deveriam ser tocados. Outros porém poderão, após a desactivação da pedreira, ser recriados ou substituídos por outros semelhantes ou mesmo melhores sob o ponto de vista socioeconómico. Encontrar o equilíbrio certo é uma tarefa extremamente difícil, principalmente devido à grande carga de subjectividade, presente em qualquer decisão a tomar nesse contexto.

                                              FNeves





quarta-feira, 27 de maio de 2015





Fazer Deus à nossa imagem,
que tão simples isso é.
Mas que conta? Se é miragem,
pouco ou nada tem com Fé.

Quem se julga não ser crente
pode ser um convertido,
mas, de facto, exigente:
Quer um Deus com mais sentido.

Mesmo ser um São Tomé
tem seu nexo, quanto a mim,
que pondero o contra e prós.

É prelúdio já da Fé
aceitar que Deus, Ele sim,
acredita sempre em nós.


João d’Alcor

segunda-feira, 25 de maio de 2015

ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS





                                      TEXTURA
                                       
Esta importante característica do solo é definida pela dimensão das partículas terrígenas nele contidas, encaradas como elementos de uma população, neste caso, a respectiva componente mineral.   Por influência dos colegas franceses, o estudo desta característica tem sido designado, entre nós, pela maioria dos autores, pelas expressões granulometria e análise granulométrica. Amplamente divulgadas na bibliografia científica da especialidade e nos manuais e outros textos dirigidos ao ensino, estas duas expressões, sinónimas entre si, apenas são correctas quando aplicadas aos sedimentos arenosos, siltosos e argilosos. Não o são, em rigor, quando se referem aos clastos grosseiros como são os calhaus, os seixos e outros  ruditos . Com efeito, o elemento grânulo (diminutivo de grão), usado na composição destas expressões, não é coerente com o carácter, por definição, grosseiro de conglomerados, brechas, cascalheiras, conheiras, moreias, etc.. Ao preferirem as designações textural analysis, mechanical analysis e size analysis,   os autores anglo-saxónicos encontraram maneira de contornar esta incoerência.
 Pioneiro da investigação sedimentológica, Soares de Carvalho, Professor jubilado da Universidade do Minho, com obra publicada neste domínio, propôs para este tipo de análise, em 1968, o nome dimensometria, que abandonou em favor da expressão análise dimensional, (equivalente do inglês size analysis) no que tem sido seguido por outros autores nacionais. Uma vez que, como se referiu atrás,  as dimensões dos elementos terrígenos são usadas na definição das texturas clásticas, a expressão análise  dimensional é, de facto, sinónima de análise textural. A outra expressão equivalente – análise mecânica – pouco ou nada usada entre nós, decorre, e bem, do capítulo da física, no qual se fundamenta este tipo de análise baseado, em especial, na crivagem, na queda por gravidade e na dinâmica dos fluidos. Não obstante as razões aduzidas, granulometria e análise granulométrica são hoje expressões generalizadas e consagradas entre muitos profissionais portugueses que utilizam esta técnica analítica (geólogos, pedólogos, geógrafos, engenheiros, etc.) e, como tal, ganharam direito a figurar no nosso vocabulário. Em conclusão, acentua-se que as expressões análise textural, análise dimensional, análise mecânica e análise granulométrica ou granulometria são sinónimas e todas elas (umas mais, outras menos) usadas entre nós.

Têm sido, ao longo dos anos, várias as propostas de escalas dimensionais com vista a este tipo de análise, não só de populações naturais (rochas detríticas e piroclásticas, rególitos e solos), como também de outras artificiais (britas, granulados e pulverizados das indústrias mineira, vidreira, cerâmica, alimentar, farmacêutica, etc.). Em 1898, o americano Johan August Udden (1859-1923) propôs a sua escala granulométrica, segundo uma progressão geométrica de razão 2 (ou 1/2, consoante o sentido do cálculo) com doze classes definidas pelos seguintes valores em milímetros: 16, 8, 4, 2, 1, 1/2, 1/4, 1/8, 1/16, 1/32, 1/64, 1/128 e 1/256. Anos mais tarde, em 1922, o seu discípulo Chester Keeler Wentworth (1891-1969) introduziu-lhe ligeiras alterações, alargando grandemente a sua utilização entre uma comunidade de sedimentólogos nascente e em crescimento. Em 1905, o alemão Albert Mauritz Atterberg (1846-1916) divulgou a sua classificação com base no valor unitário 2 mm, desenvolvida segundo uma progressão geométrica de razão 10 (dez), com os seguintes intervalos:
>200 mm – Block (bloco)
200 a 20 mm – Stein (burgau)
20 a 2 mm – Geröl (cascalho)
2 a 0,2 mm - gross Sand (areia grosseira)
0,02 a 0,002 mm - fein Sand ( areia fina)
0,002 a 0,0002 - Silt (limo)
<0,0002 – Ton (argila)
Segundo este autor, os valores escolhidos para limites das classes dimensionais propostas correspondem a pontos de mudança das propriedades físicas fundamentais dos clastos como, por exemplo, capilaridade, adesão, sensibilidade aos movimentos brownianos . A escala de Atterberg foi adoptada em 1927 pela Comissão Internacional da Ciência dos Solos, sendo ainda utilizada, em especial, nos laboratórios de Pedologia de muitos países europeus, entre eles, Portugal. Ao qualificarem os solos com base nesta distribuição dimensional, os pedólogos usam expressões como pedregoso ou cascalhento, arenoso ou areento, limoso ou siltoso, argiloso ou barrento  e outras que expressam termos intermediários, como argilo-limoso, silto-argiloso, areno-limoso, areno-argiloso, saibrento, piçarroso ou areno-pedregoso, etc. Ainda do ponto de vista textural, um solo é qualificado de equilibrado quando não revela predominância de umas classes dimensionais sobre as outras.
            A permeabilidade e a porosidade do solo e, consequentemente, a sua capacidade de retenção da água dependem grandemente da textura, o mesmo acontecendo com o seu comportamento químico e, daí, também com as respectivas aptidões agrícolas. Por seu turno, a textura depende da natureza da rocha mãe, da sua granularidade, da alterabilidade ou estabilidade dos seus minerais, do clima e, ainda, do pendor da superfície do terreno (declive).
            Com a prática, o pedólogo consegue ter uma avaliação aproximada da textura do solo, esfregando uma pequena porção seca entre os dedos, operação que lhe permite averiguar da sua “aspereza” ou “macieza”. Fazendo este tipo expedito de ensaio com a terra molhada, avalia as suas qualidades adesivas e a sua plasticidade, que sabemos serem função do teor de finos (limo e  argila).


                                                 Galopim de Carvalho

sábado, 23 de maio de 2015

AMÁLGAMA







POETAS, vidas loucas, cinzeladas
Paridas das entranhas dos rochedos.
Desaguando em correntes ensombradas
Que são brados e ecos dos seus medos.

POEMAS, duras côdeas demolhadas
Palavras amassadas que não escrevo.
Versos são os restos dos meus Nadas
Singelos, como são as flores do trevo!...


Aldina Cortes Gaspar

quinta-feira, 21 de maio de 2015

TRANSFORMAR A ESCOLA





As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são hoje uma realidade nas escolas. Na verdade, não faz sentido o aluno, através do seu telemóvel, tablet ou computador, estar constantemente em contacto com o mundo, aceder aos mais variados assuntos, utilizar as múltiplas funcionalidades dos mesmos, fora da escola e esta não fazer uso destes recursos de uma maneira educacional. A questão que se coloca é esta: em que medida o uso destes equipamentos pode proporcionar um novo modelo de ensino e de aprendizagem?
Ora, na Bélgica, no âmbito da União Europeia e nos Estados Unidos surgiram já laboratórios que tentam suscitar as mudanças que estas tecnologias proporcionam. A associação European Schoolnet, criada pelos ministros da Educação da U.E., procura encorajar as escolas a optimizar as TIC. Esta associação tem vários projectos em curso, em diferentes campos, todos eles, porém, tentando encontrar novas formas de aprender e de ensinar.
A título exemplificativo, indica-se um projecto que está em desenvolvimento, o Creative Classrooms Lab e que pretende responder, entre outras, à questão: será que investir em programas de computador se torna eficiente e tem sentido quando está a assistir-se à entrada em massa, no mercado, dos tablets? Que conselhos dar às escolas que pretendam adquirir esses tipos de equipamentos?
Por outro lado, no Future Classroom Lab, ainda no European Schoolnet, procuram encontrar-se novas maneiras de gerir os espaços na sala de aula em que a sala tradicional dá lugar a um espaço aberto com cinco zonas adaptadas às actividades de recolha de informação, seu tratamento, comunicação, divulgação e debate e produção multimédia.
Por sua vez, no projecto TEAL, no MIT, em Boston, nas salas existem várias mesas redondas, todas equipadas com computadores, ficando o professor no centro da sala, como recurso, enquanto que os estudantes trabalham em grupo e se ensinam uns aos outros.

A transformação da escola é uma exigência da sociedade! 

                                       Mário Freire

terça-feira, 19 de maio de 2015

FANTASIA




Quem nos disse que o tempo voa
vai dizer que em tal não cria.
Gosto teve de andar à toa,
ao sabor da fantasia.

Esta diz o que lhe apraz,
qual em jogo que entretém.
Fale quem poesia faz
do prazer que nisso tem.

Não ter asas e voar,
quanto a nós, em nada é estranho.
Fora outrora; hoje já não.

Longe de labéu a condenar,
fantasia é dom tamanho:
Pede aval e com razão.


João d’Alcor

sábado, 16 de maio de 2015

UMA FIGURA ÍMPAR NA PRESERVAÇÃO DO AMBIENTE EM PORTUGAL





         Figura notável nas questões do ordenamento do território e do uso da terra em Portugal, Gonçalo Ribeiro Telles licenciou-se em Engenharia Agrónoma e terminou o Curso Livre de Arquitectura Paisagista, no Instituto Superior de Agronomia. Iniciou a sua vida profissional, como assistente deste Instituto. Mais tarde, seria professor catedrático convidado da Universidade de Évora, criando as licenciaturas em Arquitectura Paisagista e em Engenharia Biofísica, onde tive o grato prazer de ser seu discípulo.
         Após o 25 de Abril fundou o partido Popular Monárquico. Foi Subsecretário de Estado do Ambiente em diversos Governos Provisórios e Secretário de Estado da mesma pasta, no I Governo Constitucional. Dos seus projectos, é de assinalar o dos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, que assinou com António Viana Barreto e com o qual recebeu, ex-aequo, o Prémio Valmor de 1975.
         Em Abril de 2013 foi galardoado com o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, a mais importante distinção internacional no âmbito da Arquitectura Paisagista.
         Na noite de 25 de Novembro de 1967, as fortes chuvadas que se sentiram causaram a morte de centenas de pessoas. Em contraponto às causas divinas, o arquitecto, questionando o modelo de desenvolvimento do país, apontou a falta de ordenamento do território como a principal razão para a fatalidade. Pretendendo criar medidas de remediação e também com o intuito de salvaguardar a estrutura biofísica nacional, Gonçalo Ribeiro Telles foi, em 1982 e 1983, o grande impulsionador da criação da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional e ainda do Serviço Nacional de Parques. Não esquecer que, em Portugal pode aparecer uma moradia de luxo feita misteriosamente numa zona de paisagem protegida, um Parque Natural por exemplo, sem que ninguém a tenha autorizado e sem que ninguém seja responsável pela sua execução. Basta lembrar o que se passou recentemente na serra da Arrábida, com a construção da casa dum conhecido político.
         A premência de questões de natureza social como a habitação, o abastecimento de água ou o saneamento básico devem continuar a merecer as atenções dos nossos governantes mas, desejavelmente, em moldes que promovam a preservação do ambiente.
                                                                 FNeves






quinta-feira, 14 de maio de 2015

A INTERDISCIPLINARIDADE DA CULINÁRIA




Quem, como eu, desde sempre curioso dos saberes da cozinha, entre muitos outros do dia-a-dia do cidadão comum, acabou por fazer vida entre a comunidade científica, tem matéria para divagar em torno dos muitos pontos de ligação existentes entre os sabores da cozinha e os saberes, tidos por eruditos, cultivados por esta comunidade. Sabores e saberes andam assim de mãos dadas e até porque saber é conhecer mas também é ter sabor.
No domínio das ciências humanas, como a história, a geografia, a etnografia, a sociologia, a pedologia a gricultura e silvicultura, são particularmente evidentes as profundas ligações entre os respectivos saberes e os sabores próprios dos hábitos alimentares das populações ao longo dos tempos e nas várias latitudes e longitudes.
Uma rápida passagem sobre a multitude dos “cheiros” e “temperos”, das hortaliças, dos cereais e de tudo o mais que consumimos entre os produtos vegetais, basta para evidenciar a grande e imediata ligação entre os saberes da botânica e os sabores dos nossos cozinhados. Poderia começar por evocar Garcia de Orta, contemporâneo das Descobertas e de Luís de Camões, e falar da sua contribuição na introdução das ervas aromáticas do oriente na cozinha regional do Alentejo. Grande botânico, este alentejano de Castelo de Vide é igualmente conhecido entre os mineralogistas pelas referências às pedras preciosas (gemas) que nos deixou no seu livro “Colóquio dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia”, publicado em Goa, em 1563. Dentro desta ciência poderiam os seus cultores dissertar sobre a fisiologia e a bioquímica do mundo vegetal e das implicações de toda essa fenomenologia nas sensações que nos atingem o cérebro através da pituitária e das papilas gustativas. O raminho de hortelã escaldado nas “sopas da panela” e o aroma que, de imediato, se espalha no ar tem por base essências elaboradas pela respectiva planta e que são diferentes das dos orégãos, dos poejos, da hortelã da ribeira, do louro, dos cominhos e do alho de todos os dias. E a couve do caldo verde, o feijão da feijoada, a alface, o pepino e os pimentos das saladas, a cebola e o tomate das ceboladas e tomatadas, não são todos eles produtos do “Reino Vegetal”? E o azeite, o vinho, o pão de milho, de trigo ou de centeio, não são eles parte desse grande reino?

No que se refere à zoologia, outro grande domínio do mundo biológico, são igualmente imediatas as associações que se podem fazer entre a gastronomia e o saber que aqui se cultiva. Nesta ciência o difícil é seleccionar os exemplos, tantas são as fantasias alimentares dos habitantes dos quatro cantos do mundo. Das tradicionais “tripas” à moda do Porto, à expectativa de risco para a saúde face ao espectro da tão falada encefalopatia espongiforme bovina ou “doença das vacas loucas”, das perfumadas e gostosas sardinhas na brasa e dos benefícios da respectiva gordura na regulação do colesterol, à caldeirada comida ali, na fragata, a meio do Tejo e a saber a maresia, muitos são os pontos de conexão entre o “Reino Animal” e muito daquilo que comemos.

Aos químicos, também eles com “muito pano para mangas” numa dissertação deste teor, não faltam temas. O sal, cujo valor na culinária ficou glorificado no conto da princesa que, à pergunta que o rei lhe fizera e às irmãs, respondeu “Eu quero tanto ao meu pai, como a comida quer o sal...”, é cloreto de sódio, um apenas entre os ácidos, as bases e os sais da ciência, mas também os da poesia de António Gedeão (ou Rómulo de Carvalho). Os ácidos oleico e acético têm total cabimento no portuguesíssimo bacalhau cozido ou nas saladas bem temperadas. Carbo-hidratos, lípidos e prótidos, álcoois e aldeídos, e suas propriedades organolépticas, isto é, os seus odores e sabores, a sacarose, bem docinha, em excesso no pacotinho de açúcar e a cafeína que faz a delícia da “bica”, dois perigos para a saúde, mas também dois prazeres, têm aqui o seu espaço. Todos estes produtos e muitos mais, e as reacções que possibilitam, fermentação, hidrólise, oxidação, redução, etc., são a ponta do iceberg da participação dos saberes da Química na arte de cozinhar.
Os físicos têm, aparentemente, menos por onde se movimentar e tal acontece apenas porque as ligações dos seus saberes aos sabores não são tão evidentes. Podem explicar o aquecer e o arrefecer, condução e convecção térmicas, gelo e degelo, a fervura e as diferenças entre cozer e assar. Podem discorrer acerca do verde da alface e das couves, do vermelho do tomate e das beterrabas, do laranja da cenoura ou do amarelo do limão, outros tantos “sabores” para os olhos, cores estas que sabem explicar pelo conhecimento que têm da natureza policromática da luz branca e do modo como os corpos lhe absorvem algumas das suas radiações. Podem, ainda, a partir da sempre apetitosa “tarte de maçã”, fazer a ponte para a gravitação universal que Isaac Newton tão bem explicou no séc. XVII, ou ainda aventar que esta era a sobremesa preferida de Albert Einstein e criar assim pretexto para falar da obra de uma das figuras mais ilustres da humanidade, não só como físico, mas também como homem.
No domínio do conhecimento em que profissionalmente me envolvi, tirando as águas minerais ou de mesa, não são muitos os temas de índole geológica que permitam a continuação do exercício que tenho vindo a fazer. O sal do nosso saleiro, cujo uso não é demais acautelar, produzido nas salinas à beira-mar, praticamente não difere do sal-gema que se explora em Loulé e Matacães. Intercalado nas séries sedimentares da base do Jurássico, este mineral testemunha um tempo, há cerca de 200 milhões de anos, em que a Eurásia ainda estava unida às Américas e se começou a esboçar o que é hoje a parte norte do Oceano Atlântico. O perfumado cozido que se faz nas caldeiras das Furnas, em S. Miguel, num ambiente marcado pelos odores do gás sulfídrico das fumarolas locais, só é possível graças à actividade vulcânica ainda existente nas ilhas açorianas e à energia geotérmica com ela relacionada, dois temas indesligáveis da dinâmica interna do globo terrestre, hoje bem explanada na Teoria da Tectónica de Placas. Saberes acerca de rochas e sabores com elas relacionáveis, só se forem os possíveis de abordar a propósito dos tão apreciados “nacos na pedra”, posto que há rochas boas para o efeito, como é o caso do basalto, que suporta bem a elevada temperatura a que tem de ser aquecido, outras más, como são o mármore e o calcário, que se decompõem facilmente pelo calor, e outras assim-assim, com é o vulgaríssimo granito. Mas se se optasse por dissertar em torno do gás natural, que consumimos no fogão, ou das matérias-primas com que se fabricam os barros, faianças e porcelanas,  os vidros, os tachos e panelas de ferro, de cobre ou de alumínio, os talheres, desde os vulgaríssimos “inox” aos christofle ou aos de prata, os estanhos, os cristais e todos objectos das cozinhas e das mesas de pobres a ricos, ter-se-iam de referir os combustíveis fósseis, a calcopirite, a cassiterite, o quartzo, o caulino e outras argilas, o bauxito e um nunca mais acabar de minerais e rochas.


                                                           Galopim de Carvalho

terça-feira, 12 de maio de 2015

ARCO ÍRIS





Meu olhar era um rio transparente
Galeão de palavras quando olhava.
Brilhava como um puro diamante.
De cristal parecia, se chorava.

Onda a onda, num truque de magia
Na maré, minha barca naufragou.
Desafiar o mar, ninguém sabia.
Nos rochedos, minha âncora encalhou.

Distante, salpicado pela espuma
Meu inocente olhar rasgando a bruma
Ficou flácido, manso, inaudível.

Marcados pelas rotas d´outros ventos
Vão os sonhos mirrando em desalentos
Ceticismo total, inatingível!...


Aldina Cortes Gaspar



domingo, 10 de maio de 2015

A MÁQUINA QUE TRANSFERIA INFORMAÇÃO PARA OS ALUNOS

          



A Exposição Universal de Paris de 1900 teve por meta celebrar as conquistas do século XIX e incentivar o desenvolvimento do século que começava a despontar. As grandes indústrias francesas da metalurgia, do têxtil e da madeira lá estavam representadas assim como vários produtos originários de diferentes países (Rússia, Japão, Itália…). A exposição fazia, ainda, propaganda à acção que países como a França, a Inglaterra e a Holanda tinham nas suas colónias.
Ora, numa série de postais produzida para esta Exposição, aparecia um em que se figurava aquilo que iria ser a escola no ano 2000: um professor, à secretária, a colocar livros numa máquina. Os alunos, com capacetes, estavam ligados por fios eléctricos à máquina a qual ia transferindo para eles a informação proveniente dos livros. A postura dos alunos era a da imobilidade, meramente receptiva, olhando para a frente, alinhados em filas, de costas voltadas para os que se encontravam atrás.
O que é que o ilustrador acrescentou ao tipo de ensino que era ministrado nos finais do século XIX, em relação àquele que ele esperaria que viesse a ser praticado no início do século XXI? Simplesmente, a máquina eléctrica que estava ligada aos alunos.
Será que o processo de ensino, neste intervalo de mais de um século, se modificou na sua essência? Além de ter acrescentado, ao que então existia, mais máquinas (não a ficcionada no tal postal), como projectores, computadores, quadros interactivos, deixou de haver alunos, na sala de aula, alinhados em filas e de costas voltadas para os que estão atrás? O aluno, na sala de aula passou a ser aquele sujeito activo, que interage com os colegas no processo de aprendizagem, que toma iniciativas, que levanta problemas ou, simplesmente, continua a ouvir o que o professor diz e se limita a responder àquilo que lhe é perguntado? Os problemas da vida e do quotidiano começaram a impregnar os programas, fazendo daqueles os motivadores do estudo e da aprendizagem?

O postal da Exposição de 1900 que ilustra a máquina a transferir informação para o cérebro dos alunos parece, ainda, descrever muita da realidade que tem lugar nas nossas escolas!

                                                          Mário Freire

sexta-feira, 8 de maio de 2015

TRANSCENDÊNCIA





Ao longo do nosso percurso de autorrealização, uma das nossas necessidades enquanto seres humanos é a capacidade de entrarmos em contacto com uma dimensão que ultrapassa a nossa personalidade egoica. Há necessidades que pertencem à esfera da sobrevivência, mas há outras que enriquecem de sentido a nossa existência.
O desejo de conhecer e compreender, a apreciação estética, o cumprimento de uma vocação no seio da família, na vida profissional, ou em atividades de carácter social, são elementos importantes na constituição do nosso sistema de valores, os quais vão satisfazer algo mais vasto do que o nosso Eu.
Há experiências que nos fazem sentir como parte de um todo, uma espécie de fusão com o universo, cuja explicação não consegue ser decifrada pelas nossas estruturas mentais. O nosso Eu, cheio de preocupações, dúvidas, inseguranças e apegos, desaparece por instantes e somos invadidos por uma sensação de paz e integração, onde sentimos que tudo é perfeito.
Tudo o que reduz a presença do Eu permite-nos entrar numa dimensão que o transcende. Podemos sentir esta dimensão através do contacto com a natureza, ao ouvirmos uma música, na presença de outra pessoa, mediante uma epifania, ou uma descoberta. Neste tipo de experiências sentimo-nos no auge das nossas capacidades: mais inteligentes, mais percetivos, mais fortes, mais sensíveis, mais criativos. Sentimo-nos libertos de bloqueios, de inibições, de defesas, de medos. Vivemos em pleno o aqui e agora, e os sentimentos de autoaceitação e de autoestima reforçam-se espontaneamente.
Cada pessoa vive de maneira idiossincrática este tipo de experiências, na medida em que cada um tende a aprofundar, pela sua própria subjetividade, novas formas de explorar o mundo. Parece um paradoxo, mas a mais conseguida realização da identidade individual traduz-se na transcendência do próprio Eu, pois estas vivências provocam a sensação de que algo mudou dentro de nós para melhor.


                                                    Rossana Appolloni

quarta-feira, 6 de maio de 2015

FALANDO DE SOLOS





                          Componente orgânica do solo 

Na fracção orgânica do solo, para além das raízes vivas, dos restos de plantas vasculares mortas, de vermes, artrópodes, outros invertebrados e os produtos das respectivas decomposições após a morte, estão presentes micro-organismos, representados por bactérias autotróficas e heterotróficas, algas, fungos, protozoários e vírus. Das bactérias, merecem referência as que promovem a fixação do azoto e, entre os protozoários, são comuns os flagelados e as amibas. Todos estes seres e os seus restos, associados aos nutrientes minerais e regulados pela temperatura, humidade, arejamento, são fundamentais à vida do solo.
De entre a componente orgânica do solo, merece referência o húmus  ou humo (do latim humu). De cor castanha escura a negra, é constituído por partículas extremamente finas, coloidais, evidenciando um estado avançado de decomposição da matéria orgânica. Esta fracção, classificada entre os cerabetumes , corresponde ao que resta depois de a maior parte dos resíduos vegetais e animais se ter decomposto por acção biológica e química.
Entendido como um conjunto de substâncias resistentes à decomposição, dele fazem parte ácidos húmicos (solúveis em NaOH e insolúveis em HCl, com pH 1-2), ácidos fúlvicos (solúveis em NaOH e em HCl, com pH 1-2) e huminas, constituídas pelos resíduos insolúveis em NaOH.
Com elevada percentagem de água, o húmus é um material amorfo, poroso, pouco denso, com elevada capacidade de troca de bases (Na+, K+, Ca2+, Mg2+), bom controlador do pH e fonte fornecedora de azoto, enxofre e fósforo às plantas. O húmus é ainda um agente aglutinador das partículas minerais do solo e, na medida em que é um material escuro, actua como um bom absorvente da radiação solar, proporcionando elevações de temperatura e consequente aumento das velocidades das reacções químicas e bioquímicas. Uma outra característica particular do húmus é a formação de complexos organo-minerais, mais precisamente complexos argilo-húmicos, fundamentais nesta interface do mundo vivo com o mundo mineral e de  capital importância no bioquimismo do solo. Sem estes complexos (ditos absorventes), as raízes não absorvem o complemento alimentar disponível no solo.
Outros produtos resultantes da actividade e/ou da decomposição da componente orgânica do solo, como celulose, lenhina, proteínas, lípidos, ceras, resinas, ácidos orgânicos, álcoois, entre outros menos comuns, não fazem parte do húmus.
No que se refere aos elementos químicos ligados à componente orgânica do solo, merecem destaque o azoto, o carbono, o oxigénio, o hidrogénio, o enxofre e o fósforo.

Entre os profissionais, fala-se de solos orgânicos ou húmicos, quando têm mais de 20% de componentes orgânica, em solos de granularidade grosseira, e mais de 30%. em solos de granularidade média a fina. Nos restantes casos fala-se de solos minerais.


                                   Fase líquida do solo

Igualmente indispensável à vida do solo e à sua evolução e caracterização, esta fase é, praticamente, constituída por água - a chamada água do solo - na qual se distinguem: (1) água higroscópica, fixada ou absorvida por tensão superficial das partículas mais finas, em especial, as coloidais, não sendo utilizada directamente pelas plantas; (2) água capilar, que forma películas contínuas entre as partículas sólidas maiores e preenche os vazios mais pequenos (microporos), movendo-se por capilaridade, podendo ser absorvida pelas raízes; (3) água gravítica, que corresponde à água que circula nos vazios mais alargados (macroporos) e que, não estando sujeita a força atractiva por parte das partículas sólidas, se escoa por gravidade, pouco participando no metabolismo das plantas.
            O teor de água no solo depende do clima, do relevo e da cobertura vegetal, aspectos que, como se sabe, têm inter-relações complexas e profundas. Ao entrar no solo, a água carrega-se de substâncias solúveis inorgânicas (Na+, K+, Ca2+, Mn2+, Cl-, SO42-, HCO3-, etc.), substâncias orgânicas e, inclusive, gases atmosféricos, constituindo o que se convencionou chamar solução do solo. A água que se infiltra no solo e pode aí ser veículo de processos químicos (abióticos) ou bioquímicos, depende do balanço hídrico que se estabeleça entre a água que cai (precipitação), a que escorre à superfície (água de escorrência), mais intensamente nas vertentes de maior declive, e toda a que se evapora directamente do solo ou pela transpiração através da folhagem da plantas (evapotranspiração). Depende ainda, em especial, da porosidade, que lhe permite escoar-se por gravidade, e da capacidade de retenção de alguns elementos da fase sólida (argila, húmus).
            Por sua vez, a água do solo relaciona-se com o teor de argila, em geral, e com o tipo dos filossilicatos (caulinite, ilite, esmectites, clorites, interestratificados) que a compõem, a que não é alheia a temperatura ambiente.
            No que diz respeito ao teor de água, distinguem-se solos saturados e solos insaturados, aspectos do maior interesse na evolução pedológica e até na sua utilização agrícola.

                                  Fase gasosa do solo

Mais conhecida por ar do solo ou atmosfera do solo, esta fase é uma presença indispensável à vida deste corpo natural, igualmente importante na pesquisa das suas evolução  e características. Dela fazem parte: oxigénio, entre 15 e 20%, dióxido de carbono, de 0,2 a 45%, azoto, entre 79 e 81% , e vapor de água (saturado). Estes gases resultam do equilíbrio entre a penetração de ar atmosférico nos vazios do solo e a respiração ao nível das raízes das plantas e dos micro-organismos, com libertação de dióxido de carbono e consumo de oxigénio. Uma tal composição é, ainda, função: (1) da granularidade e porosidade do solo (dois aspectos que condicionam a permeabilidade); (2) da humidade, que reduz a permeabilidade, dificultando a renovação do oxigénio; (3) da matéria orgânica, que induz aumento dos teores de dióxido de carbono; (4) do clima, que também controla as actividades química e biológica, com implicações directas na razão O2/CO2.

                                               Galopim de Carvalho





segunda-feira, 4 de maio de 2015

FAMA





Quer no bem e quer no mal,
pode a fama ter assento.
Ou é luz ou é tormento;
talvez ambos, por igual.

Buscar fama: Que arremedo
dado à ânsia que consome.
Gera sede e aumenta a fome:
Nunca passa de um enredo.

Alheando o próprio ser,
só a busca quem mal ama,
sem de tal se aperceber.

Se há virtude, faz tremer:
Enfrentando a luz da fama,
deixa o pódio; quer descer.


João d’Alcor

sábado, 2 de maio de 2015

LIVROS





Atenta, olho a estante. Extasiada.
Um livro é um amigo que me espera.
Sou pobre no saber. Oh!... Quem me dera
Pela sabedoria ser guiada!...

Um livro é uma flor fresca, orvalhada.
Cada folha convida a penetrar
Em mundos fabulosos. Viajar
Em sua companhia, de mão dada.

Um livro é uma flor por abrir
Um mar de sensações por descobrir
Um reino de duendes e de fadas.

Ler é saciar a nossa mente
Que, às vezes, choraminga descontente.
Livros, dão mais cor às madrugadas!...



Aldina Cortes Gaspar