sábado, 31 de agosto de 2013

GEOLOGIA DE PORTUGAL


Recebi há dias, por oferta, a monumental obra em dois volumes “Geologia de Portugal”, uma edição da Escolar Editora, coordenada por Rui Dias, Alexandre Araújo, Pedro Terrinha e José Carlos Kullberg, quatro ex-alunos de elevada craveira, hoje distintos professores universitários. Nela participam dezenas de especialistas entre geólogos e professores de geologia, alguns venerandos séniors, meus companheiros de percurso, e muitos, como é natural, meus excelentes ex-alunos e amigos muito próximos.
O primeiro volume inicia-se por uma introdução à geodinâmica do território, na sua globalidade, com um desenvolvimento pormenorizado relativamente aos tempos anteriores ao Mesozóico, ou seja, todo o Pré-câmbrico e o Paleozóico, da autoria de António Ribeiro, actualmente o grande dinamizador da geologia no nosso país e o mentor da maioria dos que com ele levaram a bom termo esta obra.



                                         António Ribeiro

Este volume completa-se com os variadíssimos aspectos da geologia do ciclo Varisco nos sectores norte e sul do País, numa perspectiva apoiada pelos mais modernos desenvolvimentos nos domínios da estratigrafia, da petrologia, da geologia mineira e da geodinâmica.
O segundo volume, consagrado à geologia dos tempos pós-paleozóicos, desenvolve a estratigrafia, a paleogeografia e a tectónica das Bacias Meso-cenozóicas Meridional (Algarvia) e Ocidental (Lusitânica), faz o ponto da situação relativo ao conhecimento das margens sul e ocidental e dedica um capítulo às bacias cenozóicas do Douro, do Mondego, do Baixo Tejo e de Alvalade. Aborda a geologia dos arquipélagos dos Açores e da Madeira e debruça-se sobre o problema das fontes sísmicas ao longo da fronteira de placas tectónicas entre os Açores e a Argélia, propondo um modelo sismotectónico inovador.


                                               Galopim de Carvalho

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

DIRECÇÃO


Ao vogar no mar da vida,
mãos ao leme do destino,
se a mim próprio me confino,
nunca a rota é garantida.

É meu norte a convicção,
sua estrela a evidência
que a divina Providência
apontara de antemão.

Ir ao leme do veleiro
é mister, a tempo inteiro,
sem qualquer abdicação.

De mim próprio timoneiro?
É verdade, mas, primeiro,
do Céu vem a direcção.

João d’Alcor


terça-feira, 27 de agosto de 2013

DESEJAR MAIS E MELHOR NUM MUNDO REAL


A espécie humana é insatisfeita por natureza, o que pode até não ser negativo. A insatisfação leva-nos a querermos mais, e querermos mais leva-nos a agir para alcançarmos os nossos desejos e os nossos sonhos. No entanto, a insatisfação também nos pode levar a estados de tristeza e angústia pela frustração de nunca termos o que consideramos ser importante para nós.
As pessoas felizes não têm tudo o que querem, mas querem a maior parte daquilo que já têm. Dito de outra forma, as pessoas felizes dão valor ao que já conquistaram, ao contrário das pessoas infelizes que ao estabelecerem metas inatingíveis tornam os seus feitos num fracasso. O que traz felicidade às pessoas não é a dificuldade do objetivo em si, mas simplesmente o facto de o atingir, pelo que estabelecer objetivos que estejam ao nosso alcance é mais realista e mais factível. Ao ser mais factível, a sua concretização proporciona uma sensação de satisfação consigo próprio. Isto não significa que não devemos desejar mais e melhor, mas sim que devemos desejar o que nos é possível alcançar.
Quer se trate de objetivos profissionais ou familiares, em vez de se imaginar a pessoa mais rica do mundo ou com a família perfeita, permaneça ligado à realidade e lute por melhorar as situações ao seu redor, mas não por torná-las perfeitas.
A compatibilidade entre os nossos objetivos e os recursos de que dispomos para os concretizar está diretamente relacionada com a felicidade. Quanto mais realistas forem, mais nos sentimos bem.       Deseje o melhor para si e ouse sonhar, mas dentro do que é possível alcançar. Quanto ao resto, pode ser que a vida lhe reserve surpresas, mas não viva frustrado na esperança que o desejo impossível aconteça. Mais vale ir concretizando pequenos sonhos do que viver no malogro de nunca concretizar um sonho.


                                              Rossana Appolloni

domingo, 25 de agosto de 2013

O TRABALHO EM EQUIPA NOS PROFESSORES


          É lugar-comum dizer-se que o homem é um ser social. Faz parte da sua natureza a sociabilidade. O seu desenvolvimento equilibrado tem muito a ver com o tipo de relações interpessoais entre os membros que integram os meios em que ele está incluído, começando logo pela família.
        Não tem pertencido à nossa cultura escolar o trabalho em equipa. Esta, no entanto, é o meio natural onde nascem e crescem os projectos educativos. É certo que o trabalho de um professor é, essencialmente, solitário; e esta circunstância, em nome da liberdade pedagógica, preserva a sala de aula como o espaço central do seu trabalho.
Ora, para além deste espaço, há muitos outros de intervenção pedagógica que podem ser partilhados; para isso, terá que haver uma definição comum sobre o exercício da profissão de professor e, igualmente, um desejo de colaborar.
Os aspectos disciplinares, a luta contra o insucesso e abandono escolares, o estabelecimento de um projecto de escola, as relações com a família e com os alunos e as suas participações nesse mesmo projecto, eis alguns tópicos que poderiam suscitar a formação de equipas de professores. Estas poderiam colocar em comum pontos de vista e chegarem a conclusões que permitissem intervenções.
Nem sempre, porém, as relações entre os professores serão as mais perfeitas para estabelecer essas conclusões; há conflitos entre eles, de que pouco se tem falado na literatura educacional, que não facilitam as acções que seriam de desejar. Talvez a existência de alguém com estatuto profissional reconhecido pela comunidade escolar, sem pertencer à sua hierarquia, (ou, até, de fora da escola) pudesse mediar e ser facilitador do diálogo pedagógico, tendo em vista os superiores interesse da educação.
Só a disponibilidade para o trabalho em equipa e o desejo de encontrar soluções para os problemas identificados poderiam facilitar o alcance de resultados.


                                Mário Freire

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

SOPAS DE PÃO MOLHADO



– Mas do que é que tu gostas, Ana Isabel!? Tirando o bife, o frango e as batatas fritas, de que é que tu gostas, rapariga? Não comes feijão porque enfarta e com o grão é a mesma desculpa. À massa chamas “massunga” e não a queres, o arroz dizes que é para os pintos e eu que o coma, e às sopas chamas “soponas” e não lhes tocas. Afinal o que é que te posso fazer?
– Tudo, menos sopas de pão molhado. – Respondeu a neta, com um lindo sorriso. Gosto de pão mesmo que seja duro e sem manteiga nem nada, pão seco como se diz cá no monte. Gosto de sopa, mas é só daquela de caldo, em puré, que é só de engolir como o leite, sem mastigar. A sopa que nos dão no colégio também não presta. A gente chama-lhe “sopa de lixo”. Gosto de “hamburgers” e de cachorros, mas isso não há cá, nem a avó sabe o que é.
– Sei, sim senhor! – Atalhou a D. Rosalina – Uns são bifes de carne moída. Já cá se vendem no talho e os cachorros são salsichas no pão. Sei muito bem o que é! Quando fomos à Expo, foi o nosso almoço. Não havia sítio para uma pessoa se sentar. Posso muito bem fazer-te, mas isso não é comida de gente.
A Ana Isabel passava todas as férias com os avós paternos no Monte da Cegonha Grande, entre Pegões e Vendas Novas. Férias grandes e férias pequenas, no Natal e na Páscoa, não falhava uma. Às vezes lá tinha de passar a consoada em Lisboa, com a família da mãe, mas vinha logo que podia, pedindo que a trouxessem para o pé da avó Rosalina onde, mesmo no frio do Inverno, repartia os dias entre a rua e a grande chaminé da cozinha, com lume convidativo, feliz como um pardal, no dizer do avô, até que o pai a viesse buscar, quase sempre no último dia.
Como a maioria dos alfacinhas, a Ana Isabel detestava sopas de pão.
– Fazem-me vómitos. – Dizia, de cara franzida.
As sopas de pão eram as únicas coisas que não a identificavam com o Alentejo. Ali tudo era bom e adorava estes avós. Gostava das pessoas do campo, dos animais, da vida que ali se vivia. Só não podia com as malditas sopas. Era a açorda, a sopa da panela, a sopa de tomate, a sopa de peixe e todas as outras. E eram tantas! Todos os dias! Muitas vezes, ao almoço e ao jantar. Tudo pão molhado. Uma decepção! Apreciava os aromas e os sabores do coentro e do poejo, mas aquela visão de pão embebido no caldo trazia-lhe à memória uma «açorda» que a mãe fizera, horrível, com o pão de carcaça, numa tentativa de imitar a já de si adulterada “sopa alentejana” que se faz nos restaurantes de Lisboa. Acontece que, um belo dia, num domingo, a mãe da Ana Isabel, com a maior boa vontade do mundo, tentara oferecer ao marido um cheirinho de açorda da sua (dele) criação, mas, como não tinha coentros, fê-la com salsa, esqueceu-se do alho e escorregou-lhe a mão no óleo, pois quase não usava azeite. Uma mixórdia gorda, sem sabor e espapaçada. Uma mistela horrorosa! Simpaticamente, o marido comeu sem comentários, mas a filha, não. Devolveu ao prato a única colherada que levara à boca e não houve quem a convencesse a comer. A mãe é que nunca mais se dispôs a repetir a experiência. Ele que matasse as saudades quando fosse a casa dos pais.
Estava aqui a origem da grande aversão da criança pelas suas tão apetitosas sopas. Tinha pois de conciliar o enorme prazer da alegre e terna companhia da sua neta, com a “ralação” diária de lhe fazer comida do seu agrado.
Numa das minhas habituais andanças pelos campos, de há muito conhecia os caseiros do Monte da Cegonha Grande. Ficava-me no caminho de um areeiro com interesse para o estudo dos terrenos da grande Bacia do Tejo-Sado. Sempre falei mais com a mulher, todo o tempo ali à volta da casa, do que com o senhor Ernesto, sempre afastado nos trabalhos do monte. Só tiveram aquele filho, bom aluno e trabalhador. Com algum sacrifício, mandaram-no para Lisboa estudar, onde cursou direito e onde conheceu a Delfina, hoje a mãe da Ana Isabel.
            – Esta aqui é a minha neta. – Disse a D. Rosalina, depois de me retribuir as boas tardes que lhe dirigi, ao sair do jipe, vinha ela com um franganito nas mãos.
– Anda cá, Nucha, diz boa tarde ao senhor! Vou-lhe fazer uma canjinha e depois, frango acerejado com batatinhas fritas. É muito “niquenta” esta linda menina. É um castigo para comer. Sente-se aqui um pouco a descansar, que eu já lhe vou buscar uma pinga de água fresquinha. – E apontou-me um cadeirão de verga, à sombra do alpendre.
Morta a sede, devolvi o copo que a minha amiga me trouxera com água do cântaro, pousando-o no pires que ela, atenciosamente, conservava na mão.
– Já fez dez anos. Está uma senhorinha. Vai no domingo para o colégio. Acabam-se as férias e o pai vem cá buscá-la. É um pulinho. Para o Natal já cá a tenho de volta.
– Aqui é que se está bem. – Interrompeu a Ana Isabel. – Lá no colégio nem vemos o Sol. – Quando for crescida quero ter um trabalho de andar no campo, ver árvores e animais.
– Vai lá pôr este copo no poial, faz favor. – Ordenou a avó. – Tem cuidado não caias! – E, virando-se para mim, – Os pais são advogados. Têm cartório no Chiado e não dão mãos a medir com tanta clientela. Não têm sábados nem domingos. São muitos os fins-de-semana em que ela fica sem sair do colégio. O que vale são as férias. Este ano os pais foram uns oito dias para o sul de Espanha e ela nem quis ir. Ficou aqui. A mãe é de Lisboa. - Continuou, depois da menina se ter afastado na companhia de uma amiguinha. - A minha “genra” foi sempre rapariga de estudo. Primeiro o colégio, depois a Universidade. Nunca aprendeu nada daquilo que é vida de mulher. Hoje, com tanto trabalho que tem nem dá atenção à casa... nem à filha. Ele é o mesmo. Estão-se a encher de dinheiro e nem têm tempo para o gastar. Comem fora quase sempre e às vezes, quando estão mais cansados e já não querem sair, lá mandam vir uma comida feita para o jantar. Num fim-de-semana, em que vão buscar a menina, almoçam fora e, ao jantar, o meu filho vai buscar um frango assado, batatas fritas, um bolo ou um gelado e está feita a festa. É um viver que eu não entendo.
Visivelmente preocupada, a caseira balançava entre uma tentação incontida de desabafar e  o cuidado de não pôr os filhos em cheque.
– Ele é homem, sabe como é, mas, mesmo assim, não lhe perdoo. Agora ela, valha-me Nossa Senhora... Ela é que é a mãe. Dá-se muito bem com o meu filho. Valha-nos isso. Estão mesmo a calhar um para o outro. Minha rica neta! Se não fosse eu e o avô, não sei o que seria dela. Que Deus me dê vida para a acabar de criar. É por isso tudo que ela adora estar aqui. Mal entra de férias, ó pés para que vos quero, lá obriga o pai a vir traze-la e só abala mesmo nas vésperas das aulas. Traz a mochila com tudo o que é preciso para fazer os trabalhos de casa e, lá nisso, é cumpridora, mais dois ou três livros para, como ela diz, ler um bocadinho antes de dormir, mas quase nem os abre.
Deliciado, eu escutava a D. Rosalina. Aquela sombra, a perspectiva de mais um copo de água fresca a saber a barro, uma memória de infância, e aquele cadeirão bem almofadado dispunham-me ao papel de psiquiatra, atento ao divagar da minha amiga, ávida que estava de deitar cá para fora tudo aquilo que lhe apertava a alma.
– De dia não pára – retomou ela o fio à conversa. – Anda por todo o lado e mexe em tudo. Dá-se com toda a gente, velhos e novos. Tem aí amigos, rapazes e raparigas do monte que, quando ela cá está, não me largam a porta. Ontem, trouxeram-lhe um canito. Já lhe tinham dado um gatinho e... toma lá mais este trabalho para cima da avó. Logo de manhã cedo, ainda antes do nascer do sol, já cá está em baixo com o avô que é quem lhe prepara o pequeno-almoço, como ela diz. Aí não me dá trabalho. O pior são as sopas que uma criança não pode deixar de comer. Depois vai ajudar a tratar dos animais, que já a conhecem e ficam num alvoroço quando a vêem. A semana passada assistiu ao nascimento do bezerro. No resto do dia, feitas as obrigações do estudo, tem sempre ocupação. Os cães não a largam, sempre atrás dela. Ao fim da tarde vai regar a horta. Regar é como quem diz, vai atrás do avô, descalça, com os pés nos regos, sempre a falar e a rir.
Na sua incessante e zodiacal caminhada, o Sol franzia-me agora os olhos, furando por entre as ramadas da glicínia, despertando-me daquele embalar bucólico. O jipe, uns metros à minha frente, a refrescar à sombra do telheiro, dizia-me que ainda havia trabalho para fazer.
– Se a senhora me der mais um copinho de água, antes de ir ao meu trabalho....
– Deixe-se estar aí descansadinho, que a calma ainda é muita. – E vendo que eu me ajeitava de novo depois daquele outro copo de água, ganhou alento. – Nem televisão ela vê. Mal janta, vem logo cá para fora brincar com a rapaziada. Correm, cantam, gritam, eu sei lá. É preciso o avô vir buscá-la e, mal cai na cama, ferra no sono como um anjo, até de manhã. Se pudesse tinha-a cá o tempo todo. Quando acabam as férias vai-se a alegria. É a tristeza do céu cinzento, da chuva e do vazio deste casarão sem ela. O avô não diz nada mas a gente vê que lhe sente a falta. Diz que vai mandar pôr telefone para não estarmos assim tão isolados da família, mas eu sei que é para poder falar à neta e ouvi-lhe a voz.
E, batendo com as mãos nos joelhos e levantando a cabeça, em jeito de quem reage à tristeza, esta ninha amiga suspirou: – Paciência. O tempo passa depressa e daqui a uns meses já cá a tenho outra vez.


                                         Galopim de Carvalho

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DIPLOMACIA


Dividir, afim de reinar,
é ‘stratégia do inimigo.
Dar as mãos e abraçar
é contigo e é comigo.

Guerra quente ou guerra fria.
guerra é; não faz sentido.
Graças à diplomacia,
o passado é corrigido.

Diplomata verdadeiro,
dado ao múnus, por inteiro,
faz de traço de união.

Leva a crer num ideal:
Toca a todos, afinal,
consagrar-se a tal missão.


João d’Alcor

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

DA CULPA À RESPONSABILIDADE


       «Em casa ninguém me ajuda, no trabalho cai tudo sobre mim, ela/ele não me compreende…» e por aí fora, são frases comuns que levam muitas pessoas a viverem revoltadas e infelizes e a culparem tudo o que lhes é externo pelo mal-estar interior que sentem. Tudo à volta corre mal porque os outros não se portam bem, não correspondem às expectativas.
Mas será justo atribuir culpas à forma de ser das pessoas? Será justo culpar alguém de não nos entender? Tentar jogar no terreno da atribuição de culpas é afundar-se em areias movediças, é desgastar energias num poço sem fundo. Pelo contrário, assumir responsabilidades abre-nos as portas para outro mundo.
Assumir a responsabilidade não tem nada a ver com admitir a culpa. Ser responsável significa apropriar-se da habilidade de responder aos acontecimentos, significa dar as respostas mais funcionais aos desafios que a vida nos coloca. Somos completamente responsáveis por nós, isto é, pela forma como pensamos, sentimos, falamos e agimos.
Cada um é dono do seu terreno e ninguém consegue exercer poder no terreno do outro. A única coisa que podemos fazer é mudar a forma como pensamos, agimos e sentimos acerca do exterior.
Assumir a responsabilidade das nossas respostas e estados de ânimo, implica retirar aos eventos externos qualquer ascendente sobre nós. Somos nós que escolhemos como queremos responder, isto é, como queremos usar a nossa responsabilidade. Passar do «ela irrita-me» ao «eu fico irritada com ela» ajuda-nos a reapropriarmo-nos do poder que cada um tem sobre a sua vida.
Conseguir mudar a perspectiva e assumir a responsabilidade em cada situação liberta-nos para um mundo onde a escolha é sempre nossa. E quando a escolha é nossa, podemos mudar o que quisermos, só depende de nós!


                                                 Rossana Appolloni

sábado, 17 de agosto de 2013

In memoriam de URBANO TAVARES RODRIGUES


Não sou eu que posso evocar sua volumosa, diversificada e riquíssima obra literária. Outros o fizeram e farão. Mas posso evocar a sua dimensão humana e a atenção que sempre deu aos problemas sociais do Alentejo. Problemas que sempre encontrei na dramaturgia e na poética do cante Alentejano.
Expressão a um tempo literária e musical da cultura popular tradicional da maior província de Portugal, esta expressão artística, iniciada no Baixo Alentejo, talvez em Serpa, admite-se que, no século XV, traduz o seu quotidiano, em toda a sua extensão sentimental, as mais das vezes, nostálgica.
No tempo em que fui rapaz, em Évora, eram muitos os trabalhadores que, ao sábado, ganha a magra féria, vinham à Porta Nova fazer os avios para a semana. Com séculos de história e a mesma tipologia sócio-económica desde finais da Idade Média, a Porta Nova sempre foi uma plataforma apta a responder aos citadinos e aos vindos dos campos em redor, ou de “fora-de-portas”, como se dizia. Procurando esquecer, por momentos, a “porca da vida”, muitos deles prolongavam a estadia na cidade, serão adentro, comendo, bebendo e cantando em coro à volta de uma mesa repleta de copos de vinho, uns cheios, uns meios, outros vazios. Ouvi-os, durante os anos da minha estadia na cidade, e em muitos dos versos que cantavam estava a mesma luta dos explorados e oprimidos que podemos reconhecer na bela escrita deste grande português que na semana passada nos disse adeus.

                                          Galopim de Carvalho


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

DIPLOMA


Bem recordo eu, hoje em dia,
minha escola, em tenra idade,
e outrossim a academia,
longe, na universidade.

Longa fora a caminhada,
olhos postos no ideal:
Uma vida consagrada
no servir tem seu aval.

Nunca a escolaridade
seja trunfo a jogar,
a pensar em ser servido.

Se há diploma, na verdade,
o arquivo é seu lugar.
Nulo ele é, quando exibido.


João d’Alcor

terça-feira, 13 de agosto de 2013

QUE TAL VIVER UM CONTO DE FADAS?


As histórias dos contos de fadas têm mais importância na nossa vida do que aquilo que julgamos. A nossa primeira ideia acerca das relações, do amor, do casamento e de uma vida feliz para sempre é muito influenciada pelas histórias que nos contam em criança ou que lemos na adolescência, ou pelos filmes que vemos.
Apesar de termos a noção que ninguém virá atrás de nós para experimentar o sapatinho, desejamos e esperamos que uma certa dose de magia e de encanto acompanhe a nossa relação amorosa. O problema é que o mal-estar começa a surgir quando nos deixamos levar pelas expectativas de um conto de fadas, onde a vida gira à volta desse amor e nada mais importa.
Ora, a vida não pode ser comparável a um conto de fadas, pelo que as pessoas que desejam viver essa fantasia sentir-se-ão sempre frustradas e desiludidas, pois na realidade os desafios são outros. E quanto mais se acredita que é possível viver uma história de amor desse género, maior a angústia e o sofrimento porque o impacto com a realidade é inevitável.
Claro que há histórias de amor felizes, tudo depende da capacidade de encararmos a realidade, com as dificuldades que ela tem, de enfrentarmos os desafios que uma relação nos propõe, de aceitarmos o outro, de nos entregarmos a uma aventura que é viver a vida ao lado de outra pessoa. E essa pessoa pode não ser a mesma toda a vida, depende dos caminhos que consideramos serem importantes para nós, depende do rumo que toma o nosso crescimento e que por vezes deixa de coincidir com o do outro.
Insistir num único amor eterno é assumir que não mudamos, nem nós, nem o parceiro. Raramente acontece conseguirmo-nos manter com os mesmos objetivos de vida, a mesma cumplicidade e o mesmo companheirismo. Neste mundo em constante e rápida mudança é raro encontrar relações tão sólidas e saudáveis, mas é possível. O importante é nunca ir contra a própria natureza e perceber que a relação amorosa é uma parte da nossa vida, juntamente com tantas outras!
Pode parecer ridículo, mas os contos de fadas são importantes. Os nossos primeiros conceitos sobre relacionamentos, amor, casamento e uma vida feliz para sempre, são fortemente influenciados pelas histórias clássicas que lemos e filmes que vemos. Muito embora não estejamos à espera que alguém venha atrás de nós para experimentar chinelos mágicos nos nossos pés, esperamos que uma certa dose de encanto acompanhe o nosso amor e a nossa vida.
Devemos ver a magia da vida em cada dia, da partilha e do cuidado com alguém, mas sem nos deixarmos levar pelas expectativas de um conto de fadas, onde a história é unicamente sobre a procura do amor e o resto da vida se resolve por si só. 
Personagens dos contos de fadas, tais como a Cinderela, estavam presentes em 78% das convicções das pessoas, em relação ao amor romântico. Essas pessoas tinham maior predisposição para sofrer desilusões e para sentir-se arrasadas ou angustiadas com os seus relacionamentos do que as pessoas que davam menos crédito a essas histórias.


                     Rossana Appolloni

domingo, 11 de agosto de 2013

APRENDER A APRENDER


             O trabalho de um professor está muito longe de se limitar às horas lectivas em que, assumindo o seu papel de líder da turma, através de métodos mais ou menos participativos, proporciona aos alunos as diversas aprendizagens.
            Existem outros trabalhos, não menos importantes, em que o professor é solicitado a dar o seu contributo na escola. Um deles passa por acompanhar os alunos nas suas aprendizagens. Ora, este acompanhamento pode revestir várias formas.
Na matriz curricular do 1º ciclo fala-se no estudo acompanhado. Diz-se na legislação enquadradora deste estudo que ele é “orientado para a criação de métodos de estudo e de trabalho que promovam a autonomia da aprendizagem e a melhoria dos resultados escolares”.
Aqui está uma meta de grande alcance educacional que exigiria da parte de todos aqueles que, directa e indirectamente, intervêm neste espaço pedagógico uma atenção quer sobre a metodologia nele adoptado, quer sobre o seu conteúdo.
Não sei se os professores que intervêm nesta actividade estão a ter (ou tiveram) alguma formação no domínio do aprender a aprender. Este sector das ciências da educação, contudo, é de grande importância pois envolve, seja da parte do professor, seja do aluno, certos procedimentos que facilitam a aprendizagem e tornam o seu conteúdo mais duradouro. E estando o aluno apetrechado com meios que o habilitem a aprender melhor, certamente que será mais autónomo e, consequentemente, melhorará os resultados escolares.
Mas não só os professores do 1º ciclo, especialmente indicados para o estudo acompanhado, deveriam ter formação neste campo. Esta formação interessa a todos os outros professores de qualquer nível de ensino. Aprende-se a aprender ao longo de toda escola mas, também, ao longo da vida.


                                             Mário Freire

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SOBRE O EXAME NACIONAL DE BIOLOGIA E GEOLOGIA


             (Imagem retirada de www.publico.pt)

A propósito da situação pouco edificante decorrente dos erros, incongruências e imprecisões detectado no questionário de geologia do Exame Nacional de Bilogia e Geologia do passado dia 18 de Junho e denunciados publicamente, parece-me oportuno deixar aqui algumas reflexões, síntese repetitiva das muitas vindas a público, expendidas ao longo de décadas, por diversos elementos da comunidade dos geólogos, na qual me incluo, e que sou levado a concluir, continuam a não despertar as desejáveis atenção e preocupação dos responsáveis.
O caso do referido exame, aberrante e lamentável, questiona, não só a competência do ou dos que, ao serviço do Ministério da Educação, elaboraram o dito questionário, mas também e sobretudo, o bom nome da respectiva hierarquia.
Numa longa caminhada, tão velha quanto a humanidade, a geologia, no seu todo, foi sendo descoberta pelo Homem, que tirou dos seus ensinamentos os proveitos que lhe permitiram progredir da simples busca do sílex à prospecção e exploração de fontes de energia e de minerais estratégicos essenciais às modernas tecnologias da sociedade do presente.
Nesta caminhada, estabeleceu relações de causa-efeito entre os objectos e os mecanismos que lhe foram dados observar no mundo físico que foi o seu. Experimentou o que pôde experimentar, deduziu o que conseguiu deduzir, inferiu o que soube inferir e transmitiu, aos descendentes, o saber que foi acumulando, servindo-se para tal da linguagem de que dispunha, nos primeiros milhões de anos, o gesto e, só mais tarde e progressivamente, a fala. Num muito rudimentar esboço de ciência, tudo isto o Homem fez antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever.
A história desta disciplina científica radica nas mesmas origens da de outros domínios da ciência. Temos de ir buscá-la às civilizações chinesa, babilónica, egípcia e outras. Mas é, sobretudo, nos filósofos, geógrafos, astrónomos e poetas gregos e latinos que encontramos os fundamentos que deram suporte à ciência e à tecnologia de que hoje, absolutamente, dependemos.
         A geologia tem crescido nestes contextos, sendo hoje um dos pilares da sociedade moderna, constituindo alavancas poderosas para o bem e também, não o esqueçamos, para o mal, ao serviço da humanidade.
A geologia foi um dos domínios do conhecimento científico cuja competição e cujos conflitos com a religião (em particular, com a Igreja católica) foram mais graves e violentos. Cultivar esta disciplina em moldes científicos, nos tempos anteriores ao iluminismo nascido da elite intelectual europeia de finais do século XVIII, teve os seus riscos. E não foram pequenos. Falar ou escrever sobre a origem da Terra e as suas transformações ou sobre o nascimento da vida e a evolução das espécies, incluindo o surgimento do homem, tinha limites impostos pelos zeladores da Fé. Fazê-lo à luz da razão e, inevitavelmente, em confronto com as “verdades” bíblicas e com os dogmas decretados pela Santa Sé, não foi uma caminhada fácil. Foi, sim, causa de perseguições, sofrimento e, não raras vezes, sacrifício da própria vida. Basta lembrar Averrois, no século XII, Giordano Bruno, no XVI, e Galileu, no XVII, para nos darmos conta dos escolhos postos ao progresso desta e de outras ciências.
Cautelosa e timidamente, os pioneiros do conhecimento geológico propunham as suas explicações, sujeitando-se ao risco de uma tal ousadia. Como é vulgo dizer-se, a ciência e a religião são como a água e o azeite. Não se misturam. Coexistem, mas cada uma no seu campo. É evidente que as atitudes de uma e de outra perante as entidades e os fenómenos naturais, são geradoras de confronto, hoje razoavelmente civilizado e pacífico nas sociedades democráticas, mas conflituoso e, tantas vezes, cruel e desumano no passado.
Na sociedade do presente a geologia já ganhou, em muitos países, estatuto de ciência de grandeza compatível com a sua real importância, o que não é o caso em Portugal, onde este ramo do saber permanece subalternizado nos currículos escolares e continua arredado da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.
A vida profissional permitiu-me, ao longo de décadas, conviver, algumas vezes de muito perto, com as mais altas figuras nacionais, dos chefes de estado aos dos governos central e local, com ministros da educação e outros, com parlamentares e figuras gradas dos partidos políticos, com os mais prestigiados jornalistas e comentadores dos jornais, da rádio e da televisão (quase todos gente do domínio das humanidades), e pude, salvo uma ou outra excepção, constatar esta triste realidade.
É, pois, este o panorama da geologia no nosso país, pelo que o lamentável caso do referido exame, deve ser considerado como uma consequência desta mesma realidade.

                            Galopim de Carvalho



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

DINAMISMO


Da inércia ao movimento,
distinção é requerida.
De veloz a passo lento,
ritmos há, em quanto é vida.

Vem a dinamização,
onde nada era operante,
trazer novo coração,
qual milagre de um transplante.

Movimento e quietude,
bem que opostos, em si são
pólos em busca de uma avença.

Se enfocados na virtude,
dinamismo surge então,
sendo enorme a recompensa.


João d’Alcor

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

FLUXO



O conceito de Fluxo foi criado pelo psicólogo Csikszentmihalyi para definir a sensação de total envolvimento numa atividade que gostamos e que nos absorve de tal maneira que perdemos a noção do tempo. A nível profissional, trabalhar num estado de fluxo significa que a pessoa está a concretizar algo fruto da sua motivação máxima, pois trabalhar neste estado proporciona um enorme prazer.
Independentemente de serem tarefas difíceis, se entramos num estado de fluxo o nosso cérebro funciona com um dispêndio energético mínimo, pois o prazer prevalece sobre o cansaço.
 Quando nos sentimos aborrecidos ou em esforço, a nossa atividade cerebral é difusa, mas no decorrer do fluxo, o cérebro torna-se eficiente. Não damos pelo tempo passar e a satisfação que sentimos no que estamos a fazer proporciona-nos bem-estar, além do nível de desempenho ser melhor.
A ideia de que só com sofrimento é que conseguimos atingir os objetivos propostos não se adequa com esta teoria. Segundo Csikszentmihalyi, esforço e bons resultados não se conjugam.
Existe uma situação ideal, diferente para cada um de nós, em que os melhores resultados surgem quando se tem prazer no que se faz e quando sentimos que o desafio proposto é adequado para nós: não é nem demasiado fácil (criar-nos-ia aborrecimento) nem demasiado difícil (criar-nos-ia ansiedade).
 Assim, quando a dificuldade da tarefa vem ao encontro das nossas capacidades entramos num estado onde parece que a ação e a consciência se fundem. E é precisamente neste ponto que se dá a aprendizagem: quando o nosso estado emocional está num nível que nos permite receber mais informação.
Cultivar o estado de fluxo contribui para a nossa felicidade, pois sentir prazer e dar o melhor de si traduz-se em aprendizagem e crescimento pessoal. Qualquer atividade, seja ela qual for, onde se usufrui do percurso e da meta, com a dose certa de desafio, alimenta o nosso ser. 


                             Rossana Appolloni

sábado, 3 de agosto de 2013

UMA RECOMENDAÇÃO ESTRATÉGICA



Houve já ocasião, neste blog, de escrever sobre o problema da escolha de um curso e a realização profissional. Foram, então, considerados alguns enfoques e identificadas certas variáveis que poderiam contribuir para compreender melhor a extensão deste magno tema educacional.
Ora o relatório do Conselho Nacional de Educação, há meses publicado, vem enfatizar a importância da orientação escolar e profissional.
            Numa das suas recomendações pode ler-se: “A orientação escolar e profissional deve desempenhar um papel estratégico na elevação dos níveis de qualificação da população portuguesa, ao facilitar o acesso à informação sobre a oferta de educação e formação disponível, ajudando jovens e adultos na construção de uma identidade pessoal e vocacional”.
            A orientação vocacional é, pois, um processo que ajuda o aluno a saber quem é. Mas ela constitui, igualmente, um instrumento de apoio à individualização do ensino, na medida em que auxilia o estudante a procurar um caminho escolar e profissional que mais se lhe adeqúe, tendo em consideração múltiplas variáveis. 
A escolaridade obrigatória de 12 anos vem colocar novos desafios à orientação. Se, à partida, se apresentam inúmeras vias aos alunos que terminam o 9º ano, o grau de exigência do ensino secundário poderá proporcionar maior absentismo e insucesso nos estudos. Caberá, então, ao profissional de orientação, com a colaboração da família, dos professores e dos serviços sociais, encontrar vias que, por um lado, previnam factores negativos na aprendizagem e, por outro, descobrir meios de o aluno melhor desenvolver as suas capacidades.
O Conselho Nacional de Educação recomenda, então, considerando o novo quadro da escolaridade obrigatória, que se defina com clareza uma política para a orientação escolar e profissional. Façamos votos para que tal aconteça.


                                                   Mário Freire

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ILHAS SELVAGENS


No passado mês de Julho, os portugueses foram bombardeados com a visita do Presidente da República à Reserva Natural das Ilhas Selvagens, criada em 1971. Estas muito nossas pontuações rochosas emergentes das águas do Atlântico, a cerca de 160 km a norte das Canárias, têm sido, de há muito, alvo da cobiça dos “nuestros hermanos y vecinos”, nesta Europa a 27, onde a solidariedade é palavra quase esquecida. É um conjunto de três pequenas ilhas ou ilhéus rodeados de baixios que, para além do seu muito interesse nos domínios da bio e da geodiversidade, fazem aumentar consideravelmente a Zona Económica Exclusiva de Portugal.
Durante a curtíssima estadia do Presidente da República nesta parcela do território pátrio, falou-se da Estratégia Nacional para o Mar, falou-se de Mário Soares e Jorge Sampaio, os dois presidentes que já ali se deslocaram em manifestações de soberania, e ali permaneceram apenas umas horas, e que foi o actual Chefe de Estado que, reafirmando a portugalidade da dita parcela, ali pernoitou; “uma noite tranquila”, no dizer do próprio, em contraste com a “noite mal dormida” a bordo da fragata Vasco da Gama. Falou-se do ROV, o veículo de observação remota, capaz de mergulhar até aos 6000m, nas profundezas oceânicas, falou-se da casa dos vigilantes e da única casa particular, ali construída em finais dos anos 60 do século passado, propriedade do médico e ornitólogo de origem britânica, Francis Zino, e falou-se muito de cagarras e um pouco menos das outras aves ali residentes.
Entretanto, em Lisboa, prosseguiam as conversações entre as delegações do PSD, do PS e do CDS-PP, dizia-se que, com vista ao “compromisso de salvação nacional” proposto, dias antes, pelo ilustre visitante do minúsculo arquipélago.
Nesta visita, ninguém, nem o director do Parque Natural da Madeira (como era seu dever e da sua competência), explicou ao Professor, aos distintos acompanhantes e aos portugueses a natureza e a história geológica do local. Com alguma ligação a esse domínio do saber foram, contudo, ali proferidos dois temos: pedregulho, pela boca do Professor Cavaco Silva, ao aludir às irregularidades da vereda de acesso ao planalto, e ravina, pela voz do Dr. Alberto Jardim, no mesmo percurso, numa expressão, aliás, incorrecta, pois o que há ali é um escarpado ou, se quisermos, uma arriba. Ravina é um francesismo desnecessário, obtido por tradução de ravin, cujo significado é barranco.



         Vista aérea da Selvagem Grande (in www.panoramio.com).

As Selvagens são a parte visível de um importante aparelho vulcânico edificado a partir do substrato oceânico (com 135 milhões de anos), a uma profundidade de 3000 a 4000 metros e quase completamente arrasado pela erosão na sua parte emersa. A Selvagem Grande, a maior destas emergências, corresponde ao que resta de um cone vulcânico no extremo nordeste de um alinhamento de orientação NE-SW, marcado pela isóbata dos 1000 m, cujo extremo SW corresponde ao outro cone do mesmo aparelho, testemunhado pela Selvagem Pequena e pelos ilhéus vizinhos.
No essencial e em termos muito gerais, a Selvagem Grande, com cerca de 5 km2, exibe uma superfície planáltica, a cerca de 100 m de altitude, terminada abruptamente sobre o mar, com arribas de 70 a 90 m de escarpado. Esta superfície, sub-horizontal e muito regular, é o resultado de erosão, por abrasão marinha, do relevo vulcânico primitivo, predominantemente construído por fonolito (rocha extrusiva rica de feldspatóides, equivalente vulcânica do sienito nefelínico, como o que temos na Serra de Monchique) durante o período Oligocénico, cuja idade isotópica foi avaliada entre 24 e 27 milhões de anos.
Sobre esta superfície, então submersa a muito escassa profundidade, formando um banco, depositou-se uma sequência de camadas sedimentares, com 5 a 10 m de espessura, com um conglomerado de cimento calcário, na base, a que se seguem níveis arenosos calcários com abundantes fósseis marinhos atribuídos ao Miocénico (Tortoniano inferior ou Serravaliano).
Esta superfície acabou por de elevar uma centena de metros, razão de ser da sua actual situação planáltica. Acima dela sobressaem o Pico da Atalaia (163m), o Pico do Tornozelo (137m) e o Cabeço do Inferno (108m), elevações correspondentes ao que resta de três cones edificados por actividade vulcânica mais recente, testemunhada por piroclastos e escoadas de lavas basálticas (cujo primeiro derrame sobre a camada sedimentar fossilífera data de há cerca de 11,5 milhões de anos), num conjunto que se prolonga pelo Pliocénico e, talvez, pelo Quaternário antigo, que cobre o topo da sequência sedimentar que, assim, apenas é visível na periferia da ilha, no topo da arriba, entre os 80 e os 100 m de altitude.
Parte do planalto está atapetado por areias calcárias organogénicas, para ali transportadas eolicamente, oriundas de um litoral arenoso entretanto desaparecido.
       Como recursos hídricos, existem na ilha apenas três fontes de fraco débito e apenas em parte do ano: Fonte das Ovelhas, Fonte Salgada e Fonte das Galinhas, pelo que o abastecimento de água se faz com recurso a duas cisternas, a Velha, no centro da ilha, e a Nova, a SW do pico da Atalaia.

                                     Galopim de Carvalho