sábado, 30 de agosto de 2014

ENSINO




Todo o ensino é transmissão
o que implica ter p’ra dar.
Seja qual for a lição,
tem reverso a conjugar:

Ensinar e aprender
pedem ambos atenção.
Transmitir e receber
prenda é de mão em mão.

Ensinando mui se aprende.
Tal mister é dom sem par.
Condição ser ele amado.

Bom discí’plo o que pretende
é o vir a transformar
toda a herança em mor legado.


João d’Alcor

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

DEBATER NA SALA DE AULA


O debate na sala de aula, se reunidos determinados requisitos, pode constituir-se num factor de grande enriquecimento intelectual e cívico. Destacaria, no entanto, algumas condições para que tal acontecesse. Uma delas, haver o contacto visual entre os alunos. A aula é um acto comunicacional; é vendo-nos uns aos outros que melhor participamos. Outra condição diz respeito ao conhecimento do tema pelos alunos; para isso, há que estudá-lo individualmente, investigá-lo e, depois, em pequeno grupo, tentar dar respostas a questões suficientemente motivadoras colocadas pelo professor, debatê-las entre si, e que tentem responder a um problema por ele enunciado. O debate será o culminar deste trabalho em que cada grupo, depois, apresentando a sua argumentação, estará aberto às contribuições dadas pelos outros grupos.
Ao professor, como moderador da discussão, caberá, logo no início, estabelecer as regras do debate. Acontece com frequência que, num debate, há sempre alunos que se salientam quer pelos conhecimentos, quer pela expressão fácil, quer, simplesmente, porque gostam de dar nas vistas. Pelo contrário, outros há que, tendo conhecimentos, manifestam dificuldade em participar devido à sua timidez. O professor, então, não permitirá que os primeiros saiam do tema ou que ocupem demasiado tempo nas suas intervenções e incentivará os segundos a participar, colocando-lhes questões ou sublinhando as suas respostas, se elas tiverem alguma pertinência. No final, o debate deve tender para uma solução ou, pelo menos, apontar para ela.
Uma discussão, em aula plenária, tenha ela lugar no secundário ou superior (em anos de escolaridade mais baixos tornar-se-á um pouco mais difícil a sua prática, mas não impossível), sendo bem conduzida, além de suscitar grande motivação, interioriza nos alunos a necessidade prévia de adquirir informação sobre algo em que têm que dar opinião fundamentada, ajuda-os a respeitarem-se uns aos outros e contribui para que todos possam, de uma maneira cooperativa, participar na procura de uma solução para um problema.  
                              

                                           Mário Freire

domingo, 24 de agosto de 2014

AMIANTO DA NOSSA INQUIETAÇÃO


Em 17 de Março de 2014, a Deco Proteste publicava: «Em Portugal, entre 2007 e 2012, morreram 218 pessoas vítimas de mesotelioma, um cancro provocado pela exposição ao amianto, 40 das quais só em 2012. O amianto tornou-se uma ameaça à saúde pública, pelo que a sua remoção deve seguir regras de segurança apertadas».
Esta relação causa/efeito não é dos dias de hoje. Já em finais do século XIX, os efeitos malignos do pó de amianto eram preocupação do Parlamento britânico. Nos Estados Unidos da América, no primeiro quartel do século XX, demonstrava-se a ocorrência de mortes prematuras entre trabalhadores da indústria deste minério.
 Diz-se que em Portugal se contam por centenas de milhar o número dos edifícios com cobertura de placas onduladas de fibrocimento, um composto de cimento com 10 a 15% de fibra de amianto. Proibido na União Europeia, desde 2005, sabemos que, entre nós, continua presente em coberturas de telhados, estuques, condutas para escoamento de efluentes, cisternas e depósitos de água, entre outros.
 Numa recomendação do Parlamento ao Governo, em 2003, pedia-se que, no prazo de um ano, se procedesse ao inventário dos edifícios públicos com amianto, tarefa ainda muito longe de conclusão. Um levantamento realizado pelo Ministério da Educação revelou que mais de setecentas escolas públicas tinham coberturas de fibrocimento, das quais apenas uma centena tinha procedido à respectiva remoção.
 As muitas notícias, felizmente, vindas a público sobre os malefícios deste produto natural alertam o cidadão para a sua perigosidade e essa perigosidade, que não é pequena, reside na sua constituição por feixes de fibras extremamente finas e longas (houve quem lhe chamasse seda natural) facilmente separáveis umas das outras, libertando uma poeira de agulhas micrométricas que flutuam no ar. Facilmente inaladas ou deglutidas por quem vive o dia a dia na sua estreita proximidade, causam graves problemas de saúde, nomeadamente, a asbestose e a referida neoplasia, pelo que o comércio de amianto foi restringido ou proibido em muitos países.
O amianto reúne um conjunto de minerais fibrosos, sobretudo, o crisótilo, uma serpentina, e algumas anfíbolas, nomeadamente a actinolite e a tremolite, sendo estas mais resistente aos ácidos mas menos resistente ao fogo do que o crisótilo, este, de longe, o de mais vasta aplicação.
O crisótilo é assim chamado em virtude da sua cor amarelo-dourada (do grego crysós, cor de ouro) e do seu carácter fibroso (do grego tilo, fibra). Serpentina alude ao aspecto da pele da serpente que caracteriza o crisótilo. Este mesmo aspecto mereceu-lhe, no passado, o nome de ophiolite.
 Além do fibrocimento, o crisótilo tem sido largamente utilizado em portas contra incêndios, vestuário à prova de fogo, camisas de petromaxes e muitos outros artigos que utilizam o seu carácter fibroso e a sua incombustibilidade.


                                         Galopim de Carvalho

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

AS SURPRESAS DE UMA PRAIA ALENTEJANA


Vivo no Alentejo há algumas décadas; todavia só recentemente fui atraído pelas belezas da praia de São Torpes, praia concorrida sobretudo pelos banhistas e surfistas da região. Praia com grande importância na "mitologia local", tem a ela ligada duas lendas – a do mártir São Torpes e a da cidade que teria existido sob as suas areias - e ainda uma forma especial de embarcação de pesca, a jangada de São Torpes.
A primeira vez que tive a oportunidade de visitar aquela linda praia, fiquei surpreendido com um facto curioso: a praia estende-se por vários quilómetros mas poderá afirmar-se que, pelo menos metade dos banhistas, se concentra numa faixa de algumas dezenas de metros.
A razão é simples: nessa faixa, adjacente ao canal de escoamento das águas de arrefecimento das turbinas da central termoeléctrica de Sines, a temperatura da água do mar é mais elevada.
Aquela Central situa-se na costa alentejana, a cerca de 8 km a sudeste da cidade de Sines, junto à praia de São Torpes; compromete-se a cumprir a Política de Ambiente da EDP, empresa que, como é do conhecimento geral, desenvolve actividades de produção de energia.
Surge agora uma segunda surpresa: a Central de Sines da EDP está entre as mais poluidoras da União Europeia.
A central a carvão da EDP é a décima-segunda maior emissora de dióxido de enxofre e ocupa a mesma posição na libertação de óxido de azoto entre os vinte e sete. Os números são de investigadores ingleses para a organização não-governamental sueca "Stop the Acid Rain" ("Parem com a Chuva Ácida") e fazem parte da avaliação aos 100 maiores emissores europeus dos gases mais importantes para produção das chuvas ácidas, todos eles centrais a carvão ou a fuel. Já se sabia que a central de Sines estava entre as 30 unidades com maior contributo para o efeito de estufa, através da produção de CO2. Agora, o "ranking" fica completo. Mais do que acusar, o objectivo da ONG é mostrar que, tendo os dois gases efeitos sobre a saúde e o meio ambiente - as centrais são também emissoras de dióxido de carbono - a aplicação das tecnologias mais avançadas podia não só baixar drasticamente as emissões, como os ganhos daí derivados para a saúde seriam, em média, 3-4 vezes superiores aos custos.
As 100 centrais mais poluentes da Europa correspondem a 40 por cento da produção eléctrica instalada, mas o seu impacte ambiental é superior: são responsáveis por 51 por cento das emissões de dióxido de enxofre e 44 por cento das de óxido de azoto.
E, em conclusão, uma terceira surpresa, agora, agradável: está previsto o encerramento para breve da Central de Sines da EDP , o que do ponto de vista ambiental constitui uma óptima notícia para Portugal e para os portugueses, excepto para alguns banhistas da praia de São Torpes.

                                                                        FNeves


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

ENSEJO


Toda a vida é um ensejo:
cada hora novo início,
na resposta ao meu desejo
de evitar o desperdício.

N’horas gastas a compor,
sob o signo d’inspiração,
surgem ecos, a sobrepor,
à laia de cantochão.

Seja qual o seu sabor,
de alegria ou de dor,
tudo serve de lição.

Vista esta com amor,
todo o ensejo tem valor,
qual herança e doação.


João d’Alcor

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

SABER FAZER PERGUNTAS


Existe um ditado já antigo no léxico pedagógico que diz que “bem perguntar é bem ensinar”. Na verdade, para um bom professor, tão importante como dar respostas correctas, é fazer perguntas adequadas, suscitar problemas para os quais possam, depois, haver respostas apropriadas. Foram as pessoas com espírito inquiridor, que viram problemas para resolver onde os outros os não viam, que fizeram avançar a humanidade.
Uma pergunta bem feita vai exigir de quem responde a elaboração de um raciocínio em conformidade com aquela. Vários têm sido os estudos que se têm debruçado sobre esta temática os quais, cada um à sua maneira, tentam fazer o seu modelo que possa, depois, ser aplicado à sala de aula.
Nestas mesmas crónicas tive já oportunidade de falar da taxonomia de objectivos cognitivos de Bloom, a qual veio, mais tarde, inspirar um modelo para a elaboração de questões (Sanders). Se estas, na sua grande maioria, se limitam a determinar o que se memorizou, o que se conhece, no seu nível mais básico, por exemplo, saber a percentagem da população dos Açores que vive da agricultura, muitas outras poderiam ser feitas, explorando níveis de cognição mais elevado.
Se apresentar um gráfico que relacione as temperaturas com a altitude, na Ilha do Pico, mediante uma extrapolação, os alunos estão em condições de responder sobre qual o valor plausível da temperatura para dada altitude não referenciada no gráfico.
Indo mais longe na exploração do campo da cognitivo, seria possível, por exemplo, solicitar-se, a partir de um texto que referisse um acontecimento, seja ele na Física, História, Ciências da Natureza…, com elementos importantes e outros dispensáveis e várias hipóteses explicativas para o mesmo, que fosse analisado o referido texto, tentando distinguir quer os dados relevantes, quer os não relevantes, quer as hipóteses.
Avançando ainda mais, solicitar-se-ia, por exemplo, a alunos do 4º ano que, a partir de vários números apresentados, na sua representação decimal e fraccionária, elaborassem um problema. A resposta adequada implicaria uma operação de síntese em que eles, a partir de vários elementos, teriam que os agrupar de modo a dar-lhes um todo coerente.
Poderia, ainda, propor aos mesmos alunos que elaborassem um juízo de valor, apresentando, por exemplo, as vantagens da utilização do quilómetro.
Muitas destas questões suscitariam mais interesse se fossem discutidas em grupo e, depois, cada grupo apresentasse as conclusões a que tinha chegado, gerando-se, assim, a discussão em plenário.
Enfim, a capacidade de iniciativa do professor, mitigada pelo bom senso, não deve ter limites quando posta ao serviço da aprendizagem dos seus alunos.


                                              Mário Freire

terça-feira, 12 de agosto de 2014

ENSAIO


Riscos tem o improviso,
seja qual a profissão.
Muito treino é preciso
e chamadas de atenção.

Seja mestre ou aprendiz,
tudo deixando ao Deus dará,
se aprovado, é por um triz.
Boa fama não terá.

Fogo fátuo de tubel
sai do que é improvisado.
Nada tem de consistente.

Quem tem brio é fiel
ao seu múnus. Esmerado,
tudo ensaia, previamente.


João d’Alcor

sábado, 9 de agosto de 2014

A VITÓRIA, A DERROTA E O FAIR PLAY


O cumprimento das regras no desporto é, sem dúvida, uma condição fundamental para a sua prática. O desporto, por sua vez, é uma actividade que consegue motivar a maior parte dos alunos. De entre estes encontram-se, frequentemente, aqueles que mais dificuldades apresentam nos estudos, mas também aqueles que mais problemas disciplinares originam.
Ora, a prática desportiva, aquela que exige que o cumprimento das regras seja um ponto de honra e em que a superação das dificuldades físicas pelo esforço seja igualmente valorizado, tem um valor formativo de alto grau.
Muitos dos alunos com insucesso são originários de famílias desestruturadas. Não se lhes pode pedir, por isso, aquilo que os pais não souberam ou não lhes puderam dar. A prática desportiva, no entanto, tem a possibilidade de, em certa medida, compensar as carências de que estes alunos são portadores. A ética no desporto, o desportivismo, o fair play no jogo não devem ser expressões que sejam aplicáveis, apenas, ao futebol de competição. Elas, antes de mais, têm aplicação primeira na escola. O fair play vai além do simples respeitar das regras; ele implica o respeito do outro, desde logo do professor, da aceitação das decisões do árbitro, de lutar contra a fraude e contra a violência, seja ela física e verbal.
Quem sentiu o peso de ter perdido depois de se esforçar para conquistar algo que desejava, poderá avaliar bem o sabor de uma vitória! Mas também saberá avaliar o sabor da derrota dos adversários quando fizeram tudo o que puderam e não obtiveram o êxito! Por isso a vitória, se dá honra aos que dela participam, impõe respeito aos que dela se arredaram. O desporto competitivo pode ser uma escola de virtudes onde a lealdade e o respeito pelo adversário estão constantemente em evidência. Ele ensina que, quer no jogo quer na vida, há regras que têm que ser respeitadas. A vitória a qualquer preço não conta.
Os valores do desportivismo, se transportados para a sala de aula, podem ajudar a formar alunos mais trabalhadores e mais responsáveis.


                                      Mário Freire

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

PORQUÊ AJUDAR OS OUTROS?


Ajudar os outros dá-nos prazer e proporciona significado à nossa vida. Ser prestável a outra pessoa, sentir que a nossa presença contribui para melhorar, de alguma forma, a vida do outro, oferece-nos uma sensação de satisfação connosco próprios que se traduz na valorização da nossa própria vida.
A facilidade com que somos prestáveis depende não só da relação que temos com a outra pessoa mas também do que é que a outra pessoa já fez por nós. A nossa predisposição para ajudar o próximo é muito maior quando já recebemos ajuda desse alguém. Através da lei da reciprocidade humana, é mais natural fazer pelo outro o que o outro já fez por nós.
Estamos então perante uma espécie de círculo vicioso no qual ajudar contribui para o nosso bem-estar, dando sentido e prazer à nossa vida, mas para ajudar mais espontaneamente precisamos de ter sido ajudados. Sendo assim, se nós nos focarmos, diariamente, no que os outros fazem por nós, desenvolvemos a capacidade de ver essa ajuda, que tantas vezes passa despercebida.
Todos os dias há quem faça algo por nós, nem que seja com a sua presença, o seu sorriso, o seu olhar, a sua simpatia. Todos os dias alguém enriquece a nossa vida, contribui para que ela seja mais aprazível. No entanto, ao darmos valor apenas a quem preenche as nossas expectativas, que muitas vezes caem no vazio, aumentamos cada vez mais a dor de não sermos ouvidos.
Concentrar a nossa atenção na gratidão ajuda-nos a bloquear as emoções tóxicas, tais como a inveja ou o ressentimento; obriga-nos a ter um papel mais ativo na nossa vida, pois decidimos dar valor aos acontecimentos; aumenta a nossa resiliência e, simultaneamente, ajuda-nos a ultrapassar melhor a ansiedade. Além disso, reconhecer o que os outros fizeram por nós fortalece as nossas ligações afetivas e faz de nós pessoas mais generosas. Resumindo, a gratidão avigora a nossa felicidade, pelo que vale a pena experimentar dedicar uns minutos por dia a pensar: a que estou grato hoje?


                             Rossana Appolloni

domingo, 3 de agosto de 2014

ENLEVO



Ao ser posta em relevo,
a violeta se sente mal.
No perfume provoca enlevo,
longe porém de dar por tal.

Assim é onde há virtude:
No recato se cultiva.
Se outrem há que a ela alude,
jamais isso o garbo aviva.

Não provém do exterior
o fascínio que perdura,
mas do foro interior.

Sabe quem tal dom procura
quão discreto é sempre o amor.
Nele a aposta a mais segura.


João d’Alcor