As
regularidades anteriores inevitavelmente terão desenvolvido alguma actividade
de natureza simbólica que as exprime quer com os seus benefícios quer com as
suas ansiedades. E, naturalmente, a repetição deste simbolismo vai desencadear
certamente uma actividade ritual que parece encontrar expressão nos recintos
(cromeleques), circulares ou em forma de ferradura, que nessa época também
foram construídos.
Não
temos escritos que nos descrevam esses eventuais rituais, e muito menos os
saltos epistemológicos que a mente humana poderá ter dado nessa altura. Porém
se a necessidade de enterramento dos mortos fez parte desta premência simbólica
e ritual, não nos admiraremos de verificar que a grande maioria das antas se
encontre implantada com a sua abertura, e muitas vezes com o corredor que lhe
dá acesso, virados a nascente. Mas, se designarmos por “nascente” aquela porção
do horizonte onde o sol nasce, entre o seu limite mais a norte (solstício de
verão) e o seu limite mais a sul (solstício de inverno) o que é interessante é
que se constata que a referida orientação das antas não se distribui
uniformemente entre esses dois limites, mas antes mostra uma clara preferência
por uma direcção intermédia, grosso-modo a meia distância entre esses dois
limites*, próximo do que hoje associamos com os equinócios, em particular com o
início da Primavera. Claro que há sempre um pequeno número de exemplos de antas
que não seguem esta regra mas estimamos que não excedem 5% do total.
Certamente
que os homens e mulheres do período megalítico não eram astrónomos mas, no seu
convívio diário com esse mundo inatingível - embora presente porque observável,
e real porque interferia no seu próprio território - tiveram oportunidade de o
observar detalhadamente e sensibilizar-se para os seus ritmos e suas
consequências. Muito naturalmente esta observação empírica dos astros, esta
forma rudimentar de astronomia, em particular do sol e da lua, neste e noutros
locais, e também noutras civilizações, ao longo de alguns milénios, terá sido
importante para o aparecimento de ideias expressas de forma simbólica nas
escritas antigas. Na Babilónia aparecem, como simples registos de dados e de
observações, incluindo repetições de ocorrências que vão permitir previsões
(por ex. de eclipses), e abrir assim o caminho para a estruturação de um corpo
de conhecimento que virá a dar o que hoje chamamos Astronomia. Evidência dessa
evolução vamos encontrar nos gregos que já no primeiro milénio AC detinham
elaborados conceitos astronómicos que lhes permitiam por ex. estimar o raio da
Terra. A partir daí a História conta-nos como se evoluiu até à Astronomia de
hoje. Mas o registo histórico fala-nos de uma continuidade de rituais
associados às celebrações do início da primavera.
*in Revista Portuguesa de Arqueologia, vol.10, nº
2, 2007, p35-74
C.
Marciano da Silva